Brasil X Argentina ou “Financeirização” versus “Desfinanceirização”

Brasil X Argentina ou “Financeirização” versus “Desfinanceirização”

A Argentina, ao contrário, é uma economia sem financiamentos. O país não tem mais crédito externo e 70% do crédito interno quem toma é o setor público. De cada 100 pesos depositados nos bancos, eles usam 70 para carregar títulos de dívida pública.

A Economia convencional equivoca-se ao analisar o sistema financeiro em um capítulo descritivo à parte como fosse um “setor financeiro”, tratado tal como o setor real ou produtivo, o setor público, o setor externo etc. Não percebe, desse modo, o dinheiro bancário ser o meio de pagamento capaz de interligar as distintas atividades econômico-financeiras em uma economia de mercado com divisão do trabalho.

Tão essencial é o sistema financeiro a ponto de tornar ultrapassadas as teorias econômicas puras ensinadas com sua abstração. Há três funções-chaves do sistema bancário do qual todos (pessoas físicas e pessoas jurídicas, governos e resto do mundo) somos clientes, ou seja, componentes interativos para sua emergência.

Em geral, os autores da literatura de “financeirização” só não condenam o mercado de crédito. O objetivo desse subsistema é
financiar a expansão de capacidade produtiva, produção (capital de giro), consumo, habitação, compra de ativos baratos para vender caro (especulação) etc. Ao cumprir isso, amplia a oferta de empregos e a geração de renda para todos: empregadores e empregados.

No entanto, denunciam e condenam o subsistema de gestão de dinheiro. Não percebem ser indispensável, inclusive para os trabalhadores, ele propiciar aplicações financeiras para
proteger o poder aquisitivo das reservas ao longo do tempo e seus rendimentos financeiros substituírem a renda do trabalho na aposentadoria. Não é pecado a usura (juro ou rendimento de capital financeiro) nem tampouco se tornar “rentista”…

Pior ainda, esquecem-se do mais utilizado por todos os agentes econômicos: o subsistema de pagamentos. É um avanço
dar acesso popular ao sistema de pagamentos eletrônicos para oferecer segurança e facilidade prática ao dar ordens digitais de transferência de depósitos à vista entre contas correntes.

A “financeirização” refere-se a um processo no qual o sistema financeiro envolve a economia e a sociedade como um todo. É um fenômeno caracterizado pelo aumento da importância das instituições financeiras, onde se faz a gestão do dinheiro e a eventual tomada de empréstimos, além dos pagamentos digitais ou escriturais.

Sem dúvida, há crescente relevância da racionalidade do cálculo financeiro nas decisões econômicas. Afinal, todos os trabalhadores necessitam aplicar eventuais, ou melhor, as planejadas sobras dos fluxos de renda recebidos para a acumulação de estoque de reservas financeiras, ao longo da vida, no sentido de apoio em momentos de necessidade. É sempre uma questão de segurança, rendimentos e liquidez.

A “financeirização” está relacionada a várias transformações na economia contemporânea, entre outras, a abrangência do sistema financeiro. Ocorre um aumento significativo do tamanho e da complexidade das instituições financeiras, como bancos, fundos de investimento, seguradoras e empresas de serviços financeiros. Essas instituições desempenham um papel central na alocação de recursos na economia e propiciam a diversificação de riscos na carteira de ativos financeiros.

Por isso mesmo, os mercados financeiros se expandem em tamanho ao abranger os mercados de ações, títulos de dívida, câmbio e derivativos. Há uma maior diversificação de produtos financeiros e o surgimento de novas técnicas financeiras como a proteção (hedge) no chamado mercado de futuros.

A busca por lucros rápidos e altos ganhos financeiros leva a um aumento da especulação nos mercados de ações e futuros. Mas não existiriam os hedgers, isto é, detentores de ações ou dólares em busca de proteção contra movimento adverso (queda) em suas cotações, no mercado à vista, por meio da abertura de posição a futuro oposta à detida à vista, caso não existissem os especuladores. Estes assumem posição contrária à do hedger, dando liquidez ao mercado, assumindo risco com o objetivo de realizar ganho com o movimento de alta do preço no futuro.

As considerações financeiras sobre fluxos de entrada e saída ganham mais importância nas decisões de investimento e negócios. Em situação de ociosidade de capacidade produtiva, as empresas não-financeiras orientam suas estratégias para maximizar o retorno financeiro em proveito de autofinanciamento dos investimentos futuros.

Os denunciantes da “financeirização”, com desconhecimento de causa, tratam-na como um “bode expiatório” responsável pela desindustrialização ocidental. Acusam-na de impactos negativos na economia produtiva, ao provocar o desemprego, a desigualdade de renda, o baixo crescimento econômico e a instabilidade financeira. Ora, durante o “capitalismo industrial” também não houve tudo isso?

