Lula: “Estamos reconstruindo a integração sul-americana. Faltava a volta do Brasil à África”
Em seu primeiro discurso na 15ª Cúpula do BRICS, presidente fala da retomada da política externa brasileira e manda recado a países ricos: “Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias sob o pretexto de proteger o meio ambiente”.
CÚPULA DO BRICS TEM INÍCIO
Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, apontou que a provável expansão do BRICS revela que o Ocidente não pode mais ditar as regras da geopolítica mundial. De acordo com a agência russa Sputnik News, o presidente Lula iniciou sua participação na 15ª Cúpula do BRICS em uma reunião com autoridades do partido sul-africano Congresso Nacional Africano (ANC).
A reunião foi conduzida por Gwede Mantashe, secretário nacional do ANC, partido do atual presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que também preside as atividades do BRICS durante o ano de 2023. Além de Celso Amorim, a comissão brasileira conta com os ministros Mauro Vieira, das Relações Exteriores, e Fernando Haddad, da Fazenda, além do embaixador brasileiro na África do Sul, Benedicto Fonseca.
Em conversa com a imprensa, Amorim falou sobre a possível adesão de novos países ao BRICS, cujos detalhes serão incluídos na declaração final do grupo, a ser divulgada em breve. “O BRICS faz parte de uma nova organização de diálogo que não pode ser ignorada. […] Eu acho que todo interesse que existe para a expansão dos BRICS demonstra que o grupo é uma nova força no mundo, que não pode mais ser visto como ditado pelo G7”, disse.
O assessor de Lula ainda destacou que autoridades ocidentais, incluindo o ex-presidente dos EUA Barack Obama, reconheceram que o G20 substituiu o G7 como uma organização mais representativa, sinalizando uma mudança na geopolítica global: “Temos uma tendência de retração, considerando a expansão de rivalidade EUA-China e a própria guerra da Ucrânia, mas essa reunião dos BRICS com esse grande interesse pela expansão entre os países em desenvolvimento demonstra que o mundo é mais complexo do que isso”.
O New York Times também deu destaque para a expansão do grupo, e trouxe reportagem com o título ‘Reunião do BRICS atrai interesse global não visto há anos‘, salientando que dezenas de países expressaram interesse em ingressar no bloco – que representa 40% da população mundial e um terço de sua economia –, entre eles Argentina, Nigéria, Irã, Bielorrússia, Arábia Saudita e Indonésia.
O periódico estadunidense informa ainda que o grupo enfrenta desafios diplomáticos que refletem interesses geopolíticos diversos durante a cúpula: a China busca expansão para reforçar sua influência, enquanto a Rússia, isolada, procura aliados devido à guerra na Ucrânia. Índia e Brasil adotam posturas cautelosas, por conta de suas alianças sólidas com nações industrializadas. A África do Sul, menor economia do grupo, pressiona pelo aumento de membros do continente e convidou mais de 30 líderes africanos para a reunião.
No Wall Street Journal, a repórter Alexandra Wexler afirma que a ampliação do bloco pode efetivamente impulsionar a sua influência global. Segundo dados do FMI, o BRICS já superou a participação das nações do G7 na economia global, e projeções do Goldman Sachs indicam uma mudança no equilíbrio econômico global em direção ao bloco e a outras economias emergentes. Espera-se que a China ultrapasse os EUA como a maior economia do mundo até 2050, com a Índia subindo para a terceira posição.
Para a publicação estadunidense, uma das vantagens de se ingressar no BRICS é o acesso ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do grupo, que desde sua criação, em 2014, já aprovou mais de 30 bilhões de dólares em empréstimos para projetos de desenvolvimento e infraestrutura. As condições de financiamento do banco parecem mais favoráveis e atrativas do que as de instituições tradicionais, como o Banco Mundial ou o FMI. O Novo Banco de Desenvolvimento também busca promover o uso de moedas locais, em substituição ao dólar americano, para o comércio e financiamento entre os países do BRICS.
Em entrevista ao britânico Financial Times, a presidente do NDB Dilma Rousseff disse que a instituição pretende disponibilizar empréstimos nas moedas sul-africana e brasileira, como estratégia para diminuir a dependência do dólar e fomentar um sistema financeiro global com diversos participantes.
