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Dilúvio no paraíso urge cuidados climáticos no Brasil

Dilúvio no paraíso urge cuidados climáticos no Brasil

Mar, praias e enseadas de um lado e colinas florestadas do outro compõem o paraíso costeiro que liga os estados de São Paulo e Rio de Janeiro no sudeste do Brasil. Mas uma precipitação de 600 milímetros em menos de 24 horas transformou-a numa armadilha letal.

RIO DE JANEIRO – Mar, praias e enseadas de um lado e colinas florestadas do outro compõem o paraíso costeiro que liga os estados de São Paulo e Rio de Janeiro no sudeste do Brasil. Mas uma precipitação de 600 milímetros em menos de 24 horas transformou-a numa armadilha letal.

“A montanha se partiu e caiu sobre nós”, um morador de Villa Sahy, a comunidade de cerca de 3.000 pessoas onde vivia a maioria dos 49 mortos confirmados no chamado Litoral Norte de São Paulo, descrita aos repórteres na manhã de quinta-feira.

Torrentes de lama, árvores arrastadas, dezenas de casas enterradas ou destruídas, e provavelmente parte dos seus habitantes. As ruas tornaram-se rios de lama.

O número de desaparecidos é de 36, de acordo com dados provisórios da Defesa Civil, mas provavelmente há muitos mais, porque há vítimas que vieram de outros lugares e não têm parentes locais para relatar a sua ausência. O número de vítimas que perderam ou tiveram de abandonar as suas casas é de 2500.

Também conhecida como Barra do Sahy, o nome do rio que deságua na sua praia, a vila faz parte do município de São Sebastião, composto pelo centro e uma dúzia de cidades de praia, com 91.000 habitantes permanentes. Durante o carnaval, que, como todos os anos no Brasil, se realizou entre sexta-feira 17 e quarta-feira 22, o município esperava meio milhão de visitantes.

Foto: As árvores não suportaram as encostas das montanhas e misturaram-se com a lama que destruiu casas e inundou as ruas da parte alta de Villa Sahy, onde vive a população pobre, que trabalha nas casas de praia das famílias ricas que ali gozam os seus fins de semana e feriados, tais como o carnaval. Foto: Sérgio Barzagui / SP Governo do Estado – FotosPúblicas

Registros de pluviosidade

Lá, 626 milímetros de chuva caíram nas 24 horas antes das 9:00 da manhã do domingo, 19. Mas o recorde foi estabelecido na cidade vizinha, Bertioga, com 680 milímetros, conforme medido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Este volume de chuva, nunca antes registrado no Brasil, fez descer parte das colinas, incluindo árvores, sobre dezenas de casas e cerca de 14 pontos da estrada que atravessa a zona costeira do Rio de Janeiro a Santos, durante 554 quilômetros entre o mar e os lados da chamada Serra do Mar.

Santos, uma cidade de 434.000 habitantes a 80 quilômetros de São Paulo, é o principal porto do Brasil.

A beleza natural da Costa Verde, tão atraente como vulnerável às frequentes chuvas torrenciais, atraiu as famílias ricas do Brasil que construíram os seus condomínios e mansões nas praias. Os seus prestadores de serviços domésticos e outros instalaram-se no ambiente vulnerável ao pé das montanhas.

Isto multiplicou o risco de deslizamentos de terras nesta linha costeira privilegiada. Cemaden alertou as autoridades locais, com dois dias de antecedência, sobre a chegada de chuvas torrenciais com prováveis desabamentos de terras no litoral norte de São Paulo. Mas o alerta não desencadeou a adoção das medidas preventivas necessárias.

Esta é uma região vulnerável a chuvas intensas, porque a evaporação do oceano é bloqueada pelas montanhas e precipita-se ali mesmo na zona costeira. É por esta razão que o monitoramento é constante.

A estrada que atravessa a Costa Verde, entre o mar e as montanhas, tinha pelo menos 14 trechos soterrados por deslizamentos de terra. Num dos trechos, a terra enterrou vários quilômetros de asfalto. Uma estrada de acesso à costa a partir da cidade de São Paulo permanecerá intransitável durante pelo menos seis meses para a reconstrução dos trechos destruídos pela chuva. Foto: Defesa Civil de Ubatuba-FotosPúblicas

Sistemas de alarme para áreas de risco

O Cemaden e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o órgão oficial de recenseamento e estudos demográficos, identificaram 27 660 áreas em risco de deslizamentos de terras e inundações numa avaliação dos dados de todo o país em 2018. Estas áreas eram o lar de 8,27 milhões de pessoas em 2,47 milhões de habitações.