A “financeirização” é um fenômeno controverso. Os realistas a enxergam com naturalidade, ou seja, como a evolução do sistema capitalista financeiro por definição.

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Os críticos da “financeirização” acusam-na de ter levado a uma economia mais instável, desigual e orientada para o curto prazo, com menos ênfase na economia produtiva e no bem-estar social. Deveriam, em lugar desse autoengano, examinar os determinantes cíclicos do investimento: grau de endividamento pelo princípio do risco crescente, expectativa de lucro com o ritmo de vendas, grau de ociosidade na utilização da capacidade produtiva, falta de oportunidade de aproveitamento de inovação disruptiva.

Não deveriam confundir a “financeirização” com o neoliberalismo (e consequente [auto]destruição da socialdemocracia), a globalização e a nova divisão internacional do trabalho com o ganho de competitividade industrial pela Ásia. Fariaam uma análise com maior correção intelectual caso se dedicassem a interpretar com maior profundidade o ocorrido desde a adoção do neoliberalismo no ocidente e do planejamento estatal no oriente, em especial na China e na Coreia do Sul.

Talvez ajude a repensar a crítica leviana à “financeirização” fazer uma comparação entre uma economia pressuposta “embarcada nessa canoa” e outra à margem. A diferença atual entre a economia brasileira e a economia argentina pode ser explicada pela não “bancarização” desta? A fuga de capitais de seus bancos para o dólar não é prejudicial?

Os bancos permitem às famílias diversificar o risco das (ou assegurar) suas poupanças, oferecendo também rendimentos, porque os depósitos a prazo pagam uma taxa de juro, e liquidez, pois os depósitos estão disponíveis quando a família deles necessitar. Os bancos também emprestam dinheiro para consumidores, empresas e governos.

Ao emprestar dinheiro a uma pessoa, eles a permitem continuar consumindo com o adiantamento de pagamentos futuros. Sem recursos suficientes, uma pessoa pode obter um empréstimo hipotecário para comprar uma casa e reembolsar o empréstimo com os rendimentos a serem recebidos ao longo da sua vida profissional ativa.

Os bancos procuram emprestar às empresas com projetos mais rentáveis por elas terem mais probabilidades de cumprir o reembolso dos créditos contraídos. Desta forma, os bancos cumprem o papel fundamental de avaliação de risco ao julgar o investimento.

Existe uma relação positiva entre a profundidade do sistema financeiro e o nível de desenvolvimento econômico. Essas duas variáveis ​​se reforçam. Países com um sistema bancário mais desenvolvido crescem mais pois seus agentes tomam mais empréstimos.

Segundo o TradeMap, hoje, em média, empresas e consumidores possuem, cada um, 4,25 contas ativas contra 2,67, de acordo com dados de março de 2020 do Banco Central. Esse número já vinha em crescimento desde 2018, passando de 2,07 para 2,15 — refletindo a aprovação pelo CMN em abril de 2016 de abertura de contas de forma remota e a entrada de bancos digitais no mercado. Em 2022, eram 158 milhões de cartões de débito ativos e 191 milhões de cartões de crédito ativos.

Em dezembro de 2022, o PIB era R$ 10,128 trilhões, mas os Haveres Financeiros (M4) somavam R$ 10,7 trilhões. Os meios de pagamento eram 6,3% do PIB e as aplicações financeiras alcançavam 99,3% do PIB. O crédito ampliado (empréstimos, títulos de dívida e endividamento externo) com R$ 14,8 trilhões atingia 150% do PIB.

A Argentina, ao contrário, é uma economia sem financiamentos. O país não tem mais crédito externo e 70% do crédito interno quem toma é o setor público. De cada 100 pesos depositados nos bancos, eles usam 70 para carregar títulos de dívida pública.

Porém, os depósitos totais de correntistas nos bancos em relação ao PIB são muito baixo: 9%. As pessoas poupam em dólares e os guardam em cofres, fora do sistema bancário, ou seja, há “desbancarização” e/ou “desintermediação financeira”.

O país não se preocupou em controlar a inflação, entre 2003 e 2011, porque o maior esforço durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner era estimular o crescimento econômico. A taxa de juros no Brasil no período era duas vezes superior à taxa de inflação. Na Argentina, era metade, ou seja, oferecia taxa de juro real negativa.

O Brasil tem uma moeda por causa da baixa inflação (4,18% em 12 meses em abr23) e juros disparatados para depósitos a prazo e títulos de dívida pública. Oferece crédito em moeda local. A Argentina destruiu sua moeda nacional com a fuga para o dólar.

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