Embaixador Abdenur: Trump deverá ter relação estreita com a extrema-direita brasileira
Por Carmen Munari
O candidato Donald Trump, republicano eleito à Presidência dos Estados Unidos, deve impor um relacionamento estreito com a extrema-direita brasileira, mas tende a repetir a pouca importância de deu às relações com o Brasil no primeiro mandato, entre 2017 e 2020. A opinião é do ex-embaixador do Brasil em Washington (2004 a 2006) e que também ocupou as embaixadas brasileiras em Pequim, Berlim, Viena e Quito. O diplomata afirma ainda que a declaração do presidente Lula em favor da democrata Kamala Harris não deve agradar ao novo presidente americano.
“O Trump nunca deu muita bola para as relações com o Brasil. Não é prioridade para ele. Seguramente, essa manifestação do presidente Lula não lhe agradará e ele terá sim uma relação muito estreita, muito ativa, com a extrema-direita brasileira. A extrema-direita brasileira é, em alguma medida, uma espécie de subsidiária da extrema-direita americana. De modo que nós vamos ter uma situação desconfortável, porque vamos estar entre dois focos de extrema-direita, o Trump em Washington, e o Milei em Buenos Aires”, disse o embaixador em entrevista à rádio CBN nesta quarta-feira.
Ainda assim, a tendência da disputa eleitoral para a Presidência brasileira em 2026 precisa ser objeto de acompanhamento nos próximos anos. “No Brasil, o resultado das eleições (municipais) foi interessante porque quem venceu foi o núcleo da centro-direita em detrimento da extrema-direita. Com eleição do Trump, a extrema-direita brasileira, ou o bolsonarismo golpista, ganha força, ganha novo fôlego. Resta ver se a política brasileira, a partir de agora, será alterada em favor da extrema-direita ou se ela continuará no sentido moderado, de centro ou centro direita, no máximo”, afirmou o diplomata.
Para o embaixador, Trump, o presidente russo Vladimir Putin e Victor Orban, da Hungria, formam o trio da extrema-direita mundial. “Trump é uma das principais lideranças mundiais não da direita, não da centro-direita, mas da extrema-direita. Ele, de um lado, o Putin de outro lado, e no meio dos dois, o Victor Orban da Hungria, são os três principais da extrema-direita. E realmente eu recebi com surpresa a eleição dele nestes termos. Com a vitória também esmagadora no Senado, e é muito provável a vitória na Câmara, o que dará a ele poderes excepcionais, além do que, ele conta com o Supremo Tribunal Federal conservador e até reacionário. Vai ser um governo que, embora atuando democraticamente pelo sistema legislativo, vai, na verdade, redundar em agressões, em tentativas de minar a democracia americana e instalar um governo de vezo autoritário, autocrático.”
Abdenur acredita que o Brasil deve manter uma posição de neutralidade tanto em relação à futura gestão de Trump quanto ao governo chinês.
“O Brasil, em qualquer caso, tem de manter uma postura de neutralidade, de estar equidistante tanto de Pequim quanto de Washington. É importante, apesar do Trump, não nos inclinarmos, não tomarmos partido. Não nos tornarmos uma linha acessória da China. É preciso que o Brasil mantenha uma posição verdadeiramente independente. Autônoma”.
Apesar de já combalido, o multilateralismo deve ser outro foco de atrito em um futuro governo Trump. “O multilateralismo já tem sido enfraquecido há muito tempo, por diferentes razões, e Trump vai levar isso adiante. Ele possivelmente vai de novo retirar os Estados Unidos do tratado de Paris, estância climática em que ele é um negacionista. Ele pode retirar os Estados Unidos da OTAN, desfazer a chamada Aliança Atlântica, que estabeleceu uma parceria histórica inédita entre os Estados Unidos e a Europa democrática desde a segunda guerra. Ele possivelmente vai minar organizações internacionais como a organização de saúde, organização do trabalho, do comércio. Será muito ruim para o espaço de atuação internacional em que o Brasil mais se move, que é o espaço do multilateralismo das Nações Unidas e das organizações multilaterais em geral”.
Na imagem, embaixador Roberto Abdenur em maio de 2023 / Zeca Ribeiro/ Câmara dos Deputados
*Com a colaboração de Barbara Richard
Jornalista, ex-Folha, Reuters e Valor Econômico. Participei da cobertura de posses presidenciais, votações no Congresso, reuniões ministeriais, além da cobertura de greves de trabalhadores e de pacotes econômicos. A maior parte do trabalho foi no noticiário em tempo real. No Fórum 21, produzo o Focus 21, escrevo e edito os textos dos analistas.