Conflito de gerações entre financistas: baixe o livro
As diferenças entre os intelectuais pré-II Guerra Mundial e os intelectuais da geração baby-boom são influenciadas por contextos históricos, culturais e sociais distintos. Em seguida, apresento algumas das principais diferenças entre esses dois grupos.
A primeira, evidentemente, é a diversidade de contexto histórico e experiências. Antes da II Guerra Mundial, os intelectuais foram moldados pela I Guerra Mundial, pela hiperinflação alemã, pela emergência do nazifascismo e pela Grande Depressão. Eles testemunharam as consequências devastadoras desses eventos influentes nas questões relacionadas à crise econômica, à instabilidade política e às mudanças culturais.
Por sua vez, os da geração baby-boom cresceram em um período de reconstrução pós-guerra com prosperidade econômica apesar da Guerra Fria. Suas preocupações estavam ligadas a questões como a luta pelos direitos civis, os movimentos de contracultura e a crescente influência da mídia de massa.
Quanto à tecnologia e comunicação, os intelectuais pré-II Guerra Mundial tinham acesso limitado à tecnologia de comunicação com radio e dependiam principalmente de livros, jornais e cartas para disseminar suas ideias. Os intelectuais da geração baby-boom testemunharam avanços tecnológicos significativos, como a disseminação da televisão e, mais tarde, a internet. Isso afetou a forma como suas ideias foram compartilhadas e massificou a comunicação e a disseminação de conhecimento.
Os focos temáticos foram distintos. Pré-II Guerra Mundial, necessariamente, os intelectuais exploravam questões relacionadas à guerra, ao nacionalismo, à desigualdade social e às raízes das crises econômicas. No pós-guerra, estavam mais inclinados a abordar temas como direitos civis, liberdade individual, igualdade de gênero, ambientalismo e crítica à sociedade de consumo exacerbado.
Também se diferenciavam os estilos literários e artísticos. Anteriormente à II Guerra Mundial, envolviam-se em formas de expressão literária das elites tradicionais, como a poesia clássica, o ensaio e a prosa elaborada. Após, influenciados pela cultura de massa, adotaram estilos mais informais, experimentais e engajados, como a literatura beat, a música rock e o jornalismo gonzo.
Gonzo é um estilo de narrativa em jornalismo, cinematografia ou qualquer outra produção de mídia no qual o narrador abandona qualquer pretensão de objetividade. Seu posicionamento pessoal se engaja profundamente com sua ação.
Por fim, a influência global os distingue. Os intelectuais pré-II Guerra Mundial tiveram influência mais no cenário europeu, com destaque para figuras como Albert Einstein, Sigmund Freud, Virginia Woolf e John Maynard Keynes. Os intelectuais da geração baby-boom, por sua vez, emergiram em um contexto mais globalizado e interconectado, com influências além das fronteiras nacionais, graças à disseminação da mídia de massa e das comunicações globais.
Em resumo, as diferenças entre as gerações dos intelectuais refletem as mudanças históricas, culturais e sociais ocorridas entre esses períodos. Influenciaram suas perspectivas, abordagens e contribuições intelectuais para a sociedade.
Rigorosamente, conforme mostrado no primeiro capítulo do meu estudo, cujo link está disponível para download no fim deste artigo-resenha, Hyman Minsky, nascido em 1919, pertence uma geração de transição entre economistas. Caiu-lhe o epíteto “pós-keynesiano”, para qualificá-lo, dado o título de seu primeiro livro de sucesso, publicado em 1975, cujo título era justamente John Maynard Keynes.
É interessante a observação de Randall Wray a propósito de Minsky, de quem era Professor Assistente. Embora fosse comumente identificado como um pós-keynesiano, ele preferia o rótulo “keynesiano financeiro” como descrição de seu trabalho. Ele se sentia mais próximo dos institucionalistas americanos.
Aqui, para comparação com outro, eu o classifico como um “financista”. Advirto isso não ter nenhum caráter pejorativo, antes pelo contrário, considero Finanças um conhecimento necessário de ser universal para o bem-estar de todas as famílias.
Na realidade, quem foi da geração pré-II Guerra Mundial não foi Minsky, mas sim um de seus mais proeminentes inspiradores. O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) publicou ideias com profundo impacto na teoria econômica e na política econômica do século XX.
