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Harris e Walz, vendedores do Sonho Americano

Harris e Walz, vendedores do Sonho Americano

Com a nova chapa Kamala Harris e Tim Walz, o Partido Democrata se reposiciona na disputa presidencial dos Estados Unidos, acena para uma “economia de oportunidades” e apresenta Trump como um candidato a ditador.

POR TATIANA CARLOTTI

Sob o coro efusivo de “We love Joe!” e “Thanks, Joe!”, o presidente estadunidense Joe Biden passou o bastão para a vice Kamala Harris concorrer às eleições presidenciais contra Donald Trump nos Estados Unidos. O lançamento da chapa Harris-Walz, anunciada após a reviravolta democrata, ocorreu na Convenção Nacional Democrata (DNC, em inglês) em Chicago, entre 19 e 22 de agosto.

Enquanto, nas imediações do United Center, os policiais reprimiam a manifestação contra o genocídio em Gaza – que soma mais de 42 mil mortes –, no palco do centro de convenções, desfilavam as lideranças democratas, seus congressistas, prefeitos e governadores, além de ativistas e personalidades da cultura estadunidense.

Joe Biden, Nancy Pelosi, Barack e Michelle Obama, Bill e Hillary Clinton, Bernie Sanders, Alexandra Ocasio-Cortez, todos em apoio à chapa Kamala Harris e Tim Walz. Ela, vice-presidente dos Estados Unidos, ex-senadora (2017-2021) e ex-procuradora-geral da Califórnia (2011-2017). Ele, governador de Minnesota (2019-) e ex-deputado, por cinco vezes reeleito (2007-2019), do estado do centro-oeste americano. Ambos egressos da classe média e filhos de pais trabalhadores, Kamala, inclusive, de pai jamaicano e mãe indiana.

Os dois, vendedores do “american dream” e da crença de que com “trabalho duro” vem a “prosperidade”. Em seus discursos, eles acenaram uma “economia de oportunidades” e um futuro onde “todos terão a chance de competir e uma chance de ter sucesso”, além da ampliação do acesso a direitos básicos e da proteção contra a redução das liberdades individuais e da democracia, em referência à agenda reacionária do trumpismo.

Kamala garantiu um “futuro com uma classe média forte e crescente”, afinal, “uma classe média forte sempre foi essencial para o sucesso da América”. “Construir essa classe média será o objetivo definidor da minha presidência”, afirmou.

A chapa democrata

Kamala e Walz entram na disputa eleitoral com pequena vantagem nas pesquisas em relação à chapa republicana composta pelo bilionário Donald Trump e o senador por Ohio, J. D. Vance.  Segundo a última pesquisa (ABC News e Ipsos), publicada nesta segunda-feira (2/09), Kamala tem 52% das intenções de voto frente aos 46% de Trump. Antes da Convenção Democrata, as pesquisas apontavam a mesma diferença, 51% para ela e 45% para ele.

Vale lembrar que nos Estados Unidos, ao contrário da nossa democracia, nem sempre o mais votado pela maioria dos eleitores se torna o vencedor das eleições. Em 2016, embora a então candidata democrata Hillary Clinton liderasse com 64,2 milhões de votos ante os 62,2 milhões de Trump, ela venceu em apenas 20 estados e na capital federal, somando 228 votos no Colégio Eleitoral. Enquanto ele ganhou em 29 estados, somando 290 votos.

A presidência nos Estados Unidos é determinada pelo Colégio Eleitoral. Para vencer, Kamala ou Trump precisam do apoio de 270 delegados, em um colegiado de 538 representantes de todos os estados do país. Boa parte dos estados apresentam tendências democratas ou republicanas mais definidas, mas outros como Arizona, Georgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin votam com mais independência das colorações partidárias. São eles que irão definir o destino dos Estados Unidos.

Para demover os eleitores de votar nos republicanos, Kamala subiu na tribuna midiática apresentando suas credenciais e, com um discurso de procuradora do povo norte-americano, apontou os crimes de Trump e os crimes em potencial do Projeto 2025, que reúne as propostas da direita conservadora para o próximo presidente republicano.

