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RS: A reconstrução deve ser democrática, ecológica e sem “passar a boiada”

RS: A reconstrução deve ser democrática, ecológica e sem “passar a boiada”

A chamada reconstrução deve ser democrática, ecológica e fora dos padrões neoliberais. As cidades não podem ser refeitas nos mesmos espaços, das mesmas formas. As pessoas não podem ser realocadas de maneira a negar seus direitos básicos e nem precária e inadequadamente, como antes.

Por Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS)

O Rio Grande do Sul (RS) passa por um momento de catástrofe, drama e caos. Catástrofe climática/ambiental (mas não 100% natural), drama social e caos político. A boiada segue passando, material e metaforicamente, notadamente nos últimos anos.

Os números atuais, ainda que não definitivos, indicam mais 2 milhões e 300 mil pessoas atingidas, cerca de 540 mil desalojados, perto de 80 mil pessoas em abrigo públicos, 806 feridos, 89 desaparecidos, 161 mortes. 463 municípios foram atingidos (do total de 497) e as 540 mil pessoas desabrigados perderam parte ou todo seu patrimônio, suas condições de trabalho e até vizinhos, amigos e familiares. Foram resgatadas 82.666 pessoas e 12.215 animais. 82% dos imóveis rurais alagados são pequenas propriedades. 43 rodovias totalmente bloqueadas. Cerca de 1.050 escolas estão sem aulas e 84 transformadas em abrigos provisórios. Mais de 300 mil pessoas ficaram sem energia elétrica e mais de 1 milhão sem água potável. A insegurança e a violência tomaram conta de diversas áreas atingidas. É um drama social, em grande parte provocado pelo negacionismo dos governos e da classe dominante, que levam ao colapso do Estado e do clima.

Enquanto isso, recordes de seca na Amazônia e de incêndios no Pantanal. 2023 foi o ano mais quente registrado no planeta, com oceanos batendo recordes de altas temperaturas.

Indignante! Ainda mais porque tal cenário de drama, caos e colapso, poderia ser, em grande parte, evitado ou mitigado, pois há décadas alertas sobre tais possíveis acontecimentos são feitos pelos movimentos ecológicos e pela ciência, além da experiência real de catástrofes recentes pelo mundo, como o caso do próprio RS, em 2023, quando 75 pessoas morreram e áreas urbanas e rurais foram devastadas. Muçum, o município mais afetado pela enchente do Rio Taquari, foi onde também houve maior degradação dos remanescentes da Mata Atlântica.

São múltiplas as causas, certamente, de tal catástrofe climática anunciada. Na maior parte, carrega uma dimensão política, entre outras, que a levou os metabolismos naturais a extremos. Sua origem está menos na natureza e mais no modelo de economia dominante, produzido e reproduzido pelos governos neoliberais negacionistas.

Entre 1985 e 2022, o RS perdeu aproximadamente 3,5 milhões de hectares de vegetação nativa. Agrava-se o quadro, pois no estado gaúcho estão os dois biomas mais degradados do Brasil: o Pampa (60% já alterado) e a Mata Atlântica (90% da sua cobertura original já foi perdida). Nos últimos anos, a monocultura, especialmente de soja e de árvores, vem devastando a vegetação nativa em favor da agricultura de exportação, provocando o aumento das ameaças ao que sobrou do Pampa.

Nas cidades, banhados e demais áreas de preservação permanente (APP) vêm sendo constantemente degradadas e sua proteção legal flexibilizada ou, até mesmo, aniquilada.

Grande parte deste cenário de catástrofe poderia ser mitigado se as decisões políticas de quem governa o RS (notadamente o Executivo e o Legislativo, mas também o Judiciário), não tivessem se aproximado de ideias e práticas negacionistas ou posturas antidemocráticas, traduzidas nos retrocessos inconstitucionais da legislação ambiental (como o Código Estadual de Meio Ambiente ou a Lei 16.111 de abril de 2024, que novamente alterou o Código, diminuindo, mais ainda a proteção das APPs); no desmonte das estruturas públicas de planejamento e proteção ambiental (Programa Pro-Guaíba, para a Bacia do Guaíba; e Pro-Mar de Dentro, para a Bacia Patos/Mirim, desmontados ao longo dos últimos 20 anos e extinção de órgãos públicos, como a Fundação Zoobotânica) ou na falta de orçamento público para manter as funções do estado, com estrutura e servidores, notadamente em prevenção e mitigação de tais catástrofes e atender, de forma adequada, a sociedade, na medida em que as mesmas não podem ser evitadas por completo.

