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A charada dos desejos

A charada dos desejos

“Fui criado para odiar pessoas diferentes de mim”, escreve Narvel, solitário jardineiro-chefe e funcionário na propriedade de Norma, a rica senhora Sra. Haverhill, no diário que ele mantém meticulosamente atualizado todas as noites, na sua cabana rodeada pelos magníficos jardins dos quais é o responsável.

O personagem do jardineiro Narvel Roth, interpretado pelo ator australiano Joel Edgerton, é um homem recluso que entrou no Programa de Proteção a Testemunhas da polícia local e carrega consigo seu passado violento de ativo supremacista e matador de aluguel. Ainda conserva no seu dorso as tatuagens com inscrições nazistas.

Essa é a figura principal do filme de Paul Schrader, autor do roteiro e diretor do filme Jardim dos Desejos que acaba de entrarem cartaz nos cinemas brasileiros. Mais um novo e rico personagem na filmografia do cineasta cuja carreira estava semi estacionada, mas parece reanimada e, como antes, com bons filmes. Jardim dos Desejos é um forte candidato a entrar na relação dos melhores longas-metragens exibidos no Brasil, este ano.

Esta semana, Schrader também se encontra em evidência porque além da estréia do atual cartaz, o seu mais recente filme Oh, Canadá estreou no Festival de Cannes e apesar de não ter recebido qualquer prêmio vem sendo vivamente elogiado pela crítica internacional. Oh, Canadá tem o mesmo tema: a reavaliação e a revisitação do passado de um indivíduo na sua segunda vida; como em Master Gardener.

Nele, a atriz Sigourney Weaver também faz com força e brilho uma intragável viúva rica, Norma Haverhill, proprietária de belos e tristes jardins que cercam a mansão onde vive. Ela é também ‘proprietária’ do seu funcionário, o jardineiro-chefe a quem chama de sweet pea quando pede a ele para levá-la para a cama depois do jantar a dois. É uma das atribuições regulares conferida pela solitária viúva ao seu empregado.

Sigourney Weaver, em companhia de Edgerton e da jovem atriz Quintessa Swindell, que faz Maya, a personagem da sobrinha-neta da viúva e herdeira da fortuna familiar, formam um trio de intérpretes seguros, trabalhando obscuros e até certo ponto indecifráveis.

Conseguem cumprir o sofisticado objetivo habitual de Schrader nos seus filmes que é o de deixar ao espectador a tarefa de imaginar e criar traços importantes da psicologia dos seus ricos personagens, inacabados por ele propositadamente. Como fez, por exemplo, em Gigolô Americano, em Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos e, diz-se, em Oh, Canadá entre eles.

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O cineasta é um excelente diretor de atores e reconhecido como roteirista brilhante como, por exemplo, em Taxi Driver e Touro Indomável, os clássicos de Martin Scorsese.

Para esse diretor/roteirista, – e por que não, para esse escritor? – olhar para trás e rever o passado é um tema caro que, na opinião de alguns dos seus admiradores, traz um detalhe a mais nesse caso. Schrader estaria revisitando, em Jardim dos Desejos, um personagem histórico cinematográfico, Shane, mesmo nome do clássico de George Stevens, utilizando o símbolo dos Jardins de Gracewood, da viúva Norma, onde Narval foi parar no seu dramático percurso.

“A jardinagem é uma metáfora particularmente rica, tanto positiva quanto negativa”, diz Schrader nas entrevistas costumeiras de divulgação de filmes. “Comecei a perguntar a razão de o jardineiro ser tão recluso. A partir daí, pensei no Programa de Proteção a Testemunhas, e me veio a pergunta ‘mas por que ele está no programa?’ Isso evoluiu para a idéia de que Narval era um matador de aluguel”.

Ele também declara que queria um ator para fazer o personagem de Narval. “Alguém que tivesse um pouco do Robert Mitchum e com quem você não gostaria de brigar em um bar. Eu queria aquela aparência física americana dos heróis do cinema de 1950”.

Sem briga em bar, mas na iminência de uma situação caótica atingir os jardins de Gracewwod e a existência espartana do estudioso de jardins e de horticultura, surge a personagem da neta da senhora Haverhill que exige que sweet pea aceite sua problemática neta, órfã e única herdeira, Maya, como nova aprendiz. Ambas não se conhecem até então.

Maya será o veículo da invasão do passado no tempo presente chegando para alterar um futuro até então previsível. Nada mais literário, mas narrado com a competência da câmera de um dos melhores diretores veteranos em atividade no cinema estadunidense, que volta a trabalhar com sua equipe habitual de excelência: fotógrafo, Alexander Dynan, e montador, Benjamin Rodriguez. No final, com a câmera afastada e fixa, Schrader promove uma dança romântica sob a luz sombria e azulada que permeia a história. Uma incógnita? Ou uma charada?

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