Desigualdade climática: Por que o Brasil ignora o sofrimento do Norte?
Por Adilson Vieira*
As mudanças climáticas têm afetado diferentes regiões do Brasil de maneiras distintas, mas a resposta governamental, social e da mídia reflete uma profunda desigualdade no tratamento dessas tragédias. Um exemplo claro é a discrepância entre a justa mobilização em torno das enchentes no Sul do país, como a que ocorreu recentemente em Porto Alegre, e a seca devastadora que assola a Amazônia e outras regiões do Norte. Essa disparidade levanta questões sobre como o Brasil como nação responde às crises e sobre a visibilidade das diferentes catástrofes nas esferas políticas e midiáticas.
Resposta governamental: Uma questão de prioridades
Um dos indicadores mais claros dessa desigualdade está na liberação de verbas federais para auxiliar as regiões atingidas. Quando Porto Alegre enfrentou uma enchente de grandes proporções, o governo federal prontamente destinou recursos para auxiliar no resgate e reconstrução da cidade. Foram milhões de reais liberados em questão de dias, e o Estado recebeu apoio logístico e humanitário de diversas frentes.
Por outro lado, as comunidades da Amazônia, que sofrem com a seca extrema, têm enfrentado uma situação muito mais difícil em termos de recursos liberados. O governo tem sido muito mais lento e menos generoso no envio de ajuda para a região, que enfrenta não apenas a seca, mas também a fome e o isolamento. Enquanto no Sul o governo agiu rapidamente, no Norte a demora e a burocracia têm deixado as comunidades à mercê de sua própria sorte. A discrepância nos valores liberados é gritante e reflete uma clara priorização do governo com base na localização geográfica e no impacto político.
A cobertura midiática: descompasso entre visibilidade e realidade
A cobertura da mídia também mostra uma diferença marcante no tratamento das tragédias. Durante as enchentes no Sul, houve uma cobertura extensiva, com reportagens ao vivo, correspondentes no local e atualizações constantes em jornais e telejornais de alcance nacional. O Brasil inteiro acompanhou os desdobramentos da tragédia, e a sensibilização foi imediata.
Em contraste, a seca na Amazônia tem recebido pouca atenção da mídia tradicional. As imagens de pessoas passando sede, de rios secos e de comunidades isoladas, quase não são mostradas nas telas. As poucas reportagens que surgem são breves, superficiais e não causam o mesmo impacto na audiência. Esse descompasso na cobertura midiática contribui para uma percepção distorcida da gravidade da situação no Norte do país, tornando a tragédia amazônica invisível para grande parte da população.
Mobilização social: A solidariedade seletiva
A sociedade brasileira também reage de forma diferente às tragédias climáticas, conforme o local onde ocorrem. Quando Porto Alegre foi atingida pelas enchentes, campanhas de doação e solidariedade surgiram rapidamente em várias partes do país. Movimentos sociais, empresas e indivíduos se uniram em uma rede de apoio para enviar mantimentos, roupas e recursos financeiros à região Sul.
Entretanto, a seca na Amazônia, que tem causado fome e sede em diversas comunidades, não gerou a mesma mobilização. Há uma clara falta de empatia e engajamento por parte da sociedade em relação ao sofrimento das populações amazônicas. A distância geográfica, combinada com a baixa visibilidade midiática, parece afastar a solidariedade do restante do país, deixando as comunidades do Norte à margem da comoção nacional.
Conclusão: A Amazônia e o Norte do Brasil nas fantasias e na realidade
A Amazônia é frequentemente vista como o “pulmão do mundo” e uma prioridade nacional quando o assunto é preservação ambiental. No imaginário coletivo, há uma preocupação constante com a floresta e suas riquezas naturais. No entanto, essa preocupação parece existir apenas em termos de discurso e fantasia. Na prática, quando as populações amazônicas sofrem com tragédias climáticas como a seca, o apoio real, tanto do governo quanto da sociedade, é insuficiente.
Esse contraste evidencia uma questão muito mais profunda: o tratamento de segunda classe dado aos cidadãos brasileiros do Norte. As comunidades amazônicas, assim como outras regiões do Norte do Brasil, parecem estar fora do radar das prioridades nacionais. A resposta mais lenta, a menor alocação de recursos e a falta de visibilidade na mídia reforçam a sensação de que essas populações são negligenciadas em momentos de extrema necessidade. É hora de o país refletir seriamente sobre como essa desigualdade histórica afeta milhões de brasileiros, que, por estarem distantes dos grandes centros de poder e de mídia, continuam a enfrentar tragédias climáticas sem a devida atenção, apoio e solidariedade. Enquanto essa disparidade persistir, estaremos perpetuando um ciclo de exclusão e indiferença, relegando milhões de brasileiros a um status de cidadãos de segunda classe. É preciso repensar nossas prioridades e ações, para que as tragédias que afetam o Norte do Brasil não continuem sendo invisíveis diante dos olhos da nação.
*Adilson Vieira, sociólogo, é membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico, da Associação Alternativa Terrazul, da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente.
Na imagem, estiagem faz rios secarem no Norte do Brasil / Reprodução