A Europa e a mancha da corrupção
Relatório da Comissão Europeia aponta que a corrupção custa 120 bilhões de euros por ano ao continente. De escândalos políticos a paraísos fiscais, o problema afeta desde a confiança nas instituições até o desenvolvimento econômico europeu
Existe por toda a Europa a crença de que a África e a América Latina são os continentes mais corruptos do mundo. Talvez isso não seja uma verdade absoluta. Do batedor de carteiras que rouba turistas nos monumentos históricos das belas cidades ao próprio Rei de Espanha e outros aristocratas e grandes líderes políticos, a corrupção aparece como uma das manchas do velho continente. A história da sua civilização também pode ser contada pelos crimes que foram e continuam a ser nela ou por ela cometidos. Apropriação de territórios anexados com violência, corsários patrocinados pela realeza, assassinatos, envenenamentos políticos, lavagem de dinheiro, corrupção ou simplesmente roubo, esta é também uma realidade da Europa ao longo da sua história.
Um relatório da Comissão Europeia calcula em 120 bilhões de euros a cada ano o custo da corrupção, quase o tamanho do orçamento anual da própria União Europeia. Nesta conta estão incluídos o crime organizado, a fraude financeira, a lavagem de dinheiro e a corrupção nos poderes públicos. Afirma a Comissão Europeia que a corrupção gera insegurança, impõe custos adicionais e torna um país menos atrativo para as empresas, além de reduzir o investimento e a competividade. E ainda inibe o incentivo de os contribuintes pagarem seus impostos.
A corrupção, assegura a Comissão Europeia, reduz os recursos para a proteção social e os serviços públicos, acentua as desigualdades sociais, desmoraliza a confiança no Estado, nas instituições e nos governos. E representa uma ameaça para a própria democracia.
Os mais corruptos
Os países mais corruptos da Europa, segundo Trading Economics (https://pt.tradingeconomics.com/country-list/corruption-rank?continent=europe) seriam Ucrânia e Rússia e os menos corruptos Dinamarca e Finlândia. O jornalista italiano Roberto Saviano tem outra opinião e pensa que o Reino Unido “é o país mais corrupto da face da terra”. Justifica pela existência dos paraísos fiscais (offshores) mantidos por esse país e que tanto guardam o dinheiro quanto financiam o crime e a corrupção mundo afora. Ele está seguro de que não é a burocracia, a polícia ou a política que são corruptas, mas sim o capital financeiro. Noventa por cento das instituições financeiras de Londres têm sede fora do país e as ilhas de Jersey e Caiman são a porta de acesso do capital criminoso.
Roberto Saviano é o autor do livro Gomorra e, até hoje, jurado de morte pela Máfia. Anda sob proteção de sete guarda costas e dois carros blindados. Seu último livro, ZeroZeroZero, trata da relação dos carteis de drogas do México com a cidade de Londres.
A Procuradora Geral Europeia e ex-procurdora chefe da Direção Nacional Anticorrupção da Romênia, Laura Codruta Kövesi, não duvida de que existe corrupção em praticamente todos os países do mundo, mas acha que o volume da corrupção depende do grau de envolvimento das autoridades locais. Um país será tanto mais corrupto quanto forem corruptas as suas autoridades.
O rei emérito da Espanha, Juan Carlos I (Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Borbón y Borbón-Dos Sicilias), teve de deixar o país quando seu filho Felipe VI, a favor de quem já fora obrigado a abdicar, anunciou que recusava qualquer herança do pai e lhe retirava a subvenção pública anual de 200 mil euros. Por trás estavam comissões ilegais de 65 milhões de euros que o rei havia recebido da Arábia Saudita e estavam depositadas num banco suíço. Ele possuía também grandes investimentos, de duvidosa origem, em paraísos fiscais. Juan Carlos foi ungido ao trono por Franco antes da sua morte.
E o príncipe consorte Bernardo da Holanda (Bernardo Leopoldo Frederico Evandro Júlio Carlos Godofredo Pedro), foi flagrado ao receber 1,5 milhão de dólares de suborno da Lockheed, fabricante norte-americana de aviões que disputava uma concorrência para fornecer caças ao país.
