Tarso Genro aponta desafios e caminhos para a esquerda nas eleições municipais
O Fórum21 comemorou o seu segundo ano de existência no dia 1⁰ de Maio e, no último sábado, inaugurou o seu canal do YouTube (a TV Fórum 21) com um debate com Tarso Genro sobre as eleições municipais neste ano de 2024.
POR TATIANA CARLOTTI
No último sábado (4 de maio), o Fórum 21 comemorou seu segundo ano de existência debatendo com Tarso Genro, um dos principais quadros do PT e da política nacional (ex-Ministro, ex-Governador, ex-Prefeito) os desafios das eleições municipais que acontecem em outubro deste ano.
Sob coordenação do jornalista Carlos Tibúrcio, editor do Fórum 21, e com o suporte de Bárbara Richard, o debate contou com a participação de membros do Conselho Editorial do Fórum21, a geógrafa Arlete Moysés Rodrigues, o sociólogo e ambientalista Liszt Vieira, o pedagogo e ex-reitor da UFRJ Roberto Leher, o economista Antônio Granado, o sociólogo Vicente Trevas e a desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi.
Gaúcho de São Borja, cidade natal de Getúlio e de Jango, que foi inundada pelas águas do Rio Uruguai nesta segunda-feira (6.04), Tarso lamentou a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul que até agora já provocou 90 mortes, mais de 100 desaparecimentos e o deslocamento de mais de 156 mil pessoas.
Governador do Rio Grande do Sul entre 2011 e 2015, Tarso destacou as mudanças climáticas como um dos grandes desafios da próxima leva de gestores públicos que comandarão as prefeituras dos 5.570 municípios do país. Ministro do governo Lula (2004- 2010) nas pastas da Justiça, das Relações Institucionais e da Educação, ele também foi prefeito por duas vezes de Porto Alegre (1993-1996/ 2001-2002), além de vice de Olívio Dutra, na primeira administração petista da capital gaúcha.
Em sua avaliação, frente às brutais transformações em curso no país e no mundo, a candidatura de esquerda que não debater neste momento a dimensão da segurança/insegurança estará fadada a não sair do lugar. Esta “será a questão-chave daqui por diante e para qualquer eleição”, acena.
Com este debate, também transmitido pela TVT e pelo Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o Fórum 21 estreou o seu canal no YouTube. Convidamos a todos que assistam à íntegra:
Na sequência, destacamos os principais pontos levantados por Tarso em sua apresentação e no próximo artigo traremos o debate com as análises e inquietações dos conselheiros do Fórum 21, todos eles intelectuais de esquerda com forte ação na administração pública e na ampliação da participação social.
Luta de classes e gestão participativa
Para dar a dimensão das transformações que estamos vivendo, Tarso retomou o contexto político das eleições municipais de 1974, que tiveram “um potencial destrutivo para a ditatura militar com forte impacto político”, e também das experiências inovadoras das prefeituras do PT após a Constituição de 1988.
Deste período de reconstrução democrática, ele elenca dois traços demarcatórios da presença da esquerda na administração pública. O primeiro foi a demarcação do campo de classes em suas gestões, com forte inspiração das lutas operárias no ABC sob a liderança de Lula.
“A demarcação do campo de classe estabelecia outra relação sistêmica de como a esquerda tinha que governar, respeitando determinados parâmetros da ordem sem perder os seus princípios e as relações com a experiência passada”, explica.
A partir da Constituição de 88, “começou um ciclo de eleições municipais de imensa importância”, como as lendárias prefeituras de Olivio Dutra em Porto Alegre, de Luiza Erundina em São Paulo, de Patrus Ananias em Belo Horizonte, entre tantas outras.
Ali, ocorria uma “ultrapassagem plena da esquerda para dentro da ordem”, dando início à gestão pública participativa que “ousava dizer que faria a combinação da democracia direta com a democracia participativa, adquirindo uma importância política e desenvolvendo determinadas reflexões políticas”.
Essas administrações, além da projeção internacional, tiveram uma influência “muito grande nos governos do presidente Lula, porque conseguiram combinar esses dois aspectos em um momento de transição, de afirmação do Estado de Direito e da República democrática que se expandia politicamente”.
“De lá para cá, porém, muita coisa mudou”, observa Tarso.
Principais Mudanças
“Muita coisa desarticulou aquelas vertebrações fundamentais que nos trouxeram de uma luta demarcatória para uma disputa pela hegemonia”, avalia ao elencar várias dessas transformações.
“Mudou a estrutura de classe da sociedade burguesa em escala global”. O centro internacional de difusão da dominação do sistema do capital se deslocou diretamente para capital financeiro que se transformou em uma estrutura de destruição da soberania política dos países, avalia.
Mudou o discurso que a esquerda ou as esquerdas adotaram para se conformar dentro da ordem, “conversando não somente com o seu sujeito político predileto, o sujeito político organizador que seria a classe operária industrial, dentro da formação política tradicional”.
Esse processo, complementou Tarso, gerou um alto custo político, influenciando inclusive o PT com o surgimento de uma burocracia “conformada exclusivamente com estar dentro da ordem”.