Outro aspecto do desmonte que colabora com a dimensão política da catástrofe são os ataques e o enfraquecimento inconstitucional da democracia ambiental, traduzida num Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), que deveria ser o órgão superior do Sistema Estadual de Proteção Ambiental, com baixa transparência (não transmite suas reuniões, por exemplo) e legitimidade social (cria obstáculos para a participação das ONGs ecológicas e das representações sociais críticas, ao mesmo tempo, é facilitada a participação e definição por parte do capital do campo e da cidade), dominado por uma aliança do agro com a especulação imobiliária e os governos negacionistas neoliberais. Ou ainda, no desprezo ilegal do papel dos Comitês de Bacias para a gestão das águas, quando se preparam planos para o setor sem sua participação. No caso das mudanças climáticas, o governo do estado criou um colegiado específico, sem eleição por parte da sociedade civil de seus representantes, excluindo as ONGs ecológicas e, ainda, de forma paralela ao CONSEMA, configurando mais uma inconstitucionalidade. Municípios atingidos estão fazendo o mesmo, como é caso de Rio Grande e Pelotas, junto a Laguna dos Patos.

Assim, o desmonte do Estado democrático e protetor do ambiente e da sociedade foi sentido neste momento em que os mais vulneráveis e oprimidos (quilombolas, pescadores, populações indígenas, sem teto…) necessitam dos serviços públicos qualificados e eficientes, relevando o racismo ambiental e a injustiça climática. Foi o caso da falha gigantesca do sistema de combate a enchentes em Porto Alegre por ausência de manutenção, que também é uma forma de negacionismo. Os que defendem o Estado mínimo e desmontaram as estruturas publicas, agora gritam por um estado máximo, não necessariamente para salvar vidas, mas notadamente para “reconstruir o RS” e também até para pagar salários de empresas privadas, ou seja, proteger a economia capitalista gaúcha. Economia é importante, por certo. Mas fundamental é o constitucional ambiente ecologicamente equilibrado, é a proteção da vida humana e não humana.

A chamada reconstrução deve ser democrática, ecológica e fora dos padrões neoliberais. As cidades não podem ser refeitas nos mesmos espaços, das mesmas formas. As pessoas não podem ser realocadas de maneira a negar seus direitos básicos e nem precária e inadequadamente, como antes. É o caso da população das ilhas do delta do Rio Jacuí, por exemplo.

Não só o que resta do Pampa e da Mata Atlântica deve ser protegido, mas também há que se restaurar tais biomas. Estudos apontam que pelo menos 218 mil empregos podem ser gerados na restauração da vegetação nativa em 1,16 milhão de hectares em APPS e reserva legal. Novas frentes de trabalho e de forma solidária devem ser criadas para a retomada da economia do estado. A Economia solidaria deve ganhar um papel relevante neste momento. A atividade agrícola deverá se voltar para a agroecologia.

É preciso combater o negacionismo climático e os mitos ambientais que ajudam a criar catástrofes como esta. Deve ser construído, de forma radicalmente democrática, um Programa de Educação Ambiental, visando abordar aspectos dos biomas gaúchos, como a lei 7.317/24, aprovada recentemente em Pelotas, que dispõe sobre a inclusão de conteúdos de Educação Ambiental voltado para o Bioma Pampa, nas Escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio da rede pública e privada do Município.

Ao lado disso, garantir o acesso à informação ambiental e o fortalecimento da democracia ambiental são imprescindíveis. Não se combate mudança climática sem a participação ampla e com uma sociedade sem conhecimento do meio que habita.

Os retrocessos ambientais materializados em Projetos de Lei (PL) em tramitação no Congresso Nacional, na Assembleia do RS e nas Câmaras Municipais, devem ser arquivados imediatamente.

Em termos mais amplos, uma transição energética justa deve ser adotada, abandonando os combustíveis fósseis, zerando o desmatamento em todos os biomas até 2030. É preciso reduzir rapidamente as emissões do efeito estufa: 50% até 2030 e zerar as emissões líquidas até 2050.

Caso não sejam adotadas tais medidas, mais uma vez, alertamos: eventos como este vão retornar a acontecer no RS, de forma mais intensa e frequente, assim como pelo Brasil afora.

Declaração de emergência climática já!

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Rio Grande do Sul, Maio de 2025.

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS).


Foto em destaque: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

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