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Política pública de emprego contra pobreza

Política pública de emprego contra pobreza

Segundo a Carta de Conjuntura do IPEA (julho de 2023), o crescimento dos indicadores de renda e de população ocupada explica o bom desempenho da massa de rendimentos do trabalho. Tem contribuído para suavizar os efeitos da alta de preços e de juros, principalmente nos segmentos mais dependentes de renda do trabalho.

Adotou-se, no novo governo brasileiro social-desenvolvimentista, um conjunto de medidas fiscais de transferência de renda. Elas exercem um papel importante quanto à massa salarial ampliada por transferências de assistência social e previdência social.

A massa salarial é calculada como o rendimento médio do trabalho tanto formal quanto informal, multiplicado pelo número de pessoas ocupadas na economia durante um determinado período. É uma medida do total de fluxos de renda gerada pelo trabalho dos indivíduos.

O registro de massa salarial ampliada adiciona à referida massa salarial as transferências de assistência e previdência, realizadas pelos governos, notadamente os pagamentos de:

  1. aposentadorias e pensões do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores e militares da União, estados e municípios;
  2. Benefícios de Prestação Continuada (BPCs) previstos na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS);
  3. abono salarial;
  4. seguro desemprego;
  5. Programa Bolsa Família (PBF);
  6. auxílios e benefícios emergenciais criados quando da pandemia; e
  7. saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Com a possível exceção dos pagamentos dos RPPS, essas transferências são, em sua maioria, destinadas às famílias de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social. Tomando por base os últimos cinco anos, a evolução nominal da massa ampliada em comparação com o IPCA aponta, na maior parte do período, ganhos reais de poder de compra. No fim do período, seu crescimento acumulado (46,3%) supera a inflação (34%).

No entanto, observou-se entre agosto e dezembro de 2021, quando as taxas de inflação começam a acelerar, essa massa ter registrado queda em termos reais. A partir de fevereiro de 2022, em ano eleitoral, o populismo de direita propiciou nova trajetória de ganhos reais da massa ampliada sobre o IPCA em aquisições no comércio e de serviços.

Recentemente, lendo no livro de Randall Wray, “Porque Minsky Importa” (2016), sua abordagem da pobreza e do desemprego, eu me surpreendi com a atitude do notável autor pós-keynesiano da Hipótese da Instabilidade Financeira ser inerente à economia capitalista, em relação ao bem-estar social. Ele defendeu inclusive remover quaisquer barreiras ao trabalho, inclusive provisões da Seguridade Social, desencorajadoras dos aposentados procurarem emprego, e taxar o pagamento de benefícios.

Defendia criar programas de emprego governamental direcionados à infraestrutura para qualquer pessoa disposta a trabalhar pudesse encontrar um emprego remunerado em vez de depender de política de bem-estar. Hyman Minsky chamou sua proposta de “empregador de último recurso”, assim como o Banco Central atua como “emprestador de última instância”, para os bancos, o Tesouro Nacional forneceria empregos no setor público para aqueles sem conseguir encontrá-los no setor privado.

Exceto no caso de uma política pública ser direcionada para eliminar o desemprego involuntário, não se resolveria essa causa principal da pobreza. Eliminar o desemprego (e consequente pobreza) é essencial para “estabilizar uma economia instável”.

Concentrar-se apenas no sistema financeiro e ignorar toda a instabilidade e insegurança associada ao desemprego e à pobreza seria um erro. Igualmente, mais estímulo à demanda agregada, na verdade, só alimentaria a instabilidade financeira.

Seria ineficaz qualquer tentativa de “melhorar os trabalhadores”, através de mais educação, habilidades e incentivos ao empreendedorismo dos desempregados. Não basta torná-los mais atraentes para os empregadores do setor privado.

Aumentar a “empregabilidade” dos pobres, fornecendo só treinamento sem aumentar a oferta de empregos, apenas redistribuiria o desemprego e a pobreza. Para cada trabalhador mais bem treinado, capaz de conseguir um emprego, um trabalhador menos treinado ficaria desempregado.

Minsky não era contra uma melhor educação e treinamento. Levantou um “ovo de Colombo”: para reduzir o desemprego e a pobreza, precisa-se sim de mais empregos.

