Macron acusado de negar a democracia
Narcisista, arrogante, distante.
É como a maioria dos franceses vê o presidente Macron que, segundo seus adversários, detesta o povo. Ao dissolver a Assemblée Nationale (Câmara dos Deputados) dia 9 de junho, após um resultado pífio para seu partido e extraordinário para o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, dirigido por Jordan Bardella (Rassemblement National), nas eleições para o Parlamento Europeu, o presidente deixou a classe política em estado de choque e está mais impopular que nunca.
Eleições antecipadas para deputados se impuseram no tempo previsto na Constituição e a campanha começou.
Mesmo sem ter a maioria absoluta, a esquerda unida (Nouveau Front Populaire) elegeu o maior número de deputados.
Mas, apesar de vencido nas eleições legislativas de 30 de junho e 7 de julho, o presidente continua a manobrar para não aceitar uma indicação de primeiro-ministro da coalizão de esquerda (socialistas, comunistas, ecologistas e La France Insoumise) que fez o maior número de deputados (193), mas ficou longe da maioria absoluta de 289 deputados dos 577 que compõem a câmara.
« O verdadeiro perigo para Emmanuel Macron é que a esquerda governe o país », disse ao « Le Monde » Gaspard Gantzer, ex-assessor de François Hollande.
Virando o Jogo
Macron se mostrou capaz de surpreender para virar o jogo. Seu grupo Ensemble se uniu à direita republicana (DR, ex-LR) – que fazia oposição ao presidente – para eleger a presidente da Assemblée Nationale e vai continuar a manobrar para formar um novo governo com um novo primeiro-ministro de direita, que substituirá Gabriel Attal logo depois dos Jogos Olímpicos.
A coalizão presidencial, Ensemble, fez apenas 163 deputados (ele tinha 245 antes da dissolução, uma maioria relativa) e vai ter que se equilibrar entre os 143 deputados do Rassemblement National (extrema-direita, que passou de 89 a 143) e os 193 deputados do Nouveau Front Populaire, a aliança de esquerda. A direita republicana fez 66 deputados (tinha 62 antes da dissolução).
Mesmo contra a evidência dos números, Macron escreveu uma carta aos franceses para dizer que « ninguém ganhou », ignorando o fato que a esquerda unida fez mais deputados que a sua formação e que a extrema-direita. E como não tem sozinho a maioria absoluta, o presidente foi tricotar uma aliança com a direita (que sempre se afirmou oposição a ele) para impedir a esquerda de governar, como seria normal. Mas essa união ainda está longe da maioria absoluta.
Como denunciaram jornais de esquerda como « Le Monde » e « Libération », o presidente resolveu ignorar a vitória da coalizão de esquerda e se aproximar da direita tradicional.
Mudar para continuar o mesmo
A possibilidade de uma coabitação (presidente de direita e primeiro-ministro e ministros de esquerda) é o pesadelo que Macron quer afastar se aproximando da direita republicana, que governou a França com Sarkozy e com Chirac, quando o partido se chamava UMP.
Desta forma, a presidência da Assemblée Nationale acabou caindo no colo da deputada macronista Yaël Braun-Pivet, que já ocupava a função antes da dissolução.
« Tudo mudou para continuar tudo igual », intitulou o jornal « Libération ».
Com essa nova coalizão oportunista, a direita tradicional e o macronismo ignoram a maioria de votos do Nouveau Front Populaire e fazem um « déni de démocratie » (uma negação da democracia), segundo os deputados de esquerda da frente vencedora. Até mesmo o « Le Monde » em editorial acusou o presidente de tentar negar o resultado das eleições.
Sem o voto dos 17 ministros – visto pela esquerda como ilegal – que participam do poder executivo e puderam votar para a presidência do parlamento, o candidato comunista do Nouveau Front Populaire, André Chassaigne, teria sido eleito.
Sem contar que nenhum cargo de vice-presidente (são seis) ou presidentes de comissão foi atribuído ao partido de extrema-direita, que elegeu o maior número de deputados isoladamente e teve mais de 10 milhões de eleitores. Macron e seus aliados combateram a extrema-direita em duas eleições para presidente mas agora resolveram diabolizar a esquerda unida, chamando-a de « extrema-esquerda ».
« Precisamos evitar os extremos », repetem acrescentando que ambos representam um perigo para o país.
Do governo Hollande ao Eliseu, uma traição
O jovem ministro da Economia de François Hollande, Emmanuel Macron, era um dos homens políticos franceses mais populares em 2015. Ele chefiou a economia entre 2014 e 2016 quando, num gesto calculado, fundou um movimento chamado En Marche(por acaso, as iniciais do próprio ministro). Em seguida, lançou sua candidatura à presidência da República de 2017, driblando seu mentor François Hollande, do Partido Socialista, que nem apresentou sua candidatura à reeleição pois o movimento de Macron tinha chance de lhe dar uma rasteira.
Prudente, Hollande anunciou que não concorreria.
Definindo-se como um « liberal » Emmanuel Macron mostrou-se um grande equilibrista. Muito criticado pela ala esquerda do PS, o jovem ministro vinha do mundo das finanças (tinha sido executivo no Banco Rothschild) e nunca concorrera a nenhum cargo eletivo.
Querendo agradar a todos, Macron se definia como « nem de direita nem de esquerda » ou então « de esquerda e de direita ». A arte do equilibrismo.
Para se eleger em 2017 e 2022, Macron precisou dos votos da esquerda e da direita que tinham outros candidatos mas formaram a Frente Republicana no segundo turno para impedir que a segunda colocada, Marine Le Pen, fosse eleita. Não era certa a vitória do jovem Macron contra o terceiro colocado, François Fillon, de direita, (em 2017) e Jean-Luc Mélenchon, de esquerda, (em 2022). Depois de eleito com os votos dos eleitores de esquerda no segundo turno para impedir a vitória de Marine Le Pen, Macron governou sem nenhum ministro de esquerda nos dois mandatos.
O orgulhoso e ingrato Macron não formou um governo de coalizão, como era de se esperar, ostracizando a esquerda, que o ajudara a se eleger contra a extrema-direita.
Hoje, Macron tenta ignorar a vitória da coalizão de partidos de esquerda do Nouveau Front Populaire. Por enquanto, mantém o primeiro-ministro demissionário, Gabriel Attal, que apresentou, como de praxe, sua demissão dia 8 de julho, dia seguinte ao segundo turno.
Enquanto governam para poupar o país dos tremores e arranjos de bastidores durante os jogos olímpicos e nas férias de verão, os 17 ministros que foram reeleitos deputados puderam votar na Assemblée Nationale para garantir a reeleição da presidente, Yaël Braun-Pivet, que venceu o comunista André Chassaigne por apenas 13 votos.
O deputado France Insoumise Eric Coquerel, do Nouveau Front Populaire, eleito presidente da Comissão de Finanças, que já presidia na legislatura passada, disse a Libération na segunda-feira, 22 de julho :
“ A eleição de Braun-Pivet é um escândalo democrático. »
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.