Sobre a própria trajetória, Kamala destacou:

“Do Tribunal à Casa Branca, esse tem sido o trabalho da minha vida. Como jovem promotora de um tribunal em Oakland, na Califórnia, onde defendi mulheres e crianças contra os predadores que delas abusavam. Como procuradora-geral da Califórnia, enfrentei grandes bancos e entreguei US$ 20 bilhão para famílias de classe média que enfrentavam processos de execução hipotecária, e ajudei a aprovar uma declaração de direitos do proprietário, uma das primeiras do tipo no país. Defendi veteranos e estudantes enganados pelas grandes faculdades com fins lucrativos. Trabalhadores que estavam sendo enganados em seus salários e idosos que sofriam abusos. Lutei contra carteis que traficavam armas e drogas e seres humanos e que ameaçavam a segurança de nossas fronteiras e comunidades”.

Tim Walz

O então governador Tim Walz assina o House File 100 para legalizar a cannabis recreativa em Minnesota, acompanhado por Jesse Ventura , governador de Minnesota de 1999 a 2003. (Foto: Gabinete do Governador Tim Walz e Vice-Governadora Peggy Flanagan/ Domínio Público)

Kamala não vem sozinha, sua chapa é turbinada por Tim Walz, considerado “extremista” pelos republicanos por suas inovações implementadas em Minnesota, onde governou desde 2019.

Inovações, aliás, nada radicais como aponta reportagem de Ed Pikington em The Guardian que traz, entre outras medidas do governador democrata, o programa de almoço gratuito para crianças em idade escolar. Somente oito estados entre os mais de 50 dos EUA oferecem refeição para suas crianças, destaca a reportagem.

Walz também sancionou um programa de crédito tributário infantil para famílias de baixa renda, oferecendo US$ 1.750 por criança; concedeu licença médica e familiar remunerada, liberou o uso da maconha recreativa, aprovou o direito de voto para ex-criminosos e uma lei comprometendo o estado a ter toda a sua eletricidade produzida por energia eólica, solar e outras fontes de energia limpa.

Em seu discurso, ele citou o corte de impostos para a classe média e as melhorias na habitação, além da implementação do Medicare e Medicaid. “Enquanto outros estados proibiam livros em suas escolas, nós combatíamos a fome das nossas crianças” e garantimos que cada uma “tivesse café da manhã e almoçasse diariamente”, sintetizou.

Walz também fez uma defesa veemente do controle de armas no país, apelando para o temor que pais e mães sentem ao deixar seus filhos nas escolas dos Estados Unidos. “Eu entendo de armas. Sou um veterano, um caçador e um atirador melhor do que a maioria dos republicanos no Congresso, mas eu também sou pai. Acredito na Segunda Emenda, mas nossa primeira responsabilidade é manter nossos filhos seguros. É disso que se trata, da responsabilidade com os nossos filhos, com os outros e com o futuro que estamos construindo”, afirmou.

Trabalho vs. Privilégios

As origens de classe média da chapa democrata em contraponto às origens de privilégio de Donald Trump foram insistentemente exploradas pelos democratas. “Temos a oportunidade de eleger um presidente a favor da classe média, porque ela vem da classe média. Kamala entende a urgência do cheque para o aluguel, das compras e dos salários”, salientou Alexandria Ocasio-Cortez, deputada por Nova York.

Dizendo-se farta de ouvir Trump, “um destruidor de sindicatos” se considerar mais patriota do que a vice-presidente, “uma mulher que luta diariamente para libertar os trabalhadores das botas da ganância que pisoteiam o nosso modo de vida”, a deputada novaiorquina levantou a plateia: “Você não pode amar este país se apenas lutar pelos ricos e pelas grandes empresas. Amar este país é lutar pelo seu povo”.

Ocasio-Cortez ainda mencionou a importância das eleições legislativas em curso no país, o que explica a força dos discursos na tribuna da Convenção Democrata. A dança das cadeiras na presidência também acontece em todos os assentos da Câmara dos Deputados e em 1/3 das cadeiras no Senado.

As origens trabalhadoras de Kamala também foram destaque no discurso do ex-presidente Barack Obama (2009 a 2017), ao lembrar que “Kamala não nasceu com privilégios” e teve de “trabalhar duro” pelo que conquistou. Ele citou seus feitos como promotora, procuradora-geral da Califórnia e vice-presidente de Biden, apontando que “Kamala ajudou a enfrentar as grandes farmacêuticas para diminuir o custo da insulina e o custo dos cuidados com a saúde”, em contraposição, “Donald Trump, um bilionário de 78 anos, que vê o poder apenas como meio para atingir seus objetivos, quer que a classe média pague o preço de outro grande corte de impostos, o que o ajudaria particularmente e também os seus amigos ricos”.