Ao mesmo tempo, “as estruturas de dominação se tornaram mais complexas”. Tarso explica que “os sujeitos atuantes na organização da hegemonia política das classes privilegiadas no Brasil têm vários centros de articulação e de movimentações dogmáticas, que vão desde as religiões do dinheiro e do fundamentalismo evangélico até as estruturas tecnológicas de controle, que os fazem exercer um processo de dominação ideológica e cultural por todos os poros da sociedade”.
Forças que detêm sua base “junto aos grupos de trabalhadores mais desarticulados, que foram duramente ejetados do sistema de produção capitalista e hoje são absorvidos de maneira bastante intensa por essa formação dos “empresários de si mesmo”.
É preciso considerar todos esses aspectos para que possamos conversar “com esses novos setores deserdados e excluídos da sobrevivência assalariada”, submetidos a um sistema de capital egresso de “toda e qualquer fragmentação da estrutura de classe tradicional, que nos coloca em novos níveis de disputa”, acena.
Discuro político nas eleições
Frente a esses desafios, ele avalia que as eleições municipais deste ano “vão ter que ter necessariamente um discurso político mais ousado, mais motivador e mais organizado do que o discurso político anterior, da época das administrações populares”.
“As experiências absolutamente inovadoras dentro das administrações que conseguimos obter, principalmente nas grandes regiões metropolitanas, ocorreram de maneira bastante consequente”, mesmo assim “tudo isso foi dissolvido, bem como o capitalismo industrial que virou fumaça”.
Estamos vivendo “um novo tipo de transformação na estrutura material da sociedade e na produção das novas subjetividades que destruiu aquelas experiências”, complementa.
Neste sentido, o exemplo de Porto Alegre é emblemático. Hoje, lamenta Tarso, falar de orçamento participativo para as massas trabalhadoras na periferia da cidade que foi considerada a capital mundial do orçamento participativo e da participação direta “não tem mais nenhum significado”, até porque outras administrações transformaram a participação direta em uma espécie de neoclientelismo.
Também virou fumaça a demarcação do campo de classe na gestão pública. “Os nossos governos, pela necessidade de governar dentro da ordem e de assumir determinados compromissos com o capital financeiro para poder governar, também destruíram o mito da classe trabalhadora no poder através do processo eleitoral. Nós somos vistos hoje, todos nós, como políticos tradicionais”.
“É claro que temos, neste aspecto democrático, uma liderança importante como Lula, mas que necessariamente faz conciliações de classe e algumas delas, até para quem está fora do governo, inexplicáveis, para poder governar”.
Tarso pondera que esta é a “dura realidade deste novo sistema de dominação que se impõe para quem assume compromissos com a ordem”, salientando que hoje, na prática, é impossível governar sem assumir determinados compromissos.
Dica de Ouro
Frente a este quadro de transformações, ele avalia que nas eleições municipais deste ano, “cada candidato a prefeito do nosso campo e nas grandes regiões metropolitanas precisa considerar a dualidade segurança e insegurança na construção do seu eixo programático”, afirma.
“A segurança no trabalho. A segurança pública. A segurança da proteção estatal e de ser ouvido pela autoridade pública. A insegurança relacionada ao tráfico de drogas, à dominação de estruturas criminosas em todos os bairros periféricos importantes das grandes regiões metropolitanas, onde se forma uma nova cultura de dominação. A insegurança dos trabalhadores semiempregados, desempregados precários e terceirizados”.
“A segurança do Estado Democrático de Direito, a sua capacidade de prestar serviços e de cumprir seu compromisso com os direitos fundamentais”. Hoje, avalia Tarso, “nenhuma fração do estado brasileiro tem esta segurança arrematada e contida no peito para levar qualquer programa mais ousado adiante”.
Ex-ministro da Justiça e da Educação, Tarso mencionou a defasagem do conceito de Segurança Nacional, do ponto de vista da direita. E ainda analisou a insegurança nas relações internacionais, onde “a difusão das relações de poder se dá pelas redes clandestinas em escala global, pelo tráfico de drogas, pelo tráfico de pessoas”.
“É uma economia tão importante em escala mundial quanto a economia legal. E talvez até mais importante para produzir os novos ricos e os novos grupos de poder”, avalia.
No município, é fundamental “saber quais são os fatores reais de poder que estão vigentes naquele local, que não são mais os mesmos da época da organização sindical da classe trabalhadora. Eles se deslocaram para outras formas de relacionamento outras formas culturais e outras formas políticas”.
“É preciso saber com quem estou lidando, com que facção, com qual estrutura de poder paralelo e como as bases que queremos trazer para o nosso campo se relacionam com os fatores reais e novos de poder constituídos. Todos enlaçados em redes que se superpõem até chegar nas redes legais. Atados por infinitos nós que nós pouco conhecemos”.
“A questão da insegurança e da segurança para as pessoas viverem, trabalharem, amarem, fruírem a cultura, os espaços públicos e se relacionarem com o Estado vai ser a questão-chave daqui para frente para qualquer eleição”, conclui, não sem deixar de contribuir com o governo federal, que em sua visão, tem dado pouca atenção ao “valor que tem a questão da segurança para a velha classe trabalhadora, para as novas classes trabalhadoras e para os novos setores médios” deste país.
Imagem de capa: Militância ao fundo: Fernando Frazão/ABr. Tarso Genro: reprodução.
Repórter do Fórum 21, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).