Primeiros-ministros
Embora os políticos sem ideologia, para escandalizar a moral das classes médias e angariarem benefícios eleitorais, costumem acusar uns aos outros de serem corruptos, alguns o são verdadeiramente. A Itália é pródiga em casos de corrupção. Pelo menos quatro preeminentes políticos que foram nos últimos anos supremos dirigentes da nação italiana andaram às voltas com a polícia ou tiveram de fugir do país: Giulio Andreotti, Arnaldo Forlani, Bettino Craxi e Silvio Berlusconi.
Andreotti, democrata cristão, foi chefe de governo sete vezes em quarenta anos. Em 1996 um delator da Máfia revelou suas ligações com o chefão TotoRiina e o acusou de ter mandado matar um jornalista. Foi condenado a 24 anos de prisão, mas absolvido num recurso ao Supremo. Voltou a ser processado em 2003 por outros laços com a Máfia, mas morreu com os crimes prescritos. Dizem que deixou um baú fechado e cheio de segredos sobre a corrupção na política italiana.
Arnaldo Forlani, também democrata cristão, primeiro-ministro entre 1980 e 1981, era parte do grupo que dominou o país durante muitos anos. Seu governo caiu num escândalo de envolvimento ilegal com a maçonaria e recebimento de dinheiro ilícito. Foi condenado a vinte e oito meses de prisão cumpridos em serviços comunitários.
Bettino Craxi foi o primeiro membro do Partido Socialista Italiano a chefiar o governo, de 1983 a 1987. Quando se viu acusado de tráfico de influência, financiamento ilegal e suborno, afirmou que todos os partidos faziam a mesma coisa. Revelou a centralidade da corrupção generalizada na política italiana. Foi condenado a 27 anos de prisão e fugiu para a Tunísia, onde morreu em 19 de janeiro de 2000.
O bilionário Silvio Berlusconi liderou governos de direita na Itália, fortemente reacionários, por quatro vezes, totalizando nove anos. De 1994 a 1995, de 2001 a 2005, de 2005 a 2006 e de 2008 a 2011. Respondeu a 18 processos por corrupção e foi condenado a um ano de prisão por crime de fraude, cumpridos em serviços comunitários e a multa de dez milhões de euros. Teria inflacionado os custos dos direitos de transmissão de séries e filmes comprados pela Mediaset, a sua holding proprietária de estações de TV e de um poderoso complexo de meios de comunicação. Causou um prejuízo de 34 milhões de euros aos acionistas e de 7 milhões ao fisco. Morreu em 2023 no exercício dopoder em associação com a sua aliada Giorgia Meloni e seu partido Fratelli d’Italia .
Políticos
Jacques Chirac, presidente da França entre 1995 e 2007, foi condenado a uma pena de prisão que não chegou a cumprir por desvios de fundos públicos e abuso de confiança.
Alain Juppé foi primeiro-ministro e condenado a uma pena suspensa de 18 meses de prisão por crimes cometidos quando era secretário de finanças da prefeitura de Bordeaux. Dois anos depois ganhou as eleições para prefeito.
São muitos os políticos acusados de corrupção tanto na França quanto em outros países da Europa. O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy foi condenado a três anos de prisão por corrupção e tráfico de influência. O fim da carreira política de Helmut Kohl, o chanceler da reunificação da Alemanha, foi ditado por ter recebido dinheiro ilegal de um comerciante de armas. Christian Wulff, antigo presidente, demitiu-se num escândalo de suspeitas de corrupção e ameaças a um jornalista que o denunciou.
Na República Checa, o primeiro-ministro Petr Necas foi obrigado a renunciar diante de um escândalo que envolveu suborno, espionagem doméstica e compra de votos no parlamento. E na Croácia o ex-primeiro ministro Ivo Sanader foi condenado a dez anos de prisão por ter entregado a gestão do petróleo do país, mediante suborno de 5 milhões de euros, a um grupo da Hungria.
A corrupção na Europa Ocidental e na União Europeia está piorando pela primeira vez em mais de uma década, de acordo com o último Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional.
Segundo a Transparência Internacional e as informações da Comissão Europeia, setenta e cinco por cento dos europeus acreditam que a corrupção está generalizada em seus países. Em alguns países como Grécia (99%), Itália (97%) e Espanha (95%), essa percepção é quase universal.
*Imagem em destaque: Flickr/Devin Smith
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).