A ganância de Trump e suas origens de privilégio nortearam a fala dos democratas. “Nossa única esperança é atacar a ganância corporativa de cabeça erguida”, afirmou Shawn Fain, presidente da United Auto Works (UAW), ao detalhar essa espécie de ganância “que transforma o colarinho azul (uniforme) em suor e lágrimas” e “em recompras de ações de Wall Street”, que “gera inflação, prejudica os trabalhadores e os consumidores. Isso machuca a América”, complementou, ao contar sobre o fechamento de fábricas automotivas durante o governo Trump e agradecer a presença de Kamala nos piquetes durante a paralisação de 40 dias em Georgetown, Ohio.

Isenção de impostos para os ricos?

A questão das isenções de impostos para os ricos proposta pelo bilionário, que permeou os quatro dias de Convenção, foi puxada, já na primeira noite, por Joe Biden que culpou Trump pela “maior dívida que qualquer presidente já teve em quatro anos, com seu corte de impostos de US$ 2 trilhões para os ricos”.

Destacando que Trump “quer oferecer um novo corte de impostos de US$ 5 bilhões para as corporações e os muito ricos”, Biden mencionou uma proposta inversa a do republicano: o aumento de imposto para os super-ricos. “Vocês sabem que temos mil bilionários na América, mas vocês sabem qual é a taxa de imposto que eles pagam? 8,2%. Se apenas aumentarmos os impostos que propusemos para 25%, que nem é a maior taxa de imposto, nós arrecadaríamos US$ 500 bilhões de novos dólares ao longo de dez anos, e eles ainda seriam muito ricos”.

Kamala, como Biden, comentou o plano de Trump de conceder ainda mais isenção fiscal para os ricos e criticou, enfaticamente, a proposta republicana de criar um imposto nacional sobre as vendas, o que levaria a um aumento dos gastos das famílias de classe média em US$ 4 mil por ano, calculou. Em lugar disso, ela prometeu um corte de impostos para a classe média “que poderá beneficiar mais de 100 milhões de pessoas”.

O tema apareceu com força na defesa do senador Bernie Sanders, por Vermont, “de uma economia que funcione para todos e não apenas para os bilionários”. Ele criticou duramente o “Projeto 2025” que qualificou de “radical”, afinal, “num momento de enorme desigualdade de renda e de riqueza, conceder mais benefícios fiscais aos bilionários é radical. Apresentar propostas de corte da segurança social, o Medicare e o Medicaid, é radical. Deixar os poluidores destruírem o nosso planeta é radical”.

Sanders defendeu, ainda, o financiamento público de campanha ao afirmar que “os bilionários, em ambos os partidos, não podem comprar as eleições, incluindo as primárias. Para o bem da nossa democracia, temos de anular a desastrosa decisão do Supremo Tribunal e avançar o financiamento público de campanha”.

“Este otário está falando sério”

Campanha de Trump no Arizona, em junho de 2024. (Foto: Gage Skidmore/ Wikipedia)

Além das origens de privilégio, Trump foi estampado na Convenção Democrata como uma ameaça concreta à democracia e a sua volta como uma agenda contrária às liberdades individuais nos Estados Unidos.

A invasão do Capitólio, em 6 de Janeiro de 2022, deu o tom do alerta puxado por Kamala: “Donald Trump tentou jogar fora o seu voto. Quando falhou, ele enviou uma multidão armada para o Capitólio dos Estados Unidos, onde eles agrediram policiais. Quando os políticos do seu próprio partido imploravam para ele conter a multidão e enviar ajuda, ele fez o contrário: atiçou as chamas”.

Da tribuna para o tribunal, ela continuou: “E agora, por um conjunto totalmente diferente de crimes, ele foi considerado culpado de fraude por um júri de americanos comuns; e, separadamente, considerado responsável por cometer abuso sexual. Considerem o que ele pretende fazer se lhes dermos poder. Considerem sua explícita intenção de libertar os extremistas violentos que agrediram aqueles policiais no Capitólio. Sua intenção explícita de prender jornalistas e opositores políticos e qualquer pessoa que veja como inimigo. Sua intenção explícita de implantar o nosso serviço militar ativo contra os próprios cidadãos”.

Dias antes, Joe Biden acendia o mesmo alerta:

“Esta será a primeira eleição presidencial desde 6 de janeiro. Naquele dia, quase perdemos tudo sobre quem somos como país. E essa ameaça — isso não é hipérbole — essa ameaça ainda está muito viva. Donald Trump diz que se recusará a aceitar o resultado da eleição se perder novamente. Ele está prometendo um “banho de sangue” se perder, em suas palavras, e que será um ditador no “primeiro dia”, em suas próprias palavras.

