Denúncia Estéril do Capitalismo

Denúncia Estéril do Capitalismo

Em “A Grande Experiência: por que diversas democracias desmoronam e como elas podem perdurar”, Yascha Mounk distingue entre a visão pessimista e a visão otimista do futuro político, econômico e socioambiental.

POR FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

Quando eu iniciava meu curso de Mestrado, em 1975, um sábio professor se aproximou de nosso grupo de alunos ao lado de uma banca de livros predominantemente com literatura marxista e ironizou: – Continuam fazendo a denúncia do capitalismo?!

Na época de descoberta desse “novo mundo” com as promessas futurísticas do Karl Marx, fiquei indignado com a ironia. Hoje, ½ século depois, “em um piscar de olhos” (sic), creio já perceber ser uma tarefa ineficaz, para tanto, apenas fazer essa “denúncia”.

Aprendi as mudanças sistêmicas complexas serem evolutivas a partir da emergência de novas configurações diante de interações de múltiplos fatores. Afinal, nenhuma revolução súbita e violenta apresentou bom resultado de imediato em termos de bem-estar social e democracia. Talvez o maior exemplo seja o desenvolvimento da China antes (com o maoísmo totalitário) e depois de 1979.

Desde o início das reformas econômicas em 1979, a China passou por um notável período de desenvolvimento econômico e social. As reformas introduzidas sob a liderança de Deng Xiaoping marcaram uma mudança significativa na abordagem econômica do país, transformando a China de uma economia predominantemente planejada para uma economia socialista de mercado.

As reformas econômicas, iniciadas então, introduziram políticas de abertura ao mercado e descentralização econômica. As empresas estatais foram cobradas a operar de maneira mais competitiva e as empresas privadas foram gradualmente permitidas e até incentivadas dentro de um plano estatal de desenvolvimento.

A China estabeleceu Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em locais estratégicos, como Shenzhen, para atrair investimentos estrangeiros com transferência de tecnologia e aprendizado da mão-de-obra. A política de reforma assumiu a abertura ao investimento estrangeiro para atrair capital, tecnologia e expertise ao país, contribuindo para o rápido crescimento industrial e do mercado interno, além da enorme exportação chinesa.

Houve uma significativa modernização do setor industrial, com um foco particular em setores de alta tecnologia, manufatura e exportação. A China tornou-se conhecida como “a fábrica do mundo” – e o Brasil como “a fazenda do mundo”.

As reformas descentralizaram o poder econômico, dando mais autonomia para as províncias e localidades tomarem decisões sobre desenvolvimento econômico. Isso permitiu experimentação e adaptação de políticas às condições locais.

Na fase de indústria nascente e urbanização progressiva, a China experimentou um crescimento econômico com taxas médias de crescimento do PIB superiores a 10% ao ano durante várias décadas. Esse crescimento contribuiu significativamente para a redução da pobreza e o aumento do padrão de vida.

Houve um rápido processo de urbanização, com milhões de pessoas migrando do campo para as cidades em busca de oportunidades de emprego. Isso levou ao desenvolvimento de centros urbanos modernos e infraestrutura urbana expandida.

A China talvez seja, entre os maiores países, aquele mais capaz de se aproveitar da economia global. Tornou-se a mais importante força no comércio internacional e nas cadeias de suprimentos globais. Nesta nova divisão internacional do trabalho, ela é o maior destino das exportações de commodities de países abaixo do Equador.

O governo chinês investiu massivamente em Educação e Pesquisa. Impulsionou a formação de uma força de trabalho qualificada no exterior e a inovação tecnológica.

Em 2001, a China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC). Facilitou ainda mais seu acesso ao comércio internacional e consolidou sua posição de liderança.

Esse período do notável desenvolvimento econômico da China, nas últimas décadas, também foi marcado por problemas como desigualdades regionais, pressões ambientais e questões relacionadas aos direitos humanos. O desenvolvimento chinês é exemplo de um fenômeno complexo ou multifatorial de um sistema em contínua evolução.

No livro “A Grande Experiência: por que diversas democracias desmoronam e como elas podem perdurar” (Nova York: Penguin Press, 2022), Yascha Mounk distingue entre a visão pessimista e a visão otimista do futuro político, econômico e socioambiental. Em muitas democracias desenvolvidas, o pessimismo em relação à Grande Experiência de plena democracia tornou-se agora a marca definidora da extrema-direita.

