Filosofia sobre a ignorância

Filosofia sobre a ignorância

De início, Peter Burke, em seu livro Ignorance: A Global History (2023), concentrou-se em três tópicos principais: não saber alguma coisa, não querer saber alguma coisa e não querer outras pessoas saberem de alguma coisa. No entanto, é certamente impossível escrever uma história destes temas sem introduzir conceitos relacionados com eles.

O erro, por exemplo, é o resultado da ignorância, mas também traz as suas próprias consequências, por vezes trágicas. Demonstra isso em capítulos sobre a guerra e os negócios.

Para resolver o problema da representação da ignorância na arte, alguns pintores assimilaram-na à cegueira ou à loucura. O desenho personificou a ignorância como um homem com orelhas de burro, ilustrando mais uma vez a assimilação comum da ignorância à estupidez.

Hoje, a ideia de ignorância é frequentemente utilizada como um guarda-chuva intelectual. Cobre ideias vizinhas, como incerteza, negação e até confusão.

Dadas as dimensões do tema, já suficientemente grandes, Burke optou por uma definição relativamente restrita de ignorância como ausência. Contudo, essa escolha não significa uma recusa em olhar para além da definição.

Tenta reconstruir uma rede de ideias relacionadas, centrada na ignorância e incluindo obstáculos, esquecimento, sigilo, negação, incerteza, preconceito, incompreensão e credulidade. Mostrar conexões entre esta teia de conceitos e os fenômenos referidos é o objetivo principal deste estudo de Peter Burke.

Os obstáculos ao conhecimento podem ser físicos, incluindo a inacessibilidade do objeto de conhecimento como no caso dos europeus em África. Também podem ser mentais, no sentido de ideias antigas não questionadas impedirem a aceitação de novas. Os casos de resistência às ideias de Galileu e Darwin (entre outros) são discutidos por Burke.

Modelos ou paradigmas intelectuais lançam luz, mas como simplificam, também têm um lado obscuro, atrapalhando tudo aquilo não enquadrado no modelo. Os obstáculos também podem ser sociais, como a antiga exclusão das mulheres e da classe trabalhadora do Ensino Superior, ou políticos, como no caso dos encobrimentos por parte dos governos.

O conceito de esquecimento, a passagem do conhecimento de volta à ignorância, inclui o seu sentido metafórico. Os termos “amnésia” social, estrutural ou corporativa referem-se à reconstituição consciente ou inconsciente do passado à imagem do presente, bem como à perda de informação para uma organização.

Os estudiosos também precisam estar cientes de uma tendência para a “amnésia de citação”, uma falha em se referir a antecessores em seu campo. Mesmo os estudiosos mais conscienciosos, reconhecendo serem “dívidas menores” a autores não notáveis, às vezes se esquecem de citar o antecessor a quem mais devem.

O sigilo também é obviamente relevante para o tema da ignorância, porque um segredo envolve não apenas um pequeno grupo “por dentro do conhecimento”, mas também um grupo maior mantido na ignorância, “fora do circuito”. Atividades clandestinas, como contrabando, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, abrigam-se sob esse guarda-chuva – e são também discutidas por Burke.

A negação faz parte de um arsenal de métodos para manter o público na ignorância de fatos ou acontecimentos embaraçosos. A sua história, especialmente a sua história recente, é visa, por exemplo, na negação do Holocausto e de outras tentativas de genocídio, negação da ligação entre o tabagismo e o cancro do pulmão, negação das alterações climáticas etc.

O que torna a negação eficaz, tal como outras formas de propaganda, é a credulidade. Pode ser definida como a ignorância da importância e das técnicas da crítica, especialmente a crítica às “notícias falsas”, transmitidas em uma variedade de meios de comunicação – boatos, jornais, televisão e, mais recentemente, Facebook e Twitter (X).

A credulidade floresce em situações de incerteza. A incerteza é o destino de todos os tomadores de decisões, porque todos ignoramos o futuro resultante de interações entre muitas decisões descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras.

No entanto, podem ser tomadas medidas para prepará-lo, graças à análise de risco e outras formas de previsão. São também discutidas por Burke.

