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A lei búlgara anti-LGBTQIA+, última peça contra minorias na Europa Oriental

A lei búlgara anti-LGBTQIA+, última peça contra minorias na Europa Oriental

Por Ed Holt

BRATISLAVA – A nova lei que proíbe a representação de identidades LGBTQIA+ nas instituições educacionais da Bulgária é apenas a última medida legislativa repressiva em uma ofensiva mais ampla contra minorias e a sociedade civil organizada em partes da Europa e da Ásia Central, alertam grupos de defesa dos direitos humanos.

A lei, aprovada rapidamente em agosto, é semelhante à legislação adotada ou proposta em muitos países da região nos últimos anos, restringindo os direitos das pessoas LGBTQIA+, e acredita-se que terá um impacto prejudicial sobre crianças e adolescentes no país, além de ser provavelmente integrada a outras leis destinadas a reprimir grupos sociais, seguindo um padrão implementado por governantes autocráticos na região, afirmam ativistas.

“Frequentemente, as leis anti-LGBTQIA+ vêm acompanhadas de outras leis repressivas. Uma aparece logo após a outra. O objetivo é que determinados partidos políticos se concentrem em obter poder absoluto”, disse à IPS Belinda Dear, responsável por políticas da organização Ilga Europa. Em sua opinião, “as pessoas LGBTQIA+ e outros grupos marginalizados são usados como bodes expiatórios”.

Uma emenda à lei de educação da Bulgária, aprovada em 7 de agosto com ampla maioria parlamentar, proíbe “propaganda, promoção ou incitação de qualquer forma, direta ou indireta, no sistema educacional de ideias e opiniões relacionadas à orientação sexual não tradicional e/ou identidade de gênero diferente da biológica”. Kostadin Kostadinov, presidente do partido de extrema-direita Vazrazhdane (Renascimento), que apresentou o projeto, declarou que “a propaganda LGBTQIA+ é anti-humana e não será aceita na Bulgária”.

Críticos afirmam que a lei terá um impacto devastador nas crianças LGBTQIA+ em um país onde essas pessoas já enfrentam grandes desafios para garantir seus direitos. No último Rainbow Map (Mapa Arco-Íris), que avalia a situação dos direitos LGBTQIA+ em todo o continente, a Bulgária ficou em 38º lugar entre 48 países analisados. O mapa é parte do trabalho da Ilga Europa, uma associação internacional de defesa dos direitos de pessoas LGBTQIA+.

“Os professores com quem falamos estão muito preocupados com o que pode acontecer agora. Esperamos um aumento nos ataques e abusos contra estudantes com base em gênero e orientação sexual”, afirmou Denitsa Lyubenova, diretora de Programas e Projetos Legais da Deystvie, uma das maiores organizações LGBTQIA+ da Bulgária. Ela acrescentou que “a lei acabou de ser aprovada, então ainda não podemos ter certeza de seus impactos específicos, mas sabemos que, em outros lugares, leis como esta nas escolas afetam crianças e adolescentes, aumentam o bullying e legitimam a discriminação por parte de outros estudantes e até dos professores”.

Assim como outros defensores dos direitos, Lyubenova apontou semelhanças entre a lei búlgara e legislações semelhantes aprovadas em outros países da Europa Oriental e da Ásia Central nos últimos anos. As chamadas “leis de propaganda anti-LGBTQIA+” foram aprovadas na Hungria em 2021 e no Quirguistão no ano passado. Essas normas foram inspiradas pela legislação russa aprovada quase uma década antes, que desde então se expandiu para reprimir qualquer expressão positiva da comunidade LGBTQIA+.

Relatórios de grupos de defesa dos direitos humanos destacam as consequências devastadoras dessas leis, que foram condenadas por organismos de direitos humanos locais e internacionais, mas partidos políticos em alguns países continuam tentando aprová-las. No mesmo dia da aprovação da lei búlgara, o Partido Nacional Eslovaco (SNS), também de extrema-direita, declarou que apresentaria um projeto de lei para restringir o debate e o ensino de temas relacionados à identidade LGBTQIA+ nas escolas na próxima sessão parlamentar, em setembro.

Na Geórgia, em junho, o partido governista Sonho Georgiano propôs uma lei que proibe qualquer reunião LGBTQIA+, além de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, a transição de gênero e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Também proibe “propaganda” LGBTQIA+ nas escolas, e emissoras de TV e anunciantes teriam que remover qualquer conteúdo que mostrasse relações entre pessoas do mesmo sexo antes de sua transmissão, independente do público-alvo.

