Justiça mexicana legaliza o aborto em todas as instalações públicas de saúde
Suprema corte do país também declarou inconstitucional lei que nega o direito à pensão por viuvez a pessoas do mesmo sexo casadas ou em união estável
Por María Ruiz
MÉXICO – Mulheres e pessoas com capacidade de gestação poderão agora ter acesso a abortos gratuitos nas instalações de saúde públicas do México, após a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCNJ) decidir a favor de uma ação contra a penalização estabelecida no Código Penal Federal.
A Primeira Turma da Suprema Corte de Justiça proferiu a sentença na quarta-feira (6), de um recurso apresentado pelo Grupo de Informação em Reprodução Escolhida (Gire) contra os artigos do Código Penal Federal que criminalizam o aborto.
Com esta decisão, todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestação poderão ter acesso a abortos gratuitos em instituições de saúde federais, que devem garantir o direito à interrupção da gravidez às mulheres e pessoas com capacidade de gestação que o solicitem, de acordo com as informações divulgadas pelo Gire em comunicado oficial.
O recurso apresentado pelo Gire buscou comprovar que os artigos 330, 331, 332, 333 e 334 violam o direito à autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade, o direito à saúde e a liberdade reprodutiva.
A decisão da Corte em relação ao recurso protege os profissionais de saúde que acompanham os abortos, mas ainda é possível argumentar objeção de consciência para não realizá-los. No entanto, as pessoas que optarem por interromper a gravidez não poderão mais ser criminalizadas e devem ser atendidas.
“As leis as apoiam, não tenham medo. Fornecer serviços de aborto as coloca no lado da justiça reprodutiva. Elas estariam agindo de acordo com o que diz a SCJN e as Diretrizes Técnicas para a Atenção ao Aborto Seguro no México”, afirmaram Stephanie Lomelí e Brenda Gutiérrez, membros do Fondo María, em entrevista ao site Pie de Página.
Elas explicaram que a decisão da Primeira Turma tem efeito retroativo para quem tem uma sentença, um processo aberto ou um processo penal federal por este crime. Quem estiver na prisão por práticas de aborto pode enviar uma solicitação a um juiz penal federal para obter sua libertação.
Além disso, as instituições federais são obrigadas a garantir o direito à interrupção da gravidez, mesmo nos estados onde o aborto não foi descriminalizado. Nos últimos anos, algumas regiões do México estabeleceram leis draconianas contra o aborto.
A história da ação judicial
A história que levou a esta decisão começou em 2021, quando o Plenário da Suprema Corte declarou inconstitucional o crime de aborto no Código Penal de Coahuila, um estado do nordeste do México. A decisão gerou um critério obrigatório: nenhum juiz a nível estadual ou federal poderia julgar qualquer pessoa por interromper voluntariamente sua gravidez.
A partir dessa sentença, o Gire apresentou um recurso contra o Congresso da União e o Poder Executivo Federal por terem emitido uma regulamentação que criminaliza o aborto.
Um juiz de distrito considerou esse recurso inadmissível, argumentando que o Gire não era uma figura legítima para impugnar essas normas. Um Tribunal Colegiado revogou a decisão e o caso foi encaminhado à Primeira Turma da Corte, que decidiu a favor dos direitos reprodutivos nesta quarta-feira (6).
Uma luta de quase 25 anos
A luta pelo direito ao aborto começou em 2000 com a chamada Lei Robles, que permitiu a interrupção da gravidez em hospitais públicos na Cidade do México.
Atualmente, o aborto foi descriminalizado na Cidade do México, Oaxaca, em Hidalgo, Veracruz, Coahuila, Baja California, Colima, Sinaloa, Guerrero, Baja California Sur, Quintana Roo e Aguascalientes.
Com a nova decisão da corte suprema mexicana, os serviços de saúde pública a nível federal que ainda não descriminalizaram o aborto não poderão se recusar a prestar esse serviço alegando que estão sujeitos a leis federais e não locais.
O Fondo María MX lembra aos profissionais de saúde que não poderão mais ser criminalizados por ajudar alguém a interromper sua gravidez:
O que vem a seguir?
De acordo com o Fondo María, existem várias ações pendentes. Agora cabe ao Congresso da União modificar o Código Penal Federal para revogar o crime de aborto, e também é obrigatório para os juízes locais e federais decidirem de acordo com o que foi estabelecido pela Suprema Corte.
“As descriminalizações locais ainda são necessárias e devem acontecer em breve, porque já existem muitas decisões e precedentes da SCJN de aplicação obrigatória que apoiam o direito das mulheres e outras pessoas com capacidade de gestar de decidir sobre nossa reprodução e abortar. É inconsistente que o federal diga uma coisa e o local diga outra”, afirmam.
Também é importante que a Lei Geral de Saúde (LGS) seja modificada para que o aborto seja tratado como o que é: um procedimento que faz parte da vida reprodutiva das pessoas com capacidade de gestar.
Além disso, essas ações legais devem ser acompanhadas por outras que incentivem a mudança e o questionamento das narrativas existentes sobre o aborto, e a criação de espaços e contextos onde seja possível apoiar pessoas que tomam essa decisão.
“É importante continuar exigindo acesso a serviços acessíveis e de qualidade, bem como informações claras que nos permitam conhecer nossos direitos. O Fondo María continua a apoiar pessoas que precisam de aborto e estão em estados onde foi descriminalizado, o que apenas mostra que a descriminalização não se traduz necessariamente em acesso para todas as pessoas”, acrescentam.
A Corte também apoia famílias diversas
A Segunda Turma da Corte também emitiu uma sentença importante na quarta-feira (6): declarou inconstitucional que a Lei do Instituto Mexicano do Seguro Social (IMSS) negue o direito à pensão por viuvez a pessoas do mesmo sexo casadas ou em união estável.
Os ministros consideraram que negar a pensão por viuvez com base na orientação sexual, como está na Lei do Seguro Social vigente desde 1995, é uma violação dos direitos.
Agora as autoridades são obrigadas a reconhecer os laços fora dos modelos de família tradicional e conceder os benefícios correspondentes. Este recurso foi decidido por unanimidade com cinco votos.
*Imagem em destaque: o direito ao aborto legal em todo o território mexicano tem sido uma das maiores reivindicações das mulheres nos últimos anos. (María Ruiz/PdP)
**Publicado originalmente em Pie de Página | Tradução de Marcos Diniz a partir de republicação em IPS – Inter Press Service.
Jornalismo e comunicação para a mudança global