Atividades bancárias comerciais e/ou de investimento
Quando os preços das ações e títulos entraram em colapso, como ocorreu em 1929 e 2008, muitos bancos de investimentos faliram. As reformas consequentes restringiram severamente os bancos de investimento
A Lei Glass-Steagall, também conhecida como a Lei Banking Act de 1933 nos Estados Unidos, visou separar as atividades bancárias comerciais das atividades de investimento. Ela foi implementada como resposta à Grande Depressão e tinha como objetivo evitar conflitos de interesse e reduzir os riscos associados à mistura de ambas as atividades.
Na Era Neoliberal, iniciada com a eleição de Ronald Reagan nos Estados Unidos (e Margareth Thatcher na Inglaterra), houve a desregulamentação do sistema financeiro. A revogação da Lei Glass-Steagall em 1999 levou à consolidação dos bancos comerciais e os bancos de investimento.
Desse modo, essas instituições financeiras passaram a prestar serviços bancários comerciais tradicionais, bem como praticar atividades de investimento e especulação. A crescente interconexão entre mais componentes elevou a complexidade do sistema financeiro norte-americano e resultou em “bancos grandes demais para falir”.
Durante a Grande Crise Financeira (GCF) de 2008, muitos bancos enfrentaram problemas, devido a investimentos arriscados e à exposição a ativos de baixa qualidade, como títulos lastreados em hipotecas subprime. Isso resultou da bolha no mercado imobiliário inflada pela securitização de hipotecas de alto risco.
Na década anterior, a bolha das empresas pontocom estava mais centrada no setor de tecnologia e na especulação com ações de empresas de internet na NASDAQ. Embora tenha causado turbulência no mercado acionário, não teve o mesmo impacto sistêmico da crise de 2008. Esta revelou as fragilidades e riscos associados à interconexão das atividades bancárias comerciais e de investimento.
Contribuiu para uma cultura de maior risco e especulação, permitindo os bancos se envolverem em práticas arriscadas de empréstimo e investimento. Quando a bolha imobiliária estourou, sofreram grandes perdas, levando à crise financeira global.
Hyman Minsky fez distinção entre os modelos de banco comercial tradicional, banco de investimento, banco universal (multibanco) ou holdings bancárias. No Brasil, adotou-se esse último modelo, mas não se permitiu o capital financeiro a la Rudolf Hilferding, isto é, o capital bancário controlar o capital industrial como ocorreu na Alemanha.
Antes da reforma bancária de 1964, as famílias banqueiras brasileiras captavam recursos de terceiros para aplicar em suas próprias empresas. A partir dela, proibiu-se empréstimos bancários à empresa não-financeira cuja família controladora do banco possuísse mais de 10% das ações para evitar concentração de risco no grupo familiar.
Um banco comercial tradicional faz apenas empréstimos de curto prazo garantidos por bens em processo de produção e posterior distribuição. Os empréstimos tendem a ser pagos logo quando as mercadorias forem vendidas.
A ideia é, se os bancos emprestarem apenas contra bens já precificados, seus empréstimos não serão inflacionários. Afinal, não haverá “muito dinheiro em perseguição de poucos bens” se os bens já estiverem com os preços estabelecidos.
A carteira de crédito do banco tem como passivos os depósitos à vista, a prazo e de poupança, emitidos como resgatáveis em curto prazo. Nesse modelo bancário tradicional, há conexões próximas entre o banco, a oferta monetária e a produção real.
Os bancos comerciais, para financiar o processo produtivo, fazem empréstimos em curto prazo. Essencialmente, a empresa toma empréstimos para capital de giro e o banco adianta o dinheiro como ativo para depois captar passivos.
A empresa mutuária os usa para pagar salários aos trabalhadores e matérias-primas de fornecedores. Quando os produtos acabados são vendidos, paga o banco mutuante.
Os bancos cobram juros sobre empréstimos acima dos pagos sobre depósitos. O spread bancário ou “margem líquida de juros” contém os custos administrativos e lucros bancários, a cunha fiscal e uma margem para cobrir as perdas registradas no produto.
Esses bancos comerciais não captam depósitos antes para depois os emprestar. O processo é exatamente o inverso da visão convencional: o banco aceita a promissória da empresa com necessidade de pagar salários e matérias-primas, depois faz um depósito na conta corrente da empresa devedora para suprir sua folha de pagamentos e compras.
