A busca da paz e o semear das guerras
Berço de civilizações e palco de tantas guerras, a Europa pretendeu atingir, com a criação da União Europeia, um novo patamar de paz e bem-estar social baseado na solidariedade e ajuda mútua entre os Estados. Mas é hoje um projeto ameaçado pelos mesmos sentimentos nacionais e também de forte competição, causas dos desencontros que no passado desembocaram nas históricas e sangrentas guerras entre nações.
Sem mencionar todos os conflitos anteriores, desde o Século 18, quando se deu a chegada do Iluminismo e, portanto, o chamado império da razão, sem contar a guerra da Ucrânia que hoje se desenrola sem que se aviste o seu final, pelo menos vinte grandes guerras assolaram o território europeu. A maior delas foi a de 1914 a 1918, que veio a se desdobrar na outra que durou de 1939 a 1945. Juntas, foram responsáveis por 105 milhões de mortos. Alguns historiadores estão convencidos de que se tratou de um único conflito com uma trégua de 21 anos. As guerras mundiais, que destroçaram as nações, acabaram com o sistema colonial, desorganizaram as sociedades, liquidaram as economias e deram outra configuração ao mapa do continente.
A busca da paz
Ao fim da Segunda Guerra foi dado um primeiro passo para a criação do que alguns líderes visionários viam como uma comunidade de países capaz de promover mútuo desenvolvimento econômico e solidariedade num continente tão castigado por embates sangrentos. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço foi o passo inicial, em 1950, e o Mercado Comum, em 1957, significou o avanço que veio a dar numa moeda única, quando o euro passou a regular as economias.
A ideia original era de que a cooperação econômica e as relações comerciais fariam os países dependentes entre si e diminuiriam assim os riscos de novos conflitos.
Com a morte de Franco, em 1975, encerrou-se a última ditadura de direita na Europa, as regiões mais pobres começaram a receber incentivos para a geração de empregos e bem-estar social e o Parlamento Europeu passou a ser um ator importante na uniformidade das leis e cooperação entre os países.
A União Europeia, formada hoje, depois do Brexit, por 27 países que representam grande parte do continente, recebeu em 2012 o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao papel que tem desempenhado na busca da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.
As divergências
São principalmente os movimentos de direita e extrema-direita nazifascista que hoje contestam a validade da União Europeia e os seus princípios de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Aproveitam-se das inquietações da opinião pública para reeditarem os discursos de forte nacionalismo, protecionismo econômico e controle das fronteiras.
Os partidos de extrema direita têm sido quase sempre derrotados nas eleições, mas é inquietante o seu crescimento. Na França, Marine Le Pen faz parte do movimento anti-União Europeia e ficou em segundo lugar na disputa pela presidência da República. Na Alemanha, o AfD (Alternative für Deutschland), de extrema direita, tornou-se a terceira força política no parlamento e nos Países Baixos o Partido pela Liberdade (PVV), também de extrema direita de tons fascistas, ficou em segundo lugar nas eleições. Polônia e Hungria têm governos de extrema direita e na Grécia o Aurora Dourada, embora não tenha conseguido os 3 por cento dos votos para ter representação no parlamento, é um partido declaradamente neonazista. E na Itália o neofascismo está no poder com Giorgia Meloni.
O Chega! em Portugal, extremista de direita, ocupa hoje o terceiro lugar como força política, quatro anos depois da sua fundação em Lisboa.
As causas
O aumento do desemprego, a queda no padrão de vida e o aumento da imigração provocada pela crise humanitária nos países do Médio Oriente e da África: são estas as principais causas apontadas para o fortalecimento das ideologias de extrema direita na Europa. Um radical nacionalismo ligado à ideia de pátria fomenta a xenofobia e o racismo face a outros povos além de fortalecer as noções de defesa das fronteiras e dos territórios. São estes os fatores explorados pelos políticos oportunistas ligados às ideologias de extrema direita.
As redes sociais têm dado forte contribuição ao fortalecimento dos partidos de direita posicionados contra a União Europeia – os eurocéticos. Através delas são disseminadas informações falsas e mesmo verdadeiras que são bloqueadas pela mídia tradicional. Conteúdos violentos e discriminatórios são normalmente evitados pelos veículos estabelecidos, mas circulam com facilidade pelas redes baseadas na internet. A manipulação da opinião pública pelas fake news tem sido um instrumento criminoso fortemente explorado principalmente pelos movimentos políticos radicais.
O jornalista Mattew D’ancona diz em seu livro “Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake News” que 2016 foi um ano que assistiu ao início do que ele chama de era da pós verdade. Define como um momento em que os fatos começam a perder importância para dar lugar ao fortalecimento de crenças e paixões. Isto tem até definido eleições, como aconteceu no Brasil e nos EUA, com Bolsonaro e Trump, além de ameaçar também, junto com outros fatores, a própria existência da União Europeia. Foi um recurso largamente usado na campanha do plebiscito que fez o Reino Unido decidir pelo Brexit.
Relembro o que disse François Miterrand, num célebre discurso no Parlamento Europeu em 17 de janeiro de 1995: “Temos de vencer esses preconceitos. O que vos estou a pedir é quase impossível, porque temos de vencer o nosso passado. Porém, se não o derrotarmos, temos de saber que uma regra triunfará, senhoras e senhores. Nacionalismo significa guerra”.
*Imagem em destaque: Tanques desfilam em Londres no final da Primeira Guerra Mundial (Wikimedia Commons)
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).