Os racistas e demagogos das campanhas populistas de direita concordam em um credo: o sucesso histórico das Nações está enraizado na sua herança cultural e composição étnica. A imigração e as alterações demográficas representariam uma ameaça existencial para ambas. Estariam fadados a empobrecer países e culturas e a incitar uma guerra civil. O “outro” é sempre o bode-expiatório contumaz, culpado por todas as dificuldades…

O populista “salvador da pátria” se apresenta como falante em nome de seu “povo”, isto é, aquelas pessoas apenas com teorias da conspiração na cabeça. Pior é quando a extrema-esquerda se contrapõe ao racismo não como um crime cometido por determinadas pessoas, mas como uma força social onipresente no capitalismo pela qual todos os homens brancos são inapelavelmente culpados.

No Brasil, ela não aceita os últimos quarenta anos terem sido uma história de progressos intermitentes e desiguais, mas em direção a uma maior justiça e igualdade. Como “donos-da-verdade”, consideram as políticas públicas, na melhor das hipóteses, só deram alguns alívios momentâneos da supremacia branca “financista”, o DNA do país.

Sempre a denúncia é tudo visar a proteção dos interesses de um pequeno número de “homens brancos ricos”. Os esquerdistas extremistas consideram ingênuos os sentimentos de confiança em um futuro progresso democrático e socioeconômico.

Creem os historicamente oprimidos, ao fim e ao cabo, triunfarão sobre os seus opressores históricos em uma luta pelo poder total. Muitas das injustiças contra as quais estes extremistas investem são reais. Apesar disso, este fatalismo não representa uma visão realista sobre como construir democracias diversas e prósperas e acaba não sendo uma postura retrógrada muito diferente da xenofobia da direita etnonacionalista.

Os pessimistas, seja de direita, seja de esquerda, não possuem uma visão realista do estado atual, ou do futuro provável, de diversas democracias. Os direitistas culpam os pobres (e os de posicionamento contrário) não se incluírem na sociedade capitalista porque são estúpidos, preguiçosos ou maus. Os esquerdistas rejeitam, com razão, esta análise, atribuindo a posição socioeconômica mais baixa dos grupos minoritários à opressão sofrida desde o passado e aos obstáculos ainda enfrentados hoje.

Ambas as perspectivas ignoram, segundo Yascha Mounk, estes grupos identitários e pobres terem feito progressos significativos em direção à igualdade de direitos da cidadania. Com política afirmativa e/ou compensatória de cotas, obtendo diplomas universitários, sobem na hierarquia social, seus rendimentos aumentam e alcançam posições de poder e prestígio em negócios, cultura e política.

Uma avaliação excessivamente pessimista do estado atual de diversas democracias não é apenas errada no mérito. Ao pintar uma visão profundamente desagradável do futuro, os extremistas também prejudicam as perspectivas da Grande Experiência democrática.

Os ativistas mais interessados em política tendem a ter opiniões altamente polarizadas e recorrentes ao fazer suas denúncias estéreis e patrulhas ideológicas. A maioria dos cidadãos, entretanto, está muito menos interessada em política partidária e tem sentimentos muito mais ambivalentes sobre questões-chave da política pública.

Querem o futuro emergente de progresso socioeconômico e democrático ser bem-sucedido. Os ambivalentes pouco se deixam influenciar pela sugestão de adotar uma avaliação sempre negativa do seu próprio país.

Ridicularizar visões mais ambiciosas sobre o que o futuro poderá trazer como fossem ingênuas ou utópicas aparenta ser uma atitude inteligente por parte do persistente denunciante. Mas, na realidade, a Grande Experiência de mudança sistêmica terá mais probabilidades de ter sucesso se os seus construtores incentivarem a todos criarem uma sociedade democrática de bem-estar na qual a maioria das pessoas gostaria de viver.

Para construir esse tipo de sociedade, os progressistas deveriam destacar as limitações de hoje não precisarem, necessariamente, se tornar as realidades de amanhã. É possível membros de diversas democracias construírem laços cada vez mais estreitos de cooperação mútua – e até de amizade.

Ninguém vai trabalhar no sentido da construção de democracias mais justas se acreditar estas se tornarem, no melhor dos cenários, consumidas por uma luta existencial entre diferentes grupos de identidade, seja conflitos de interesses ideológicos ou religiosos, seja disputas regionais ou corporativas de privilégios exclusivos. É preciso apresentar uma visão positiva e realista sobre como a Grande Experiência democrática e socioeconômica pode ter sucesso. Essa é oferecida no citado livro de Yascha Mounk.

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