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Alternativa (Possível), Sonho (Real) e Utopia (Necessária)

Alternativa (Possível), Sonho (Real) e Utopia (Necessária)

A oposição sempre será dura por parte das forças econômicas e políticas dominantes, cujo poder e privilégios se baseiam na continuidade da atual ordem social. Mas não só, pior é quando esmorece boa parte das forças originalmente organizadas para combater essa ordem e atuar em defesa dos grupos sociais dominados e explorados.

Recuperei parte da minha memória de 40 anos, motivado por uma entrevista concedida a um documentário em elaboração sobre Herbert Daniel, revolucionário e gay segundo o título de sua extraordinária biografia, publicada por James Green em 2018. No subtítulo, afirma ele ter sido pioneiro na luta pela democracia, diversidade e inclusão.

Conheci o Daniel (codinome ou “nome de guerra” na luta clandestina) ao participar do comitê eleitoral de Liszt Vieira em 1982. Nesse ano, ocorreu a primeira campanha realizada por militantes do Partido dos Trabalhadores, cujo Núcleo de Economistas do Rio de Janeiro eu tomei a iniciativa de criar quando germinou a ideia do PT em 1979.

A eleição de 1974 ficou marcada na história política da esquerda brasileira como uma guinada com o abandono da tática de luta armada em favor da estratégia democrática. A eleição de 1982 ficou registrada como a primeira na qual a Geração 68 colocou em pauta temas libertários como ecologia, feminismo, homossexualismo, antirracismo.

Em uma campanha inesquecível, conseguimos eleger Liszt Vieira. Ele se tornou o primeiro deputado estadual “verde” por um partido “vermelho” no Brasil.

As candidaturas concorrentes nos ironizavam como fóssemos “veados verdes”. Desenhei e uma namorada costurou para mim um veadinho verde em cetim na camiseta para ir a uma festa e provocar os companheiros críticos. Eu era o disk jockey das festas temáticas com as quais arrecadamos todo o dinheiro gasto na campanha vitoriosa.

Quando um partido de esquerda precisa tomar uma decisão, a leninista Doutrina do Centralismo Democrático prega: deve reunir os seus membros, promover um debate livre, amplo e profundo, de modo a permitir o exame exaustivo da questão, para, finalmente, como coroamento do processo de discussão, colocar em votação as diversas posições em disputa. Esse é o momento da democracia.

Uma vez consolidada uma maioria, a minoria a ela deve subordinar-se. Esse é o momento do centralismo. Daí a fórmula chamada centralismo democrático.

Tornou-se uma concepção de partido muito comum para a esquerda. Porém, em condições de ditadura e luta armada, não era possível o momento da democracia. As resoluções baixavam da cúpula sem debate pela base. Daí as contínuas dissidências contra decisões arbitrárias por parte da geração militante nos anos 60.

Nossa geração dos anos 70 (comecei meu curso universitário em 1971 na FACE-UFMG) adotou o chamado “basismo”. A ideia-chave era a propagação de ideias a partir dos núcleos de base para todos os demais movimentos sociais até a direção do Partido dos Trabalhadores assumir a posição majoritária da base partidária.

Basismo era a doutrina ou o movimento político, aparentemente espontâneo nas bases da sociedade, com a adoção do coletivo (assembleia direta) nos processos de decisão. Estabelecia todos os ativistas serem participantes ativos nas tomadas de decisões.

Em 1982, éramos também conhecidos como autonomistas. O autonomismo era um conjunto de teorias libertárias críticas do movimento socialista tradicional.

Era adotado por vários movimentos sociais e políticos de esquerda, existentes principalmente na Europa, cujas ideias os exilados políticos trouxeram. Caracterizavam-se pela oposição à burocracia dominante nos partidos e Estados socialistas.

Os autonomistas, de modo geral, propunham a descentralização do poder, a autogestão e a colaboração em rede entre todos os dispostos a criar novos movimentos sociais. Combatiam, politicamente, isto é, via ações coletivas, no sentido de a futura sociedade superar os modelos historicamente autoritários.

Os franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari eram notáveis autonomistas. Na campanha de 1982, patrocinamos uma palestra de Guattari no Rio de Janeiro, em 1982, autor do livro Revolução Molecular. Em premonição, ele já previa mudanças sociais gradativas e em rede. Na década seguinte, a revolução em tecnologia de informação, provocada pelo surgimento das redes sociais via Internet (PC’s e celulares), se estabeleceu.

Outra referência política e intelectual era o livro de Michel Foucault, Microfísica do Poder (1979). Não existe nele uma Teoria Geral do Poder, algo unitário e global, mas recuperou as formas díspares, heterogêneas, existentes em constante mutação. O poder é uma prática social e, como tal, constituída dinâmica e historicamente.

