O mundo em um quarto de dormir
“De país do futuro ao país em que mais se morre de coronavírus… como é possível?” Esta é uma das reflexões centrais de Breno, o protagonista e único personagem do documentário O Dia da Posse, de 70 minutos, filme classificado pelos puristas como ‘experimental’, e em exibição, esta semana, nas telonas dos cinemas. O tema é um recorte no período dos três anos da pandemia do coronavírus no Brasil, a quarentena filmada pelo codiretor Allan Ribeiro, jovem cineasta egresso da escola de cinema da Universidade Federal Fluminense, a UFF, em dupla com o ator Breno Washington, estudante de Direito na época.
O cenário claustrofóbico, porém transfigurado pelos diretores no vasto universo do mundo, é o pequeno apartamento de Breno dividido com Allan, no Rio de Janeiro. Ele observa os hábitos dos vizinhos pela janela, organiza reuniões de estudo virtuais com os colegas de faculdade, é dedicado aos afazeres da casa. Da sua cozinha e do quarto de dormir Breno não sai. Está isolado por motivos óbvios. Seus monólogos atravessam cenas e sequências muito bem decupadas e são entremeados por muito sono e por sonhos dentro desses sonos que vão sendo descritos ao amigo Allan.
Serenidade, ironia fina, uma espontaneidade muito particular caracterizam as exposições e opiniões de Breno em planos americanos, raros closes discretos, alguns longshots que não o perdem de vista.
Breno não é um otimista nem tampouco um depressivo sem fundo. É um conformado. Mas não abdica do direito de sonhar. Procura sobreviver da melhor maneira possível durante os longos três, quatro anos de solidão e medo vividos nessa recente segunda década do século XXI, com o planeta doente; que por sinal continua combalido.
Um dos componentes mais interessantes nesse trabalho conjunto de Allan e Breno durante o desafiador período de isolamento social é o carisma do protagonista e sua desenvoltura singela, sem caras nem bocas. Ele encarna bem o país: Breno no futuro, o Brasil eternamente do futuro?
O filme é embalado por uma trilha sonora especial, de autoria de Paulo Ho e Allan, o qual por sua vez planejou o roteiro em companhia de Breno. Ele já realizou dois longas: Esse amor que nos consome e Mais do que eu possa me reconhecer. Além de ter sido premiado com uma Menção Honrosa para o presente trabalho, na seção Novos Rumos do Festival do Rio deste ano.
Entre a realidade e o sonho, a fantasia e a ficção, O Dia da Posse navega com Breno se imaginando no Big Brother, como participante de reality shows e até no dia de sua hipotética posse como presidente do Brasil.
Mas as questões políticas estão presentes também nos sonhos e, sobretudo, na realidade do estudante. Discussões fundamentais, com ajustamentos e readequação de visões, de perspectivas e diretrizes de rumos, necessários particularmente nesse atual período pós-eleitoral. O Dia da Posse é filme para assistir agora.
Jornalista.