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Por qual razão a Argentina não foi a Austrália

Por qual razão a Argentina não foi a Austrália

Argentina e Austrália compartilharam um conflito social e um infortúnio nacional ao longo da história. O conflito social residiu no fato de ambos os países, devido à sua dotação de fatores, produzirem e exportarem produtos como carne e lã, parte da cesta de consumo popular, e oferecerem mais ocupações às classes populares em serviços não exportáveis – e não tão rentáveis. O infortúnio nacional residia no fato de suas commodities perderem volumes e cotações nos ciclos de baixa dos mercados.

A breve história, contada por Pablo Gerchunoff e Pablo Fajgelbaum, ¿Por qué Argentina no fue Australia? (Siglo XXI Editores, 2019) combina a geoeconomia, a geopolítica, as instituições, os desfasamentos temporais e até mesmo os acontecimentos fortuitos.

Os coautores discutem por qual razão a Argentina não igualou o desempenho econômico da Austrália quando pelo menos até 1930 prometeu fazê-lo – e por qual razão agora ao não prometer nada, pode surpreendentemente fazê-lo.

A Austrália com US$ 59.093 ocupa o 16º. lugar na classificação da renda per capita PPC (1º. no hemisfério sul) e a Argentina com US$ 23.939 está em 62º – o Brasil com US$ 22.754 em 65º. A Austrália alcança o 8º. lugar no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (0,944) e a Argentina, 46º lugar (0,845) – o Brasil em 84º. (0,765), ou seja, fora do grupo considerado de Alto Desenvolvimento Humano (> 0,8).

Na Austrália, os 20% mais ricos da população ganham renda média sete vezes acima da dos 20% mais pobres, ninguém vive com menos de dois dólares americanos por dia e o desemprego é de 5%. Na Argentina, os 20% mais ricos multiplicam por dezoito o rendimento dos 20% mais pobres, mais de 14% da população vive todos os dias com menos de dois dólares e o desemprego é superior a 12%.

A Argentina é um dos 5 maiores produtores mundiais de soja, milho, semente de girassol, limão, pera e erva-mate, um dos 10 maiores produtores mundiais de cevada, uva, alcachofra, tabaco e algodão e um dos 15 maiores produtores mundiais de trigo, cana-de-açúcar, sorgo e toranja. Embora seja o maior produtor de trigo da América do Sul, e esta cultura ser mais antiga, é na soja onde a economia do país vem mais se baseando, assim como Brasil e o Paraguai. O país também exporta milho, cevada, algodão, tabaco, limão, pera, maçã, e produz vinho com as uvas.

Na pecuária, a Argentina foi, em 2019, o 4.º maior produtor de carne bovina do mundo, com uma produção de 3 milhões de toneladas, atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil e China. Foi o 4º maior produtor mundial de mel, o décimo maior produtor mundial de lã, além de estar entre os vinte maiores produtores do mundo de carne de frango, leite de vaca e ovo de galinha.

O país baseia sua economia na exportação de carne, mel e lã, além dos citados produtos agrícolas, desde o século XIX. Diferentemente, a economia da Austrália tem como maiores bases econômicas a mineração e a agropecuária, porque o país é:

  • o maior produtor mundial de minério de ferro, bauxita e opala;
  • o 2º maior produtor mundial de ouro, manganês e chumbo;
  • o 2º maior exportador mundial de carvão;
  • o 10º maior exportador de gás natural;
  • o maior produtor de lã do mundo;
  • o 5º maior produtor de carne bovina;
  • o 7º maior do mundo em receitas turísticas; e
  • um dos 10 maiores produtores mundiais de trigo, cevada e cana-de-açúcar e vinho.

Durante a Convergência (1884-1929), a Argentina apresentou a maior taxa de crescimento populacional de sua história graças à imigração abundante, mas ainda não era uma economia onde o trabalho explicava uma proporção significativa do rendimento de exportação. Este dependia principalmente das cotações e, depois, do volume.

A partir da crise de 1930, iniciou-se a Divergência porque os fatores favoráveis à Argentina inverteram-se subitamente. Focando apenas no produto por habitante, o declínio relativo na Argentina entre 1929 e 1945 (-1,47% ao ano) esteve ainda abaixo daquele correspondente ao desastre final (-2,15% ao ano) entre 1945-2002.

Durante um longo período, após a colonização dos primeiros colonizadores, existiram obstáculos institucionais e econômicos. Foram inibidores tanto da Argentina como da Austrália de embarcarem em um verdadeiro processo de acumulação de riqueza.