E complementou: “Este otário está falando sério”.

Para mostrar o quanto, a senadora de Michigan, Mallory Mcmorrow levou à tribuna o Projeto 2025, o projeto da direita conservadora para o próximo presidente republicano, elaborado pela Heritage Foundation com apoio de várias outras organizações conservadoras, um calhamaço de mais de 800 páginas (leia a íntegra). “Nós lemos tudo e o que quer que você imagine que possa ser, é muito pior”, afirmou a senadora democrata.

Em sua avaliação, se aplicado, o projeto poderia conferir poderes de ditador a Trump, através de dois dispositivos: o primeiro (p.533) prevê a reedição de uma ordem executiva para a demissão de funcionários inadimplentes, o que permitiria ao republicano “demitir funcionários públicos como oficiais de inteligência, engenheiros e até mesmo promotores federais”, caso eles não atendam à sua agenda pessoal. “Eles estão falando em substituir todo o governo federal com um exército de legalistas que responderiam apenas a Donald Trump”, analisou.

O segundo (p.873) é uma “tentativa de acabar com a aplicação da lei sobre as atividades de agências independentes ou de pôr fim ao seu estatuto de independência”, o que permitiria a Trump “transformar o Departamento de Justiça em uma arma para perseguir seus oponentes políticos”. Ou “o FBI em sua força policial pessoal”, uma expansão de poderes presidenciais “como nenhum presidente já teve ou deveria ter”, frisou.

“O ódio estava em marcha na América”

As ações e inações do governo Trump também foram cobradas e não apenas pelos democratas. No palco subiram várias vítimas das ações e inações de Trump, como os cinco rapazes, conhecidos como “Cinco do Central Park” (quatro negros e um latino), injustamente condenados de estupro e espacamento de uma mulher branca no famoso parque de Nova York, em 1989.

Na época, Trump se promoveu fazendo uma campanha de difamação contra eles, inclusive pressionando pela volta da pena de morte em anúncios de páginas inteiras nos principais jornais do país. Com idade entre 14 e 16 anos, os cinco foram condenados e cumpriram penas de seis a treze anos de prisão, até o verdadeiro culpado, um estuprador em série, admitir a autoria do crime.

Manifestantes da marcha em Charlottesville carregando bandeiras dos Estados Confederados da América, uma de Gadsden e também uma suástica nazista. (Foto Anthony Crider/ Wikipedia).

Biden destacou o aumento de 30% da taxa de homicídios sob o governo Trump e descreveu o ambiente de ódio e de racismo, que o levou à disputa em 2020, após ver as imagens de Charlottesville, em agosto de 2017.

“Extremistas saindo da floresta carregando tochas, com as veias saltando do pescoço, carregando suásticas nazistas e entoando a mesma bílis antissemita que foi ouvida na Alemanha no início dos anos 30. Neonazistas, supremacistas brancos e a Kl Klux Klan tão encorajados por um presidente na Casa Branca que eles viam como um aliado, que nem se preocuparam em usar seus capuzes. O ódio estava em marcha na América”, sintetizou.

Biden comemorou ter apresentado o gabinete mais diversificado da história, incluindo “a nomeação da primeira mulher negra da Suprema Corte, a juíza Ketanji Brown Jackson” e da “primeira mulher negra de ascendência sul-asiática a servir como vice-presidente” e que, em breve, “servirá como 47º presidente dos Estados Unidos”.

Ao longo da Convenção Democrata, Kamala recebeu apoio de grandes personalidades da luta pelos direitos civis no país, como do reverendo Jesse Jackson, ovacionado no palco da Convenção, e da ativista e deputada pela Califórnia Maxine Waters que trouxe a memória e o discurso de outra deputada democrata, Fannie Lou Hamer (1917-1977), proferido em 1964, durante a Convenção Democrata em Atlantic City:

“Fannie Lou chegou com um grupo de delegados negros do Mississippi e relatou a violência que sofreu nas mãos dos policiais brancos porque ela, uma mulher negra, havia exigido o seu direito de voto. E quando terminou, ela fez ao país uma pergunta simples, mas profunda: ´é esta a América?´”

60 anos depois, Waters assegurou: “Quando a poeira baixar em novembro e americanos de todos os matizes elegerem Kamala como sua presidente; ela estará pensando em Fannie Lou, uma de suas heroínas. E neste momento, todos nós, de Nova Iorque à Pensilvânia, do Arizona à Califórnia, responderemos: ´sim, esta é a América´.”