Nos dois países, essas leis chegam logo após a implementação das chamadas leis de “agentes estrangeiros”, que impõem restrições a ONGs que recebem financiamento estrangeiro. Críticos afirmam que essas medidas podem devastar a sociedade civil, e apontam para uma lei semelhante introduzida na Rússia em 2012 como parte de um ataque do Kremlin à sociedade civil. A legislação, que forçou as ONG afetadas a declararem-se “agentes estrangeiros”, levou ao encerramento efetivo de muitas organizações da sociedade civil em áreas que vão dos direitos humanos à saúde.

Os ativistas dizem que não é coincidência que a legislação anti-LGBTQIA+ e as leis sobre “agentes estrangeiros” tenham sido introduzidas simultaneamente. “É provável que essa legislação anti-LGBTQIA+ seja apenas a primeira de uma série de leis que vão discriminar, não só as pessoas LGBTQIA+, mas também outros grupos marginalizados, considerados ‘problemáticos’ pelas organizações de extrema-direita na Bulgária”, disse Lyubenova, que acrescentou: “Essa lei vem do partido Revival, que já apresentou projetos de lei sobre agentes estrangeiros na Bulgária. Esperamos que um projeto sobre esse tema seja levado ao Parlamento búlgaro em breve”.

Na Geórgia, onde será discutida uma legislação que restringe os direitos das pessoas LGBTQIA+ em setembro, ativistas da sociedade civil afirmam que o governo está usando uma lei para gerar apoio à outra. “As duas leis fazem parte do mesmo problema grave”, disse Paata Sabelashvili, do movimento não-governamental pela Igualdade na Geórgia. Dear destacou que a aprovação de leis sobre “agentes estrangeiros” faz parte de um modelo usado por regimes autocráticos para se manter no poder “desmantelando a sociedade civil, que fiscaliza os políticos”.

Outros elementos desse modelo incluem “o desmantelamento da independência do poder judiciário e da mídia”. Rússia, Hungria, Geórgia e Eslováquia costumam ter baixos índices nas classificações internacionais de liberdade de imprensa, e há preocupações no Quirguistão sobre ameaças a independência da mídia. Além disso, a Rússia é vista como tendo perdido a independência do poder judiciário, e há preocupações sobre interferência governamental no sistema judicial na Eslováquia, Geórgia e Hungria.

Os governos que implementaram essas leis alegam que elas são essenciais para preservar os valores tradicionais de seus países e limitar a influência de potências estrangeiras – geralmente ocidentais – em suas políticas internas. Essas alegações têm sido repetidamente refutadas por organizações da sociedade civil e grupos minoritários afetados pelas leis.

Alguns defensores dos direitos humanos veem essas leis como parte de um esforço internacional coordenado para disseminar ideologias específicas e consolidar regimes autocráticos. Embora pareça que a introdução dessas leis seja uma ação soberana e independente, ativistas afirmam que os políticos que as promovem nem sempre agem por conta própria.

Ativistas da Eslováquia e da Geórgia entrevistados pela IPS ressaltaram o forte apoio pró-Rússia manifestado pelos partidos governantes de seus países. Por exemplo, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, foi amplamente criticado, até mesmo dentro da União Europeia, por sua proximidade com o Kremlin e por suas críticas à ajuda à Ucrânia após a invasão russa. Além disso, Rússia e Quirguistão mantêm laços históricos desde os tempos da União Soviética, em uma situação similar à de outros países da Ásia Central.

Dear afirmou que os partidos por trás dessas leis anti-direitos “têm conexões com a Rússia”, e acrescentou que essas legislações “são estrategicamente coordenadas e muito bem planejadas”. “Tudo isso faz parte de uma tendência mais ampla ligada a governos ou partidos de extrema-direita”, disse Tamar Jakeli, ativista LGBTQIA+ e diretora do Orgulho de Tbilisi, na Geórgia.

A organização Forbidden Colours, com sede em Bruxelas, associou diretamente a lei búlgara à repressão promovida pelo Kremlin na Rússia. “É muito preocupante ver a Bulgária adotando táticas russas contra os direitos humanos”, afirmou o grupo em um comunicado.

Grupos de direitos humanos internacionais e búlgaros já apelaram à União Europeia para pressionar o governo da Bulgária a revogar a lei, enquanto organizações da sociedade civil no país se preparam para contestar sua implementação. Já houve protestos em Sófia, capital da Bulgária, e Lyubenova afirmou que sua organização está preparando ações legais contra a lei. “O que esses grupos de extrema-direita estão fazendo com essa lei é testar nossa capacidade de enfrentar atos de ódio. Temos que desafiá-los”, concluiu Lyubenova.

*Imagem em destaque: Reprodução

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz

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