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A nova forma de fazer política das Mulheres Negras

A nova forma de fazer política das Mulheres Negras

Filme acompanha a trajetória de seis mulheres negras – Jaqueline de Jesus, Mônica Francisco, Renata Souza, Rose Cipriano, Tainá de Paula e Talíria Petrone – candidatas pela primeira vez a cargos eletivos

Em semana em que mulheres negras, e em especial as militantes das causas sociais, ganharam particular destaque na mídia com as novas efetivas apurações policiais (enfim!) sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco em uma rua do bairro de Fátima, no Rio de Janeiro; em uma semana marcada pela grande Marcha das Mulheres Negras, na última manhã de domingo na praia de Copacabana; em uma semana em que a mostra Marielle Marés foi prorrogada por mais um mês, no Museu da República, visto o alto número de visitantes; e na semana do 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, é compreensível que tenham aumentado os índices de acessos ao documentário Sementes: Mulheres pretas no Poder*, de 2020, na plataforma de streaming onde ele se encontra.

Dirigido pela documentarista, montadora e pesquisadora Éthel Oliveira e pela cineasta e roteirista Júlia Mariano, o filme acompanha a trajetória de seis mulheres negras candidatas pela primeira vez a cargos eletivos, inspiradas pela convivência e pela história política da combativa e corajosa vereadora nascida na comunidade da Maré, na Baixada Fluminense, vítima de um assassinato político aos 38 anos.

Jaqueline de Jesus, Mônica Francisco, Renata Souza, Rose Cipriano, Tainá de Paula e Talíria Petrone são as protagonistas do doc de pouco mais de uma hora e meia com trilha sonora remetendo ao funk transformado em jingle da campanha de Renata Souza, repetindo o exemplo, no passado, do fundo musical da campanha de Marielle.

A estrutura cinematográfica do filme é viva, esperta, porém proporciona tempos para a reflexão do espectador. Sua envolvente montagem é de autoria de Éthel Moreira, ex-pesquisadora do Laboratório do Filme Etnográfico, que vem da UFF onde estudou Ciências Sociais, e de Júlia Mariano, formada em direção cinematográfica na histórica Escola de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, de Cuba, e estudante da academia de cinema de Stuttgart, na Alemanha. Currículos vigorosos, estes das duas jovens profissionais que se afirmam no documentário.

O relato tem origem no episódio da morte de Marielle, mas se desenrola durante as campanhas de cada candidata. No grupo, arquitetas, professoras, pesquisadoras, funcionárias públicas, e a assessora da vereadora morta, Monica Francisco.

O que cativa nesse percurso de cada uma é a amostra de uma nova forma de se fazer política no país. A abordagem direta, sincera, emocionada, fluente e indignada (era o ano de 2018) e em contraposição à mesmice política ‘profissionalizada’ dos candidatos e candidatas, em particular dos homens que pretendem conquistar a reeleição com monótonos teatros de promessas, juras e simulacros.

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O que faz falta em Sementes é mais informação sobre o rápido e brilhante percurso de Marielle, sobre os seus projetos anunciados e desenvolvidos enquanto ocupou gabinete e tribuna da Câmara de Vereadores do Rio.

As candidatas são as protagonistas absolutas. Elas vêm de Caxias, de Jacarepaguá, de Nova Iguaçu, de Niterói e de outros locais das periferias, e atraem porque não fingem; não são hipócritas. Elas realmente ouvem e escutam o que as pessoas têm a dizer-lhes. E foram das primeiras a afirmarem com firmeza, na época, como se vê no filme: “Nós somos o legado de Marielle; fazemos parte de um projeto antifascista e trabalhamos contra uma ofensiva instalada hoje no Brasil”.

O interesse despertado pela veemência e pela intensidade de Sementes está na forma escolhida pelas suas diretoras de fazer cinema direto, com câmera quase sempre trabalhando em grandes closes, movimentos bem calculados e mergulhando, junto com as candidatas, nos ambientes familiares e profissionais, panfletando nas ruas e praças cariocas, nos espaços da sua militância habitual em coletivos e defendendo com paixão seus pontos de vista sem se deter em rótulos partidários nem no posicionamento e nas diferenças entre elas.

O filme é cinema de militância, viabilizado por meio de contribuições de plataformas virtuais de financiamento, e seduz porque transmite um autêntico entusiasmo, sinceridade, afeto, garra e um modo de intercomunicação e comunicabilidade com a sociedade, com o espectador(a), com o eleitor(a), com os apoiadores(as). Sementes – mulheres negras no poder mostra um “levante político”, como ele informa logo no seu início. Vale assisti-lo, em qualquer tempo e não apenas nas temporadas de campanhas.

O filme se encerra com os dias tensos do acompanhamento de votação e, nas semanas seguintes, com a posse das candidatas vencedoras. Mônica Francisco, com mais de 40 mil votos. Talíria Petrone, cerca de cem mil votos, circula pelos corredores da Câmara de Deputados, em Brasília, vestida com suas roupas coloridas em meio ao figurino monótono de mulheres e homens brancos. E a grande comemoração de Renata Souza.

É a diretora Éthel Oliveira quem bem resume o seu trabalho: “Sementes é um ebó coletivo contra o maior carrego colonial do Brasil que é o racismo”.

Em 2018, quase metade das candidaturas ao Legislativo em todo o país era de pessoas negras. Apenas 4% foram eleitas. Mas bons ventos chegam com os novos tempos. A Fundação Getúlio Vargas aponta que a participação das mulheres negras com curso superior completo dobrou. De 6% em 2012 pulou para uma expectativa de 12% neste ano de 2023. Vamos aguardar as importantes municipais de 2024.

*Sementes: Mulheres pretas no Poder está disponível na ClaroTV+

**Imagem em destaque: (Reprodução/Embaúba Filmes)

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