Vítimas de Trump

Contra Trump também pesaram suas próprias declarações veiculadas em vários programas da campanha democrata, verdadeiras peças hollywoodianas. Uma, em particular, traz uma entrevista do bilionário recomendando a ingestão de desinfetante como forma paliativa de se combater a Covid-19.

“Nós estávamos no meio da pior crise de saúde pública dos últimos 100 anos e sob a pior recessão econômica desde a Grande Depressão. Três mil americanos estavam morrendo todos os dias e os nossos hospitais estavam sobrecarregados com pacientes com Covid-19 por todo o país”, lembrou Sanders.

Ele citou o fechamento de empresas e de escolas, o desemprego em alta, a perda de seguros de saúde, as pessoas sendo despejadas e as crianças passando fome em estados e cidades sem orçamentos. “Essa era a realidade que a administração Biden-Harris enfrentou quando eles entraram na Sala Oval”, afirmou.

Biden, por sua vez, trouxe a questão da segurança nas fronteiras e da imigração, destacando o preconceito de Trump que costuma dizer que os imigrantes “envenenam o sangue da América”. Kamala também abordou o assunto, ao destacar a derrubada pelo republicano de um acordo de fronteira bipartidário, “o mais forte da história dos Estados Unidos já negociado no Senado”, que prometeu sancionar como lei.

Ela também acenou aos imigrantes do país “a orgulhosa herança de uma nação de imigrantes” e a reforma do “sistema de imigração falido dos Estados Unidos”.

Defesa dos direitos reprodutivos das mulheres

A vice-presidente Kamala Harris em um evento em homenagem ao 50º aniversário de Roe v. Wade, em 22 de janeiro de 2023, no The Moon em Tallahassee, Flórida. (Foto oficial da Casa Branca por Lawrence Jackson).

Além dos trabalhadores, dos afrodescendentes, dos imigrantes, Kamala conversou com as mulheres, em particular, as conservadoras que tenderiam a votar em Trump, mas não o farão neste ano, em defesa dos seus direitos reprodutivos. Ao longo das quatro noites de evento, vários casais, adolescentes e mulheres tomaram a palavra para contar como as suas vidas foram prejudicadas com o desmantelamento da Lei Roe vs. Waden que, entre 1973 e 2022, garantiu o direito ao aborto em todos os estados do país.

Porém, após uma decisão de 2022, tomada por “membros cuidadosamente selecionados por Donald Trump para a Suprema Corte dos Estados Unidos”, o direito reprodutivo das mulheres estadunidenses foi suprimido com a transferência da decisão sobre o aborto para cada estado, o que abriu a possibilidade de interdição da prática nos estados mais conservadores, algo que não existia antes.

A apresentadora Oprah Winfrey, com base nas histórias de estupro, incesto e outras barbaridades relatadas no palco da Convenção, enfatizou: “O que aconteceu com eles, poderá acontecer com qualquer outra pessoa. Se você não tem autonomia, acabou. Se você não puder controlar quando e como trazer seus filhos para este mundo, a forma como eles serão criados e apoiados.”

Kamala, inclusive, alertou sobre a possibilidade de piora do atual quadro com a volta de Trump. “Como parte de sua agenda, ele e seus aliados programam limitar o acesso para o controle da natalidade, banir medicamentos abortivos e promulgar uma proibição nacional do aborto com ou sem o Congresso”. Ela citou o plano de Trump de “criar uma coordenação nacional antiaborto e forçar os estados a reportarem sobre os abortos espontâneos e abortos. Eles estão loucos”.

E garantiu: “assim que o Congresso aprovar o projeto de lei restaurando as liberdades reprodutivas, como presidente dos Estados Unidos, eu orgulhosamente assinarei isso como lei”.

Reconstrução

A Convenção Democrata foi ainda um momento do governo Biden mostrar a reconstrução do país após a pandemia. Bernie Sanders, neste sentido, fez uma defesa do atual governo ao mencionar que “no espaço de dois meses, após a tomada de posse, o governo respondeu de fato”. Como principais medidas neste sentido, ele destacou a aprovação do plano de salvamento americano, que forneceu 1.400 dólares para cada homem, mulher e criança da classe trabalhadora. A expansão de benefícios para desempregados, a assistência de emergência às pequenas empresas, a cobertura à assistência médica “através de uma das maiores expansões do Medicaid da história”, destacou.