A ex-presidente brasileira também mencionou que o NDB está avaliando solicitações de adesão de cerca de 15 nações, e que quatro ou cinco novos membros serão aprovados e admitidos. Embora não tenha revelado a identidade desses países, ela enfatizou que a prioridade do NDB é diversificar a sua representação geográfica. “Esperamos emprestar entre oito e 10 bilhões de dólares este ano […] Nosso objetivo é alcançar cerca de 30% de tudo o que emprestamos… em moeda local”, disse.
Em seu primeiro discurso para a cúpula, o presidente brasileiro defendeu a adoção de uma moeda de referência para o bloco, sem substituir as moedas dos países membros, e apoiou a integração financeira dos BRICS, enfatizando a importância do Novo Banco de Desenvolvimento. Lula destacou o papel dos BRICS na busca por comércio global justo e criticou o colonialismo nas instituições internacionais, em uma clara alusão à União Europeia. “Não podemos aceitar um neocolonialismo verde que impõe barreiras comerciais e medidas discriminatórias, sob o pretexto de proteger o meio ambiente”, apontou o presidente, de acordo com o equatoriano El Mercurio.
Destacando o lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Lula prometeu – como aponta a agência cubana Prensa Latina – que, depois de seis anos de declínio e estagnação, o Brasil voltará a gerar empregos de qualidade, combater a pobreza e aumentar a renda familiar. “Esperamos mobilizar 340 bilhões de dólares para a modernização de nossa infraestrutura logística, com investimentos em rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos”, destacou.
O presidente ainda disse que voltou à presidência para retomar as diretrizes da política externa brasileira: “Começamos a reconstruir a integração sul-americana. Retomamos nossas parcerias com os Estados Unidos, a China e a União Europeia. Sediamos a reunião de Cúpula dos Países Amazônicos. Ainda nos faltava o retorno do Brasil à África”.
HACKER É CONDENADO
O mexicano La Jornada traz reportagem sobre a condenação de Walter Delgatti, conhecido como o Hacker da Vaza Jato, a 20 anos de prisão, acusado de organização criminosa, lavagem de dinheiro e interceptação de comunicações.
A sentença, proferida pelo juiz Ricardo Leite, afeta ainda seis acusados condenados por invasão de celulares de membros da operação Lava Jato, e pode ser contestada. Em sua sentença, o magistrado afirma que Delgatti pretendia vender para a imprensa as conversas hackeadas, e que ele também teria tido acesso e vendido dados bancários de várias pessoas.
Walter Delgatti se encontra em prisão preventiva por conta de outra acusação – a de invadir o site do Conselho Nacional de Justiça, a pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli. O jornal português Expresso ressalta ainda que, em depoimento à CPMI dos Atos Golpistas na última semana, Delgatti afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro procurou os seus serviços para tentar piratear as urnas eletrônicas, e disse que Bolsonaro lhe pediu para invadir o sistema do Tribunal Superior Eleitoral. Em troca, o ex-presidente lhe prometeu um indulto presidencial em caso de problemas com a justiça.
NO COMBATE À APOROFOBIA
O La Jornada também noticia a decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua para abrigos urbanos e centros de acolhimento em todo o país. A determinação, que obteve maioria de votos, ratifica a resolução adotada no mês passado pelo ministro Alexandre de Moraes. A medida também estabelece a proibição de reter bens e pertences dessas pessoas de forma coercitiva, além de evitar o uso de táticas hostis para dificultar sua permanência nas ruas, como a colocação de grades em bancos de praças e a instalação de objetos pontiagudos e espinhos em locais públicos como viadutos e marquises de edifícios.
APRENDER COM O BRASIL
No La Nación, artigo do economista Fabio Giambiagi lista dez lições do Brasil para o atual momento na Argentina. O texto discute lições que podem ser extraídas da experiência política brasileira entre 2019 e 2022, sob a presidência de Jair Bolsonaro, e como essas lições podem ser relevantes para a Argentina. Ele destaca que vencer eleições não garante um bom governo, e aponta erros do governo Bolsonaro, como sua equipe de ministros e má gestão da pandemia. O autor enfatiza a importância do diálogo político e da cooperação entre Executivo e Legislativo, e argumenta que a política e a governança competente são cruciais para o progresso. Além disso, aborda a importância de evitar ideologias extremas, separar o setor privado da gestão pública e focar em políticas eficazes, e destaca a necessidade de um país buscar a paz, evitando conflitos constantes. O autor também ressalta a importância de votar com base na razão e não na emoção, e conclui que o Brasil aprendeu a duras penas a importância de não se apegar a ilusões na política.
*Imagem em destaque: (Ricardo Stuckert/PR)