Uma pérola da memória cubana

Uma pérola da memória cubana

O emblemático e até aqui esquecido filme Eu Sou Cuba, restaurado há cinco anos nos estúdios Mosfilm, de Moscou, acaba de ser colocado na relação de obras da plataforma Youtube/Canal CPC-UMES para ser visto gratuitamente. No início desse ano, o longa-metragem de cerca de duas horas, estreou como o primeiro trabalho do projeto Cinema Soviético e Russo em Casa que agora está começando. É uma preciosidade que vale ser conhecida.

Eu Sou Cuba, de 1964, é assinado por Mikhail Kalatozov, o mesmo diretor soviético de grande sucesso internacional, na época, quando estreou o filme Quando Voam as Cegonhas com o qual recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 1957.

O filme é composto por quatro episódios – ou melhor, por quatro contos –, com histórias independentes, e começou a ser realizado logo depois da tentativa de invasão da ilha na Baía dos Porcos pelos cubanos desembarcados de Miami. Nesses quatro relatos, a vida cubana durante os estertores do regime de Fulgêncio Batista.

No primeiro quadro a prostituição que se alastrava, a miséria das favelas e o bordel para americanos em que Havana tinha se transformado. No segundo, um idoso cortador de cana alertado de que as terras onde tinha trabalhado a vida toda acabara de ser vendida para a United Fruit e ele e os filhos deviam sumir. (Lembramos de imediato de Propriedade, o excelente filme brasileiro que percorre o mundo).

No terceiro momento, grandes manifestações sangrentas, de rua, dos milhares de universitários combatentes do regime do ditador. E no último, o relato de como camponeses pacíficos e despolitizados acabavam aderindo aos rebeldes de Sierra Maestra mesmo sem intenção política de fazê-lo. O título desse conto é “Eu quero um rifle”.

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A história de bastidor de Eu Sou Cuba é pelo menos inusitada. Filme realizado como fruto de um acordo entre o Kremlin e o então novo governo cubano, para promover a revolução de Fidel e o regime soviético, acabou não agradando nem a um lado nem ao outro que viram nele pouca força panfletária, um trabalho ‘artístico demais’ e carente de energia revolucionária em uma fase em que o país já demonstrava que acabaria vencendo a ditadura. Injusto.

Kalatozov foi contratado e começou a filmar logo depois da sua chegada, vindo da URSS, mostra a violência do regime decadente e os protestos da população em fortes sequências, perfeitas do ponto de vista cinematográfico, e belas e especiais imagens – é inesquecível a introdução do seu filme, com o mar abraçando longamente as praias e as matas da ilha que estava prestes a receber, na sua capital, os guerrilheiros de Sierra Maestra, em um dia 8 de janeiro histórico. A profundidade de foco das imagens, a funcionalidade da câmera-olho versátil, os estonteantes e intermináveis travellings, essestão característicos do cinema soviético, está tudo lá.

Redescoberto hoje, ele é considerado por cineastas do calibre de Martin Scorsese e Francis Ford Coppola – e por obra e graça do Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (CPC-UMES), distribuidor dos filmes do estúdio Mosfilm – uma obra prima a ser considerada, uma pérola do cinema, registro precioso de um momento histórico da América Latina. Imperdível.

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