Seria equivocada a ideia do keynesianismo tradicional: se a economia crescesse em um ritmo suficientemente forte, os empregos apareceriam magicamente. As políticas “keynesianas” para aumentar a demanda agregada a fim de estimular o emprego no setor privado foram adotadas com base na crença de o crescimento econômico aumentar a demanda por mão de obra e, assim, a maré positiva “levantar todos os barcos” dos pobres.

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Na realidade, as taxas de pobreza permaneceram rígidas, os salários reais para a maioria dos trabalhadores diminuíram, e os mercados de trabalho e bairros residenciais tornaram-se cada vez mais segregados. Os “ricos” construíram condomínios fechados e os “pobres” foram afastados para aglomerados urbanos subnormais ou precários.

É falaciosa a noção de o crescimento econômico em conjunto com políticas do lado da oferta, para melhorar os trabalhadores e fornecer incentivos adequados ao trabalho, serem suficientes para eliminar a pobreza. De fato, as evidências sugerem o crescimento econômico favorecer mais os “ricos”, em detrimento dos “pobres”, e aumentar a desigualdade social.

Se uma política pública só se concentrar em preparar trabalhadores para empregos inexistentes falharia em sua missão social. Somente um programa de empregos direcionados, por exemplo, para cuidados com pessoas (educação, saúde e segurança) e cidades, pagando salários decentes, poderia combater com sucesso a pobreza entre os não-idosos de uma maneira politicamente aceitável.

O estímulo à demanda por si só nunca poderia gerar empregos para os mais necessitados: trabalhadores pouco qualificados e afro-americanos. A crença neoliberal de os pobres terem de ser mudados, para “aprenderem a trabalhar”, e a pobreza ser eliminada foi rejeitada por Minsky: faltava-lhes sim a oportunidade de trabalhar!

Sem um programa de empregos com aceitação dos pobres como eles de fato são, o combate contra a pobreza não teria sucesso. Correto seria, primeiro, oferecer os empregos e, depois, aumentar as habilidades por meio do treinamento no trabalho.

O desemprego ocorre em função da complexidade do sistema econômico-financeiro – e não das deficiências de seus trabalhadores. São falsas as “soluções” do lado da oferta, como assistência social, treinamento, educação e os chamados “incentivos ao trabalho”, embora seja imprescindível a formação educacional, desde o pré-escolar, para quebrar o círculo vicioso da pobreza em longo prazo.

São necessários programas ampliados, aprimorados e modernizados de pagamentos de transferência de renda para idosos, enfermos, deficientes e crianças carentes. Mas a estratégia estruturalista antipobreza seria programas para oferecer empregos públicos e eliminar a pobreza entre aqueles com desejo e capacidade de trabalhar.

As mudanças tecnológicas e outras estruturais, nos mercados de trabalho, superariam qualquer capacidade de educar e retreinar trabalhadores deslocados para os tipos de empregos sofisticados existentes. Empregos públicos multiplicariam sim a renda.

São ilusórias políticas “keynesianas” para promover o pleno emprego dependentes de um ambiente de negócios favorável para estimular os gastos privados de investimento e induzir o consumo por meio do multiplicador de gastos. Incentivos fiscais ou desonerações tributárias exacerbam a desigualdade social, as altas rendas de capital levam ao consumo opulento dos ricos e ao consumo emulador dos menos ricos, a alta tecnologia só gera demanda por mão-de-obra qualificada e bem remunerada.

A defesa “keynesiana” de um boom de investimento financiado por dívida privada também seria insustentável, em médio e longo prazo, porque promoveria a instabilidade financeira. Em contraste, uma expansão liderada pelos gastos produtivos do setor público poderia aumentar a estabilidade ao fornecer títulos de dívida pública com risco soberano, emitidos quando o orçamento se tornar deficitário.

Enquanto os formuladores de políticas continuarem a favorecer as estratégias de investimento privado, não haverá avanços sustentados na guerra contra a pobreza ao longo do ciclo econômico. Seria uma política “stop-go”: o desemprego cairia no boom, mas retornaria na recessão, provocada pelo combate à inflação. Um governo soberano, ignorando preconceitos neoliberais, pode aumentar seus gastos com salários, mesmo com déficit orçamentário, sem aumentar o risco de insolvência e inadimplência.

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