Foucault procura dar conta desse nível molecular de exercício do poder sem partir do centro para a periferia, do macro para o micro. Segundo sua argumentação, mecanismos infinitesimais de poder estão intimamente relacionados com a produção de determinados saberes sobre o criminoso, a sexualidade, a doença, a loucura etc.

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O desafio é analisar como esses micropoderes, possuidores de histórias próprias, se relacionam com o nível mais geral do poder, constituído pelo aparelho de Estado. Este não é o ponto de partida necessário, pois o foco dos autonomistas está no poder social, ou seja, entre o Estado e o Mercado, privilegiamos a Comunidade estar acima deles.

Nossa campanha eleitoral defendia a liberalização a partir dos indivíduos e/ou de movimentos sociais contra os costumes conservadores. Radicalizávamos a defesa dos princípios republicanos de liberdade (dispor do próprio corpo para sexo e aborto), fraternidade e igualdade.

A plataforma eleitoral, escrita por Herbert Daniel (mais criativo e delirante) e por mim (mais pragmático), defendia a possibilidade da relação do Homem com a Natureza a partir de uma relação, senão harmônica, menos desigual entre os seres humanos. Esses princípios republicanos liberais deveriam ser “levados ao pé-da-letra” ou radicalizados.

A este tipo de visão denominamos Ecologia Política — menos referente à preservação da natureza intocável e romântica em defesa de uma única árvore e não da floresta. Considerávamos a ecologia uma questão socioeconômica e política, logo, relacionada à ação coletiva. Em 1982, de maneira inédita no País, já denunciávamos a discriminação das minorias (sexual e racial) oprimidas e a espoliação dos recursos naturais.

Não aceitávamos o fatalismo das forças econômicas e políticas dominantes de “as coisas são como são – e vão como vão – por não poderem ir de outra maneira”. Não há nada natural em as coisas serem como são – e elas podem ser sim de outra maneira!

Apontávamos a contradição entre o possível e o real, ou seja, entre a possibilidade de uma existência na qual os indivíduos se sirvam dos meios à sua disposição para sua liberdade e satisfação e a realidade de uma sociedade na qual os modos de produção e vida subordinam e alienam os indivíduos. Em uma “sociedade da abundância”, se fosse menos consumista e/ou exibicionista de riqueza, existiriam capacidades para todos viverem bem, trabalhando menos e distribuindo melhor o valor adicionado por todos.

A utopia emancipatória e igualitária é possível. O projeto chamado “ser humano” com suas melhores virtudes (e sem seus defeitos) vê a utopia necessária com o significado de crítica e superação da atual realidade. Não será uma revolução súbita, mas sim uma re-evolução sistêmica, pacífica e inexorável, se os seres humanos, lenta e gradualmente, adquirirem a consciência de ser o melhor para todos.

A oposição sempre será dura por parte das forças econômicas e políticas dominantes, cujo poder e privilégios se baseiam na continuidade da atual ordem social. Mas não só, pior é quando esmorece boa parte das forças originalmente organizadas para combater essa ordem e atuar em defesa dos grupos sociais dominados e explorados.

Frente ao novo levante do velho fascismo repaginado, mas ainda armado e xenófobo em defesa da tradição, família e propriedade, não nos opor com entusiasmo e vibração, levará a um fatal desalento. A falta de ânimo enfraquecerá toda a resistência.

A crise do presente se vê agravada pela sensação de crise do futuro em termos de ecologia. Não só, a crítica ao socialismo realmente existente impõe criar outra alternativa possível ao capitalismo explorador e alienante. Nenhum tempo passado será melhor diante do futuro construído conscientemente em ações cidadãs no dia a dia.

Estamos também diante de um desemprego tecnológico crescente, devido a uma re-evolução tecnológica com informática, automação, robotização, inteligência artificial etc. A reação não deve ser a repetição dos erros do luddismo – um movimento de trabalhadores ingleses, ativo no início do século XIX, nos primórdios da Revolução Industrial, atuante pela destruição de máquinas como forma de protesto.

Pelo contrário, o aumento da produtividade por esses avanços tecnológicos permitirá a diminuição dos “dias úteis” da semana de trabalho. Mas será indispensável novas lutas trabalhistas pelos direitos dos novos trabalhadores por conta própria (“pejotizados”), uma geração já sofrendo superexploração em termos de jornadas de trabalho extra.

Renda básica para os excluídos da Economia Digital é bandeira-de-luta fundamental. Assim como a educação adequada é indispensável para seus descendentes ingressarem nesse “novo mundo” de tecnologia de informação.

Antes de tudo, diria Herbert Daniel, por uma vida alternativa feliz (lema da campanha de 1982), as precondições não são a centralização, a homogeneidade e a unicidade política e social, mas sim a autonomia, a variedade, a pluralidade e, fundamentalmente, a liberdade individual. Todos – heterossexuais, homossexuais, transsexuais etc. – somos cidadãos, não aceitamos a marginalização em guetos de pressupostas “minorias” como formas de exclusão social!

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