Assassinatos antecipados: Dimas Antônio Casemiro (6/3/1946 – 19/4/1971). “Dos Filhos deste Solo”, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
Fabiano Casemiro com a foto do pai | Foto: arquivo pessoal“Onde estaria o corpo de Dimas Casemiro durante dois dias, das 13h do dia 17 até às 14h do dia 19? A repressão teria interesse em guardar um cadáver por tanto tempo, antes de encaminhá-lo ao IML?”
‘Fabiano tinha 4 anos quando seu pai, Dimas Antônio Casemiro, o “Rei”, foi assassinado pelo regime militar. Mas o corpo, até pouco tempo, não tinha sido encontrado. Dimas era mais um dos desaparecidos da ditadura. Agora, 47 anos depois, o publicitário pôde finalmente enterrar os restos mortais de seu pai. Para ele, a sensação não é de felicidade, mas de alívio por encerrar essa parte da história de sua família. “O maior alívio é poder dizer que meu pai não é mais um desaparecido político. Meu maior desejo é de que todas as pessoas que participaram disso comigo e que também esperam por seus entes, possam encontrá-los e enterrá-los”, declara Fabiano, em entrevista à Ponte.’ (Fonte: Luana Dorigon, especial para Ponte Jornalismo).
No mesmo dia 16 de abril de 1971, em que Joaquim e Ivan Seixas foram presos, os agentes da repressão política localizaram também a casa de Dimas Antônio Casemiro, no bairro da Saúde (em São Paulo), onde estavam guardadas as armas utilizadas para matar Boilesen e a matriz do panfleto distribuído na ocasião.
As novas investigações realizadas em razão dos trabalhos da Comissão Especial (de Mortos e Desaparecidos Políticos) comprovaram a falsidade da versão oficial divulgada sobre a morte de Casemiro — “morto a tiros no local da prisão” —, admitida inclusive no Dossiê dos Mortos
e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964.
Dimas Antônio Casemiro nasceu em Votuporanga, São Paulo, filho de Antônio Casemiro Sobrinho, antigo militante do PCB, e Maria dos Anjos Casemiro. Era casado, tinha um filho, e trabalhava na época como impressor gráfico. Morreu com 25 anos.
O laudo de necropsia foi assinado pelos médicos-legistas João Pagenotto e Abeylard de Queiroz Orsini.
Apesar de identificado, foi sepultado como indigente no Cemitério de Perus.
Seus restos mortais provavelmente estão entre os encontrados na vala clandestina de Perus, mas até o momento a equipe do Departamento de Medicina Legal da Universidade de Campinas não logrou identificá-los.
Suzana Keniger Lisbôa, relatora do caso na Comissão Especial, aponta a principal contradição entre a versão oficial e a documentação existente sobre a morte de Casemiro:
“De acordo com a requisição de exame necroscópico, às folhas 38 e 39, assinada pelo delegado Alcides Cintra Bueno Filho, a morte se deu no endereço acima (Rua Elísio da Silveira, 27, bairro da Saúde), às 13h do dia 17 de abril.
Entretanto, o corpo de Casemiro, ainda de acordo com a própria requisição de exame, só deu entrada no IML às 14h do dia 19 de abril, tendo sido enterrado às 10h do dia 20.
No histórico, lê-se: ‘O terrorista faleceu em conseqüência dos ferimentos recebidos no transcorrer do tiroteio travado com os órgãos de segurança’”.
Comparando datas e horários, a relatora pergunta:
“Onde estaria o corpo de Dimas Casemiro durante dois dias, das 13h do dia 17 até às 14h do dia 19? A repressão teria interesse em guardar um cadáver por tanto tempo, antes de encaminhá-lo ao IML?”
Suzana Keniger Lisbôa apresenta a única resposta cabível, já constatada em vários outros casos apreciados pela Comissão:
Dimas Casemiro, ferido ou não, deve ter sido levado para um local em que pudesse ser interrogado sob torturas — Delegacia, DOI-Codi, casa ou sítio clandestino —, sendo mantido ali até que os agentes considerassem esgotados os recursos e possibilidades de obter alguma informação. Pode ter morrido sob tortura e depois baleado, para dar
crédito à versão de tiroteio, ou simplesmente ter sido executado após resistir aos suplícios.
Como no caso de Joaquim Alencar de Seixas, a imprensa também noticiou a morte em tiroteio de Dimas Casemiro (“Baleado e morto chefe dos assassinos do industrial” — Diário Popular de 18/4/71), enquanto ele ainda se encontrava
vivo, anunciando o crime que viria a ser consumado no dia 19.
O parecer da relatora afirma também que, examinadas as fotos do corpo de Casemiro, incluídas no processo, são visíveis as lesões provocadas pelas torturas (na região frontal mediana e esquerda, no nariz e, principalmente, nos cantos internos dos dois olhos), não descritas no laudo do IML.
A Comissão Especial aprovou por unanimidade (7 x 0 votos) os casos de Joaquim Alencar de Seixas e Dimas Antônio Casemiro.