Então, o banco ao receber a “nota promissória”, representativa do compromisso de pagar o empréstimo, emite sua própria promissória no depósito. Desse modo, “financia” e depois busca depósitos.
Quando a empresa termina a produção e vende a produção, ela recebe depósitos transferidos pelos clientes compradores e os utiliza para quitar o empréstimo de curto prazo. Aí, a empresa “resgata” a si mesma ao trazer de volta ao banco as “promissórias”, ou seja, o pagamento do empréstimo cancela o depósito anterior concedido a ela.
Embora os empréstimos sejam feitos contragarantias, um banco bem-sucedido em sua avaliação de risco dos clientes quase nunca é forçado a aceitar a garantia. Um banco não deve funcionar como uma casa de penhores, por exemplo, recebendo “um relógio das Arábias em troca de dinheiro”, pois essa “lavagem de dinheiro (sujo)” é crime.
Os empreendedores devem encontrar um banqueiro disposto a adiantar a folha de pagamento dos trabalhadores capazes de produzir o resultado do investimento. Embora os bancos comerciais tradicionais não financiem a compra de bens de investimento, por ser um financiamento em longo prazo, ainda assim eles desempenham um papel relevante no processo de investimento.
Afinal, os bens de investimento são produzidos antes de serem vendidos. Ao conceder capital de giro, a massa salarial dos trabalhadores no setor de bens de investimento é paga. Com isso, os bancos comerciais promovem parte de “o desenvolvimento do capital” da economia, mesmo caso não forneçam realmente financiamento para tomada de posição em bens de investimento.
Randall Wray, didaticamente, faz uma separação entre a produção de bens de capital, possíveis de ser financiados por bancos comerciais, e o financiamento da propriedade deles, cuja competência é dos bancos de investimento, não dos comerciais. Estes sozinhos não têm a capacidade de financiar todo o “desenvolvimento do capital” do país.
Os bens de investimento tornaram-se excessivamente caros com o surgimento das fábricas modernas, além das ferrovias e demais necessidades de infraestrutura. Nos Estados Unidos, mesmo os “barões ladrões” (ricaços) conseguiam isso só com as economias de suas famílias, ou seja, com autofinanciamento.
Por isso, surgiram dois modelos básicos de banco de investimento. Um atua como intermediário, colocando os passivos (títulos de dívida direta) ou ações da corporação junto aos investidores qualificados (milionários). O outro detém (“encarteira”) esses títulos e ações – e emite seus próprios passivos para financiar essas compras.
No primeiro caso, o banco de investimento cobra taxas por seus serviços de lançamento. No segundo, sua receita depende do desempenho das ações das empresas compradoras dos bens de investimento. Muitos bancos de investimento combinam os dois modelos.
A atividade do banqueiro de investimento ao financiar as posições de longo prazo em ativos de capital, direta ou indiretamente, é bastante diferente da atividade bancária comercial. Enquanto os bancos comerciais oferecem depósitos em contas correntes, propiciando converter à vista em papel-moeda, os bancos de investimento vendem ou “encarteiram” ações e títulos de dívida direta (debêntures) com valores futuros incertos.
Quando os preços das ações e títulos entraram em colapso, como ocorreu em 1929 e 2008, muitos bancos de investimentos faliram. As reformas consequentes restringiram severamente os bancos de investimento. No primeiro caso, a Lei Glass-Steagall criou uma clara separação entre as funções de banco de investimento e banco comercial. A ideia era os bancos comerciais serem rigorosamente regulamentados para proteger o dinheiro dos clientes do varejo.
Essa separação permaneceu nas seis décadas seguintes. Ao longo desse tempo, ela foi sendo gradualmente corroída por meio de uma combinação de inovações financeiras para subverter as intenções da lei e, finalmente, pela desregulamentação, pelo desleixo com a supervisão bancária, até a revogação da legislação em 1999 pelo neoliberalismo.
No resto do mundo, as holdings bancárias possuíam ambos os tipos de bancos e, de fato, toda a gama de empresas prestadoras de serviços financeiros. Nos Estados Unidos, a separação foi gradualmente removida e os mesmos tipos de abusos, vistos na década de 1920, retornaram. Obteve-se o mesmo resultado: um colapso financeiro, ocorrido em 2008. Só.
*Imagem em destaque: (Lee Jordan/Wikimedia Commons)
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].