A urgência de uma ação internacional em Myanmar

A urgência de uma ação internacional em Myanmar

Por Andrew Firmin

Londres – O exército de Myanmar, atualmente em guerra com forças pró-democracia e milícias étnicas, precisa entender que está longe de uma vitória. Recentemente, quase perdeu o controle de Myawaddy, uma das maiores cidades do país, localizada em um ponto crucial na fronteira com a Tailândia. Muitas áreas do país já estão fora de seu controle.

Quando o exército derrubou o governo eleito em um golpe de Estado em 1º de fevereiro de 2021, provavelmente esperava um caminho mais fácil. Esse mesmo exército havia governado Myanmar por décadas antes do retorno da democracia em 2015. No entanto, muitos apoiadores da democracia pegaram em armas e se aliaram a milícias de minorias étnicas, conhecidas por sua resistência à opressão militar.

Contratempos e violência

A moral do exército está em declínio. Milhares de soldados se renderam, inclusive batalhões inteiros, alguns por objeções morais à violência da junta e outros porque viam a derrota como inevitável. Desertores relataram que receberam ordens para matar civis desarmados, e as forças pró-democracia os encorajam a se juntar a suas fileiras.

Em resposta às deserções, a junta anunciou em fevereiro a introdução do serviço militar obrigatório, exigindo até cinco anos de serviço. Estima-se que cerca de 60 mil homens sejam convocados na primeira rodada, levando muitos jovens a fugir do país ou buscar refúgio em áreas fora do controle militar. Há denúncias de que esquadrões do exército sequestram pessoas para forçá-las a servir, com formação mínima, tornando-as alvos fáceis.

Os rohingyas, uma minoria muçulmana oficialmente declarada apátrida, são forçados a servir pelo mesmo exército que cometeu genocídio contra eles. Aqueles que conseguem cruzar para a Tailândia enfrentam a hostilidade das autoridades e o risco de serem deportados. Mesmo fora de Myanmar, os refugiados enfrentam repressão transnacional, com agentes de inteligência operando em países vizinhos, congelando contas bancárias, confiscando bens e cancelando passaportes.

O recrutamento forçado não é apenas uma maneira de compensar as perdas da junta, mas também uma campanha de terror para submeter civis e suprimir o ativismo. Bairros inteiros são queimados, centenas de pessoas morrem nas chamas, e a força aérea ataca cidades desarmadas. A junta goza de impunidade total por esses e outros atos atrozes. Milhares de presos políticos são mantidos sob acusações falsas e submetidos a torturas sistemáticas.

A missão independente de investigação da ONU relata que pelo menos 1.703 pessoas morreram sob custódia desde o golpe, provavelmente um número subestimado. Muitas foram condenadas em julgamentos secretos e algumas sentenciadas à morte. A crise humanitária se agrava com hospitais destruídos, escassez grave de alimentos no estado de Rakhine, onde a maioria dos rohingyas está concentrada, e três milhões de pessoas deslocadas. Voluntários fazem o possível para ajudar, mas os militares dificultam o acesso humanitário.

Negligência internacional

Em março, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, descreveu a situação em Myanmar como “um pesadelo interminável”. A comunidade internacional deveria exercer a pressão necessária para acabar com isso. A derrota dos militares não é certa; adversidades podem levar a lutas internas e ascensão de líderes mais cruéis. Interromper a cadeia de suprimentos, especialmente de combustível para aviões que possibilitam ataques aéreos letais, pode fazer a diferença. Em abril, o Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu que os Estados parassem de fornecer combustível para aviação ao exército. Esta medida deve ser implementada.

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Estados repressivos como China, Índia e Rússia, bastante satisfeitos, continuam fornecendo armas à junta. No entanto, Estados democráticos devem liderar uma pressão mais concertada. Alguns, como Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, impuseram novas sanções aos membros da junta este ano, mas elas têm demorado a chegar e não cumprem o que a resolução do Conselho dos Direitos Humanos exige.

Mas a pior resposta veio da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), à qual Myanmar pertence. Ignorando a realidade e as propostas da sociedade civil, a Asean manteve um plano desenvolvido em abril de 2021 que simplesmente não funcionou. A junta se aproveita da fraqueza da Asean. Anunciou o recrutamento obrigatório pouco depois de uma visita do enviado especial da Asean a Myanmar.

A negligência da Asean permitiu que florescessem as violações dos direitos humanos e, cada vez mais, o crime organizado transnacional. A junta está envolvida em crimes como tráfico de drogas, apostas ilegais e fraude online. Utiliza os lucros desses crimes, muitas vezes com a ajuda de gangues chinesas, para financiar a guerra contra seu próprio povo. Como resultado, Myanmar ocupa agora o primeiro lugar no Índice Global de Crime Organizado. Trata-se de um problema regional que também afeta a população dos países vizinhos de Myanmar.

Os membros da Asean também têm a obrigação de aceitar os refugiados de Myanmar, incluindo aqueles que fogem do serviço militar obrigatório. Devem comprometer-se a protegê-los e a não forçá-los a retornar, especialmente quando se trata de ativistas pró-democracia e defensores dos direitos humanos cujas vidas estão em risco.

O recrutamento forçado deve ser um ponto de inflexão para a ação internacional, que deve incluir justiça internacional, já que isso não existe em Myanmar. A junta ignorou a ordem da Corte Internacional de Justiça de proteger a população rohingya e evitar ações que possam violar a Convenção sobre Genocídio, em um caso apresentado pelo governo de Gâmbia alegando genocídio contra os rohingyas.

O Conselho de Segurança da ONU deve usar seu poder para remeter Myanmar ao Tribunal Penal Internacional, de modo que os processos contra os líderes militares possam começar.

China e Rússia, que até agora se recusaram a apoiar as ações, devem pôr fim ao seu bloqueio à ação do Conselho de Segurança, em interesse dos direitos humanos e para evitar a crescente instabilidade regional.

Andrew Firmin é editor-chefe da Civicus, codiretor e redator da Civicus Lens e coautor do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil da organização

*Imagem em destaque: STR/AFP via Getty Images

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e Revisão: Marcos Diniz

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