Tempelhof, lembranças de uma guerra suja

Tempelhof, lembranças de uma guerra suja

O belo doc que mostra o lapso de tempo na vida de refugiados que aguardam sua nova identidade na chegada à Alemanha

Com Aeroporto central (THF – Central airport) o diretor e roteirista Karim Aïnouz estreia no gênero documentário de longa metragem em grande estilo. Autor de filmes de ficção festejados pela crítica daqui e de fora, frequentador assíduo e prêmio em diversos festivais desde 2002, quando lançou Madame Satã em Cannes, o cineasta cearense de 56 anos  integra o brilhante grupo de diretores nordestinos que chegou revigorando o cinema nacional nas últimas décadas. Ano passado foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro com A vida invisível.

Agora, ele nos traz a grata surpresa com esse seu fascinante doc, um  autêntico memorial às guerras por procuração com as quais os grandes países assolam e pilham nações orientais ricas em petróleo. O filme já foi exibido na Europa onde Aïnouz vive, na Alemanha, há onze anos, embora com vindas frequentes ao Brasil onde filmou produções de excelência.  Por exemplo, O céu de Suely e Praia do futuro.

O tema é a chegada de refugiados que acorrem pedindo asilo do estado alemão, um dos que mais os recebem no continente,  sobreviventes de um périplo doloroso através de fronteiras fechadas, perseguições policiais e o temido recambiamento ao país de origem onde os espera a prisão e a morte.

O cenário do filme é o aeroporto de Tempelhof, uma paisagem hoje lunar, construído no passado no bairro do mesmo nome, situado ao sul de Berlim e habitado atualmente por uma maioria maciça de refugiados e imigrantes sírios, turcos, afegãos, ucranianos e de outras nacionalidades.

Construído em 1924 pelo regime nazista, a partir do fim da guerra o aeroporto militar de Tempelhof serviu como ponto estratégico para  aeronaves de abastecimento das tropas aliadas. Há cinco anos foi definitivamente desativado.

Hoje em dia, readaptado, funciona como alojamento provisório de chegada para famílias dos fugitivos das guerras sujas. Um local onde depois de um período que varia de meses a alguns poucos anos, homens, mulheres, jovens e crianças recebem o status ou de protegidos ou de refugiados com licença para viver, estudar e trabalhar na Alemanha.

As monumentais pistas de pouso e decolagem ainda estão lá, intactas, e de espaço em espaço ainda se vê um ou outro aparelho Junker enferrujando, defronte de algum hangar. lembranças de uma outra guerra.

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As pistas a perder de vista constituem, hoje, o Tempelhof Feld, maior parque público de Berlim, onde famílias tomam sol nos feriados, fazem piqueniques e praticam voos de parapentes.

No interior do prédio, um exemplar de referência da arquitetura ditatorial nazifascista dos anos 20, vivem os refugiados. É nesse cenário bizarro com o qual Aïnouz abre seu filme, ao som de Wagner (no decorrer do documentário, sua trilha musical sublinha, com discrição, momentos especiais com Schubert e instrumental minimalista à maneira de Philip Glass.)

Os idosos são assistidos por médicos do estado que vacinam os recém chegados, as crianças  recebem aulas de professores alemães, há orientação jurídica para todos e aulas do idioma alemão.

O jovem sírio Ibrahim, de 18 anos, vindo de aldeia numa das regiões mais conflagradas do país e próxima da fronteira turca, é um dos dois fios condutores da austera narrativa. Projeta estudar e trabalhar como mecânico na Alemanha. O segundo é o enfermeiro iraquiano de meia idade que abdicou do desejo de estudar medicina, o que faria na sua terra, e trabalha como intérprete no abrigo de Tempelhof aguardando a sua licença; a nova identidade. Personagem comovente.As pistas a perder de vista constituem, hoje, o Tempelhofer Feld, maior parque público de Berlim, onde famílias tomam sol nos feriados, fazem piqueniques e praticam voos de parapentes.

O jovem sírio Ibrahim, de 18 anos, vindo de aldeia numa das regiões mais conflagradas do país e próxima da fronteira turca é um dos dois fios condutores da austera narrativa. Projeta estudar e trabalhar como mecânico na Alemanha. O segundo é o enfermeiro iraquiano de meia idade que abdicou do desejo de estudar medicina, o que faria na sua terra, e trabalha como intérprete no abrigo de Tempelhof aguardando a sua licença; a nova identidade. Personagem comovente.

Se poucas celebrações de    Natal e Ano Novo são tão tocantes no cinema como as festas dos refugiados que aguardam um novo futuro, poucos documentários sobre as lembranças das guerras são tão comoventes como Aeroporto central. Um filme necessário.

*Aeroporto Central está disponível no Globoplay

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