Alguma coisa fora da ordem
Por Fernanda Figueiredo
O país tem sofrido muitas tragédias ambientais nos últimos dez anos. Algumas imagens ainda estão bem recentes na nossa memória como o desastre ambiental de Mariana-MG. Em 2015, o rompimento da barragem no distrito de Bento Rodrigues atingiu o rio Gualaxo chegando ao Rio Doce, deixando um lastro de metais pesados. O desastre de Mariana causou 19 mortes e impactou a vida de outras tantas. Vários Municípios foram afetados. Em 2017, visitei a cidade de Mariana e constatei como era sofrido falar desse assunto com os moradores.
Como ambientalista, quis verificar “in loco,” essa situação do Rio Doce. E viajei de trem de Belo Horizonte até Colatina, no Espírito Santo, para me certificar da morte do rio. Por certo, um rio é de uma riqueza imensurável, que o diga nosso acadêmico Airton Krenak, que mora às margens do Rio Doce. O povo Krenak referencia o Rio Doce como WATU, que significa “Rio Grande.” Registrei com fotos e vídeos a agonia do rio, a água estava bastante barrenta. Hoje, reconforta saber que o fotógrafo Sebastião Salgado projeta pelo Instituto Terra um plantio de 2 milhões de árvores. Isso vai tirar o amargor em que deixaram o Rio Doce, um alento no meio da ganância das Mineradoras.
Tem um provérbio indígena que circula muito nas redes sociais, que diz “Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro. “
Há, porém, um processo em curso de indenização das vítimas do desastre ambiental de Mariana, com pagamento de algumas indenizações que deve perdurar até 2027. Além disso, continua o processo de mitigação dos impactos ambientais, que é coordenado pela Fundação Renova criada para esse fim.
Em 2019, acontece o inesperado, mais um desastre ambiental abala o país. Uma barragem de minério se rompeu em Brumadinho – região metropolitana de Belo Horizonte – matando quase 300 pessoas, deixando muitos desabrigados. O Rio Paraopeba continua impróprio, com concentração de metais pesados.
Conheci Brumadinho, em 2017, fiquei encantada com o verde do lugar e visitei o Instituto Inhotim, um dos maiores museus a céu aberto do mundo. Jamais poderia imaginar que anos depois, ficaria na memória o rompimento da barragem, imagem vista exaustivamente na TV e nas mídias em geral, e o mais dramático, ceifando vidas, destruindo comunidades, fauna e flora do lugar. Que alguma lição tenha sido tirada dessas tragédias, como uma legislação mais rigorosa para a atividade mineradora.
Por certo, Brumadinho e Mariana foram tragédias causadas pela falta de fiscalização dos órgãos competentes e da irresponsabilidade total das Mineradoras que atuam com multinacionais produzindo laudos falsos. Muitas barragens ainda estão em situação de risco.
Em 2022, Petrópolis-RJ, viveu uma grande tragédia, cidade de relevo bastante acidentado, causou morte de 241 pessoas. Em 1988, estive na cidade com outros ambientalistas, inclusive Chico Mendes, para fazer um plantio de mudas na encosta, em razão de outra tragédia nesse mesmo ano. Se os governos tivessem feito um trabalho de contenção de encostas, sistema de drenagem, recolhimento do lixo, retirado pessoas da área de risco, Petrópolis estaria fora do noticiário trágico e recorrente.
Dessa forma, surge uma nova categoria com os extremos climáticos, os “refugiados ambientais”, pessoas ou grupos que de uma hora para outra têm que deixar seus lugares de origem em razão das tragédias ambientais.
O Presidente Lula já criticou no G20 o derramamento de dinheiro nas guerras, para compra de armamentos E cobra constantemente dos países ricos o repasse de 100 bilhões, firmado na COP de Copenhague, para financiamento climático. Os países ricos gastam trilhões nas guerras, mas são incapazes de salvar o planeta e acabar com a fome. “Os gastos militares são de US$ 2,24 trilhões, segundo o Relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo.
O planeta vive em emergência climática, com mudanças bruscas e contínuas. Sempre me pergunto porque ainda não existe uma Organização Mundial de apoio e prevenção, nessas catástrofes ambientais. A Ong “Médico sem Fronteiras” já apoia no cuidado e tratamento das pessoas, mas falta uma Organização de logística que tenha um plano de evacuação, sobretudo, prevenção.
Esses extremos climáticos estão acontecendo com mais frequência nos Estados do Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo e o Rio Grande do Sul e outras localidades. O brasileiro sempre se vangloriou do fato de não haver em nosso país grandes terremotos, vulcão, tsunami, furacão, mas agora experimenta as consequências do aquecimento global.
Há pouco tempo, em Dubai, ruas ficaram inundadas, difícil imaginar tanta chuva no deserto e a Europa sofreu com altas temperaturas. Na China, teve região marcando 52 graus celsius. O oposto também ocorre, como nos EUA e o Canadá. Os rios da Amazônia secaram de forma sincronizada por um período.
E mais uma tragédia abate o Brasil, diferente das tragédias de Brumadinho e Mariana. No Rio Grande do Sul, a tragédia é causada por extremos climáticos, mas não somente. Em 2023, foram 23 mortes no RS. Em 2024, vimos o inusitado. Literalmente castigado, algo devastador e nunca visto, com água invadindo casas, arrastando mobílias, e o pior, matando mais de 130 pessoas, número que infelizmente, pode aumentar, já são quase 150 desaparecidos. E vai levar muito tempo para o Rio Grande do Sul se reerguer.
Com certeza, a água é vida, mas pode representar o caos se a natureza não for respeitada. O Rio Grande do Sul é mais propenso aos extremos climáticos, o seu relevo é mais plano, conhecido como Planície dos Pampas, ainda bem que tem Mata Atlântica e três grandes bacias hidrográficas (Uruguai, Guaiba, Litorânea), O El Niño contribuiu, mas sobrou negligência, falta de um plano de prevenção, descumprimento da legislação ambiental, a famosa boiada passou com vontade, resquícios do governo passado.
Dito isto, são vários fatores que precisam ser analisados para mitigar os efeitos dos extremos climáticos. Por fim, os analistas avaliam que este é o novo normal do planeta, o que pode levar muitos lugares ao desaparecimento.
*Fernanda Figueiredo, ambientalista, escritora, blogueira, tem artigos publicados em jornais e diversos blogs. Tem livros e poesias publicadas. Trabalhou no Ministério do Meio Ambiente.