Alguns dos principais traços biográficos e características pessoais de Keynes são mais similares aos de Minsky – e não aos de Ray Dalio, nascido em 1949.
A formação acadêmica e intelectual de Keynes e Minsky foi em Universidades de grande prestígio. Keynes estudou na Universidade de Cambridge, onde se destacou como professor e consultor. Minsky fez cursos de graduação na Escola de Chicago e de pós-graduação na Harvard University. Dalio não teve uma formação universitária de tanto prestígio, exceto em especialização na Harvard Business School [HBS].
Por isso, em suas autobiografias, Minsky gaba-se de seus notáveis professores e Dalio conta as vantagens de descobrir como ganhar dinheiro por conta própria. Ambos deram contribuições ao conhecimento de Finanças, mas seus métodos de análise – bottom-up em Minsky e top-down em Dalio – produziram ideias complementares.
Keynes era um aluno talentoso em Matemática, Economia e Filosofia. Sua mente analítica e ampla educação de elite influenciaram sua abordagem interdisciplinar na Economia. Minsky se graduou em Matemática e, depois, transferiu-se para a Economia.
Ambos os financistas, Minsky e Dalio, se caracterizam também pela importância dada ao conhecimento das instituições. Distingue-se o primeiro por ser mais teórico e o segundo mais pragmático.
Na carreira profissional, Keynes trabalhou no serviço público britânico, servindo como conselheiro econômico durante a Primeira Guerra Mundial e mais tarde como representante na Conferência de Paz de Versalhes. Ele também lecionou em Cambridge.
Nesse sentido, Minsky o acompanhou ao prestar serviço militar ao Exército norte-americano, durante e no pós-guerra, e depois se tornar docente na Universidade da Califórnia em Berkeley. Dalio pertence a uma geração rebelde contra a Guerra Vietnam e seu pai arranjou um diagnóstico médico para ele escapar da vã morte em uma guerra imperialista. Nunca foi professor, embora seja escritor.
A obra mais influente (não a mais lida) no século XX, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, revolucionou a teoria econômica ao desafiar as visões clássicas e neoclássicas. Keynes comprovou, logicamente, a economia de mercado não tender a um ajuste automático ao pleno emprego e a intervenção governamental ser necessária para estimular a demanda agregada e evitar crises econômicas.
Os financistas das gerações posteriores não publicaram uma única obra-prima, mas sim diversos livros mais acessíveis ao público interessado. Minsky não chegou, em sua vida, à Era dos Livros Digitais, acessíveis para download na internet, enquanto Dalio os publica hoje, gratuitamente, pois ganha (muito) dinheiro com a prática do ofício de financista.
As ideias de Keynes deram origem à política econômica conhecida como keynesianismo. Ele defendeu a intervenção governamental na economia, especialmente durante períodos de recessão, para estimular a demanda agregada e promover o emprego.
Minsky compartilha essa postura política e intelectual com ele. Dalio já é mais pragmático, por sempre ter trabalhado no mercado financeiro norte-americano (“Wall Street”). Ele se relaciona com líderes políticos mundiais e, por ser democrata nos Estados Unidos, é um crítico do populismo de direita, instalado lá por Donald Trump – e inspirador de neofascismo alhures.
Keynes era um liberal, preocupado com as questões sociais e defensor ativo das políticas de bem-estar social. Defendia o governo ter um papel a desempenhar na redução das desigualdades e na criação de uma sociedade mais equitativa.
Em política, Minsky era esquerdista, mas não era sectário. Como estudante, ele era ativo em atividades políticas da esquerda, autodenominadas radicais. Por tradição familiar (pais socialistas), abominava práticas dos comunistas leninistas ou estalinistas.
O envolvimento de Dalio em questões sociais se dá mais via filantropia. Com seu individualismo metodológico intuitivo, destaca as relações interpessoais de maneira criativa e saudável. Seu livro “Princípios” (2017) a respeito se tornou um bestseller, embora não seja lido por economistas esnobes ou críticos obtusos da “financeirização” (sic). Ele e sua equipe de revisores oferecem uma escrita clara e acessível.
Leia mais a respeito desses dois financistas – Hyman Minsky (1919-1996) e Ray Dalio (1949) – de gerações sucessivas. Fiz um estudo comparativo de suas obras. Download em: Fernando Nogueira da Costa – Financistas Comparados Hyman Minsky e Ray Dalio. set 2023.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].