Quanto ao preconceito, pode ser definido como um julgamento feito por ignorância, caso clássico de não saber que não se sabe. Exemplos serão recorrentes ao longo deste livro Ignorance: A Global History.

A incompreensão depende da ignorância e, tal como a ignorância, desempenhou um papel importante e insuficientemente reconhecido na história humana. Os mal-entendidos tornam-se particularmente visíveis quando membros de uma cultura encontram membros de outra pela primeira vez.

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Como Burke sugeriu, a ignorância é um conceito mais complexo diante daquilo parecido à primeira vista. Não é de admirar, então, filósofos em diferentes partes do mundo tenham tido muito a dizer sobre isso. As opiniões de alguns deles são assunto de Burke.

Filosofia é uma área do conhecimento dedicada à construção de saberes lógicos e racionais. Produz um conhecimento sistemático a partir da argumentação e da criação de conceitos.

A Filosofia se dedica a estudar qualquer assunto caso se possa produzir um conhecimento válido a partir de sua argumentação. Consiste no estudo de problemas fundamentais relacionados ao conhecimento, à lógica, à existência, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem.

Filósofo é um indivíduo em busca do conhecimento, movido pela curiosidade, pelo questionamento do mundo e dos fundamentos da realidade. Desenvolve a Filosofia como disciplina e a torna intrínseca à condição humana. Não é apenas um conhecimento, mas uma atitude do ser humano em relação ao universo e seu próprio ser.

Os filósofos foram os primeiros a discutir a ignorância, começando há mais de 2.500 anos. Confúcio, por exemplo, teria definido: “o conhecimento é saber tanto o que se sabe como o que não se sabe.”

Sócrates afirmava ser mais sábio diante de um homem a “pensar que sabe alguma coisa, quando não sabe”. O próprio Sócrates advertiu: “não pensa que sei o que não sei”.

A Epistemologia é um ramo da Filosofia preocupado com a forma como adquirimos conhecimento e sabemos ele ser confiável. O seu oposto, a Epistemologia da Ignorância, preocupa-se com como e por que permanecemos ignorantes.

A Escola dos Céticos questionou a confiabilidade de diferentes tipos de conhecimento e transformou a desconfiança nas aparências em um método. Os céticos salientaram: “as mesmas impressões não são produzidas” em pessoas diferentes “pelos mesmos objetos”. O mesmo objeto parece diferente para cada pessoa em diferentes circunstâncias ou pontos de vista.

Os céticos acreditavam em “investigação”: examinar o caso a favor e contra uma determinada crença e suspender o julgamento até quando o conhecimento tenha sido alcançado. Havia dois tipos de cético: o cético “dogmático” com a certeza de nada poder ser conhecido e o cético “reflexivo” sequer com certeza disso…

Na crise intelectual da Reforma, tanto os católicos como os protestantes tiveram mais sucesso nos seus argumentos negativos em vez dos positivos. Os protestantes minaram a autoridade da tradição, enquanto os católicos minaram a autoridade da Bíblia.

O que sobrou? O Ateísmo representa a negação categórica da existência de divindades e entidades sobrenaturais, ou seja, da presença de deuses no Universo.

Ele se desenvolveu a partir do crescimento de ideias baseadas no ceticismo científico e da difusão do pensamento livre. As constantes e crescentes críticas à religião também representaram um reforço para os argumentos ateístas ganharem força e destaque.

No entanto, somente a partir do século XVIII, com o Iluminismo, começaram a surgir os primeiros indivíduos capazes de se autodeclarar ateus. Atualmente, a Suécia é o país com maior concentração de ateus no mundo, aproximadamente 85% da população local.

O país ocupa o quarto lugar do mundo no Índice de Democracia, depois da Islândia, da Dinamarca e da Noruega, segundo The Economist. O país ainda é considerado um dos mais socialmente justos da atualidade, apresentando um dos mais baixos níveis de desigualdade de renda do mundo. Desde quando a ONU começou a calcular o IDHAD (Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade) de seus membros, a Suécia encontra-se entre os mais bem colocados países do mundo nesse indicador.

Na foto, reprodução da capa do livro de Peter Burke, ‘Ignorance: A Global History’

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