Sanders citou as medidas de assistência hipotecária evitando os despejos, a criação de programas alimentares de emergência para crianças e idosos, a proteção das pensões dos trabalhadores sindicalizados, além da redução da pobreza infantil, com a criação de um crédito fiscal ampliado.

Biden, por sua vez, destacou a mudança na forma como a economia estadunidense vem crescendo, “do centro para fora e de baixo para cima”. E mencionou a criação de 16 milhões de empregos, o crescimento recorde de pequenas empresas, o mercado de ações em alta recorde, os salários em alta e “a inflação em baixa – muito baixa – e continua caindo”.

Sobre as dívidas estudantis dos universitários, segmento afastado dos democratas desde o começo da Guerra de Israel em Gaza, Biden defendeu a ajuda do estado e, respondendo às críticas republicanas de que a medida aumentaria os custos, ele afirmou: “Não está nos custando. Está criando mais riqueza”.

O presidente dos Estados Unidos destacou a aprovação de uma lei climática, “a mais significativa da história”; comemorou que “mais americanos têm seguro de saúde hoje do que nunca tiveram na história” e destacou o poder, através do Medicare, de negociar preços mais baixos para os medicamentos prescritos. “Finalmente derrotamos a Big Pharma”, comemerou, ao destacar o voto de Minerva de Kamala sobre a questão.

“Selecionar Kamala foi a primeira decisão que tomei” ao ser indicado [à presidência] e “a melhor decisão que tomei em toda a minha carreira”, afirmou ao passar o bastão, não sem arrematar: “Donald Trump vai descobrir o poder das mulheres em 2024”.

O que vem aí…

A vice-presidente Kamala Harris cumprimenta os aviadores da Base Aérea de Luke, em 19 de janeiro de 2023, no Condado de Maricopa, Arizona. (Foto oficial da Casa Branca por Lawrence Jackson)

“Como comandante em chefe, eu garantirei que os Estados Unidos sempre terão a mais forte e letal força de combate do mundo. Cumprirei nossa obrigação sagrada de cuidar de nossas tropas e suas famílias. Eu sempre honrarei e nunca menosprezarei seu serviço e seu sacrifício”, disse Kamala dirigindo-se aos veteranos, militares e forças de segurança do país.

Ela garantiu que irá se certificar de que os Estados Unidos liderem o mundo para “o futuro no espaço e na inteligência artificial” e “que a América, e não a China, ganhem a competição para o século XXI”.

Sobre a Guerra da Ucrânia, afirmou que permanecerá “firme com a Ucrânia e com os nossos aliados da OTAN”, após relatar que cinco dias antes do ataque russo à Ucrânia, ela havia alertado o presidente ucraniano Volodimir Zelenski sobre o plano de invasão da Rússia, contribuindo com a mobilização de uma resposta global em mais de 50 países.

Sobre a Guerra de Israel em Gaza, defendeu o cessar-fogo, não sem antes afirmar que sempre defenderá “o direito de Israel de se defender” e que sempre garantirá “que Israel tenha a capacidade de se defender”.

“O presidente Biden e eu estamos trabalhando, dia e noite, para acabar com esta guerra, porque agora é a hora de fechar um acordo de reféns e um acordo de cessar-fogo (…) para que Israel esteja seguro, os reféns sejam libertados e o sofrimento em Gaza acabe e o povo palestino possa ter direito à dignidade, segurança, liberdade e autodeterminação”, afirmou.

Ela também prometeu que não hesitará “em tomar qualquer ação necessária para defender as forças e interesses dos Estados Unidos contra o Irã e os terroristas apoiados por aquele país”. E que não aceitará “nem tiranos, nem ditadores como Kim Jong-un (Coreia do Norte) que estão torcendo por Trump”.

Por fim, Kamala destacou seu compromisso com a defesa da segurança e dos ideias dos EUA. “Na luta permanente entre a democracia e a tirania, eu sei qua é a minha posição e qual é o lugar dos Estados Unidos”, afirmou.


Leia também: Reviravolta nos EUA: Kamala entra na disputa eleitoral e Eleições nos EUA: o Império na encruzilhada.


FOTO DE CAPA: A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e o governador Tim Walz falando em um comício de campanha na Desert Diamond Arena em Glendale, Arizona, em 9 de agosto de 2024. (Foto: Gage Skidmore/ Wikipedia).

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