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Hoje o centro monitora 1038 dos 2570 municípios brasileiros com maior risco de desastres hídricos e estima que o número de brasileiros ameaçados por inundações aumentou para mais de dez milhões, dois milhões dos quais em “alto risco”.

É uma tarefa hercúlea num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o quinto maior do mundo, e com 215 milhões de habitantes.

As desigualdades prevalecem neste vasto território, entre a pobreza das regiões do norte da Amazônia e do semi-árido nordeste na sua maioria, e a riqueza concentrada nas regiões do sudeste, onde se encontram São Paulo e Rio de Janeiro, e no sul.

Cemaden, criada em 2011 após os deslizamentos de terras que causaram 918 mortos em Teresópolis, cidade serrana de 185.000 habitantes a 100 quilômetros do Rio de Janeiro, recomenda um sistema de sirenes e outros avisos à população ameaçada para deixar as suas casas face às iminentes chuvas torrenciais.

Algumas grandes cidades brasileiras, tais como Teresópolis e Petrópolis, outra cidade montanhosa perto do Rio de Janeiro onde fortes chuvas mataram 233 pessoas em fevereiro de 2022, instalaram sistemas de alarme. Mas estas são exceções; o Litoral Norte de São Paulo não tem este recurso potencialmente salva-vidas.

Carlos Nobre, o climatologista mais conhecido do Brasil e fundador da Cemaden, lançou uma campanha nos seus meios de comunicação pessoal para promover esta medida preventiva, uma vez que leva muito tempo para encontrar a solução definitiva, reassentando a população ameaçada em habitações seguras.

Eventos extremos como o dilúvio em São Sebastião se tornarão mais frequentes a cada dia devido às alterações climáticas, mas são 90% previsíveis pelos serviços meteorológicos e Cemaden, ou seja, a sua letalidade é na sua maioria evitável, argumentou ele.

Quatro dias após os deslizamentos de terra que destruíram dezenas de casas e enterraram várias pessoas, funcionários da Defesa Civil estão utilizando cães treinados para procurar sobreviventes sob os escombros da Villa Sahy, a cidade mais afetada pelas chuvas que chegaram a mais de 600 milímetros por metro quadrado em 24 horas, um volume sem precedentes no Brasil. Foto: Sérgio Barzaghi / Governo do Estado de SP-PotosPúblicas

Alterações climáticas, mais desastres

Não é difícil compreender a causa das chuvas mais fortes. O aquecimento global leva a um aumento da evaporação, especialmente nos oceanos, e uma maior umidade no ar resulta em mais precipitação.

Com a temperatura global subindo 1,5 graus Celsius neste século, se o acordo global de Paris de 2015 não for cumprido, mais eventos extremos deste tipo serão inevitáveis e com maior intensidade, advertiu Nobre.

Isto exige mecanismos para mitigar os seus danos, até porque a ausência de uma ação eficaz para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa aponta para o não cumprimento do objetivo.

Nos últimos anos, o Brasil tem sofrido uma sucessão de catástrofes devido a chuvas excessivas. Em dezembro de 2021, a cheia dos rios inundou 165 cidades do sul do estado da Bahia no nordeste do Brasil, deslocando temporariamente 850 000 pessoas e deixando pelo menos 26 pessoas mortas.

A chuva alastrou-se ao estado vizinho de Minas Gerais, no centro do país, onde durou até meados de fevereiro seguinte. Colocou 422 municípios em estado de emergência e causou o mesmo número de mortes, 26, mas deslocou menos pessoas, cerca de 65 000.

Depois, em maio e junho de 2022, foi a vez do Recife, capital do estado de Pernambuco, com 1,6 milhões de habitantes, também no nordeste do país. Cheias e deslizamentos de terras na capital e cidades próximas causaram 132 mortes.

Entretanto, o extremo sul do Brasil sofre de seca há três anos em mais de metade dos seus 497 municípios, com graves perdas agrícolas.

Parte deste desequilíbrio é atribuído ao fenômeno La Niña, que começou em finais de 2021 e baixa a temperatura das águas do Pacífico equatorial. A consequência é precisamente o aumento da precipitação nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, com uma redução no Sul.

Contudo, os desastres climáticos relacionados às chuvas tornaram-se comuns num Brasil que celebra a ausência de terremotos, furacões e vulcões. A luta agora é reduzir as mortes e pôr em prática políticas públicas para reparar as perdas materiais e o sofrimento, que afetam principalmente os estratos mais pobres da população.

ED: EG

Publicado originalmente em IPS

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