O território australiano foi descoberto, no século XVI, por marinheiros espanhóis – senão antes por chineses –, mas tornou-se oficialmente propriedade da Inglaterra, após a chegada de James Cook em 1770. Rapidamente, foi considerada uma solução para a transbordante população carcerária das Ilhas Britânicas, entre 1788 e 1821, quatro prisões foram construídas lá.

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Nesse último ano, mais de 65% dos habitantes da imensa ilha eram crianças e prisioneiros, e boa parte da atividade económica envolvia a destilação ilegal e o tráfico de bebidas alcoólicas. O rum funcionava como o único meio de troca.

A partir da década de 20 do século XIX, a Austrália experimentou o seu primeiro surto pastoril. A imigração de trabalhadores da Grã-Bretanha e o aumento da população livre nascida nas colônias melhoraram a qualidade do capital humano.

Ao mesmo tempo, a abundância de pastagens e o clima ameno favoreceram a produção de lã fina de acordo com as exigências das indústrias têxteis do Yorkshire Britânico. Elas surgiram no calor da Revolução Industrial e não foram satisfeitas pela oferta europeia.

Entre 1830 e 1850, a produção de lã aumentou vinte vezes e a população multiplicou-se quase seis vezes, passando de 70.000 para 405.000 habitantes. A pequena população justificava a Austrália ter elevada renda per capita com base em exportação.

Na Argentina, o chamado de “ambiente favorável ao crescimento” surgiu cerca de meio século depois do boom da lã australiana. Embora o Vice-Reino do Rio da Prata tenha sido estabelecido quase ao mesmo tempo da conquista de James Cook, a história incessante de conflitos armados, internos e externos, prevalecendo até o último quartel do século XIX constituiu o outro lado da evolução pacífica das colônias australianas e inclusive suas independências sem guerras.

O caso argentino foi diferente: as lutas pela Independência foram sucedidas por confrontos internos entre forças unitárias e federais, guerras contra países vizinhos, principalmente pela Tríplice Aliança contra o Paraguai, rebeliões internas lideradas por líderes das províncias do interior.

Seria um erro equiparar a breve expansão da economia argentina, ½ século entre 1880 e 1930, com o crescimento secular australiano, alimentado pelo seu florescimento rural precoce.

Na realidade, a Argentina começou a produzir e exportar couro, carne seca e lã muito antes de 1880. Desde o estabelecimento do livre comércio, iniciou uma lenta e primitiva jornada rumo à integração com os fluxos de trocas mundiais.

Na aceleração do progresso argentino houve uma combinação feliz: o fortalecimento do Estado nacional coincidiu com um momento de sofisticação das relações econômicas internacionais e de evolução das técnicas de produção e transporte qualitativamente superiores às do início do século XIX. Foi possível obter lucros significativamente maiores com o comércio quando a máquina a vapor já estava inventada e as carnes artificialmente conservadas a frio.

Os australianos não precisaram esperar as condições excepcionais do contexto, tão bem aproveitado pela Argentina, porque uma descoberta em seu subsolo lhe permitiria desfrutar da maior renda per capita do mundo durante décadas. Em abril de 1851, em Bathurst – Nova Gales do Sul, ouve a primeira grande descoberta de ouro na Austrália. Foi seguida rapidamente por outras.

Isto provocou uma nova onda de imigração – a população triplicou em uma década –, atingindo 1,2 milhões em 1861. Voltou a fazê-lo nos trinta anos seguintes porque multiplicou o interesse do capital britânico.

Só quando conseguiu sair do clima de beligerância contínua e aproveitar os benefícios do comércio, a Argentina esteve em condições de experimentar um salto em direção ao progresso econômico equivalente ao experimentado pela Austrália, depois desta superar os vícios da sua estrutura penal e encontrar o metal valioso. Ambos os processos não aconteceram simultaneamente.

A partir de 1880, a Argentina inaugurou a sua própria história de prosperidade. Coincidiu com a época quando os elevados rendimentos da produção aurífera australiana já estavam em declínio.

 Os pressupostos da hipótese de convergência implicam ela deveria acontecer de forma monótona até a renda per capita ser equalizada. Mas se tivesse sido esse o caso, não teríamos observado o declínio relativo da Argentina desde a Grande Depressão: outros fatores devem ter atuado.

Com a economia é possível explicar a aparente convergência, mas não a divergência. O fracasso da economia tem origem na ignorância de cada caso ter sua particularidade. Invalida a comparação os acidentes históricos com sua marca em cada país – e, obviamente, não idênticos.

Foto: Bandeira da Argentina / Reprodução

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