O que esperam os empresários privados das medidas adotadas pelos EUA em relação à Cuba?

O que esperam os empresários privados das medidas adotadas pelos EUA em relação à Cuba?

Departamento do Tesouro dos Estados Unidos autorizou, em 28 de maio, o acesso de empresários cubanos a serviços de Internet, aplicações e plataformas de comércio eletrônico, canais para pagamentos eletrônicos e atividades comerciais com os EUA.

POR LUIS BRIZUELA

HAVANA – Os empresários cubanos estão cautelosos ao avaliar as aplicações práticas e a sustentabilidade das novas medidas do governo dos Estados Unidos para favorecer o setor privado na Ilha, perante uma possível mudança de administração no país vizinho e o persistente conflito bilateral.

“Acho que todas as medidas que contribuem para o desenvolvimento do comércio a partir do setor empresarial sempre serão vistas com bons olhos, mas precisam ser materializadas”, avaliou à IPS Suselmis Martín, CEO e fundadora da pequena empresa privada SMG Branding, que desde 2019 se concentra na criação, desenvolvimento e posicionamento de marcas cubanas.

Martín destacou a oportunidade de empreendedores cubanos sem visto de turista ou de negócios viajarem aos Estados Unidos para abrir e usar contas remotamente.

“É uma facilidade tanto para a exportação de serviços, como os da minha empresa, quanto para que colegas e empresas importem equipamentos e matérias-primas de um mercado muito próximo, com preços melhores e prazos de entrega mais rápidos. Mas muitas vezes é difícil pagar” devido aos dispositivos do embargo, disse.

O engenheiro Pavel Sánchez, diretor-geral da média empresa privada Ecomadera Cubana, concorda que as atividades de importação e exportação “estão tornando-se complexas, especialmente no que se refere aos movimentos financeiros de e para Cuba. Encontrar soluções para essa situação é uma dor de cabeça diária”.

No diálogo com a IPS, Sánchez destacou que as medidas de Washington “mudam algumas regras do jogo e, embora desejássemos mais espaço, abrem outros canais para as operações comerciais. É aí que podemos nos beneficiar se elas forem implementadas”.

Localizada no município de Fomento, na província central de Sancti Spíritus, a Ecomadera Cubana destaca-se, desde 2014, pela produção de madeira plástica ou ecomadera, resultado do processamento de diferentes tipos de polímeros usados para fabricar tábuas, colunas, vigas e vigotas adequadas a uma variedade de construções.

Passarela construída com madeira plástica ou ecomadera no centro turístico da província cubana de Ciego de Ávila, no centro do país. Empresas como a Ecomadera Cubana podem se beneficiar da abertura de canais para operações comerciais nos Estados Unidos, o que favoreceria as transações de importação e exportação. Imagem: Jorge Luis Baños / IPS.

As medidas

Embora tenham sido anunciadas há dois anos, o Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos autorizou, em 28 de maio, o acesso de empresários cubanos independentes a serviços de Internet, aplicações e plataformas de comércio eletrônico, bem como a canais para pagamentos eletrônicos e atividades comerciais com os Estados Unidos.

As orientações permitem aos empresários independentes do setor privado cubano abrir, manter e utilizar à distância contas bancárias nos Estados Unidos.

Autorizam igualmente serviços baseados na Internet, tais como plataformas de redes sociais, videoconferência e serviços baseados na nuvem.

Também restabelece a autorização – suspensa em setembro de 2019 – para transacções “U-turn”, que são transferências de fundos que com origem e destino fora dos Estados Unidos, sem que a fonte e nem o beneficiário estejam sujeitos à jurisdição estadunidense.

De acordo com as disposições, certos funcionários e membros do Partido Comunista de Cuba (PCC), o único partido legal do país, incluídos nas listas regulamentares de Washington, estão excluídos dos benefícios.

Para além de as considerar “limitadas” e de procurar “colocar o setor privado em vantagem”, um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros sublinhou que as decisões “não tocam no corpo fundamental do bloqueio contra Cuba nem nas sanções adicionais que compõem a política de pressão máxima” em relação à Ilha.

No entanto, o governo cubano indicou que “estudará as medidas e, se elas não violarem a legislação nacional e significarem uma abertura que beneficie a população cubana, mesmo que seja apenas um segmento, não impedirá a sua aplicação”.

O stand da micro e PME privada Ingenius, dedicada ao desenvolvimento de programas e aplicações digitais, durante a XIX Convenção e Feira Internacional Informática 2024, no centro de exposições Pabexpo, em Havana. Em 28 de maio, os Estados Unidos emitiram medidas que autorizam o setor privado cubano a utilizar serviços de Internet, como plataformas de redes sociais, videoconferência e serviços baseados na nuvem. Imagem: Jorge Luis Baños/IPS.

Obstáculos

Para o economista Omar Everleny Pérez Villanueva, “é sempre complexo interpretar qualquer medida de flexibilidade” dos Estados Unidos em relação a Cuba “porque o bloqueio – como o embargo é conhecido internamente desde 1962 – é mantido, com um quadro jurídico muito complexo, e a Ilha continua na lista dos países que patrocinam o terrorismo”.

Para o governo cubano, esta designação, estabelecida em janeiro de 2021, procura justificar a aprovação de sanções.

Para além das proibições e sanções financeiras para os indivíduos e bancos que realizam determinadas trocas comerciais com os países incluídos na lista, aumenta o risco-país das operações comerciais.

Pérez Villanueva salientou que as novas medidas surgem a menos de seis meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos.

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“Para que os empresários cubanos possam abrir contas bancárias, é necessário modificar muitos aspectos legais, que poderão ser alterados depois de janeiro de 2025, se uma nova administração tomar posse. Duvido que isso se concretize agora, talvez depois das eleições, dependendo do partido vencedor”, disse o especialista em entrevista à IPS.

As decisões da Casa Branca são “um primeiro passo de muitos que precisam ser dados”, disse a engenheira civil Yulieta Hernández, presidente da empresa privada de médio porte Pilares Construcciones, que desde 2021 se especializa na construção, manutenção, reparo, reabilitação e remodelação de edifícios.

Hernández disse à IPS que os empresários cubanos “não têm acesso a vistos de negócios para buscar oportunidades nos Estados Unidos. Esse é um aspecto que essas medidas não contemplam”.

Quantos bancos permitirão a abertura de contas para empresários cubanos diante do alto risco percebido ao realizar operações financeiras com a Ilha?, questionou, ao lembrar das pesadas multas recebidas pelos bancos por violação do regime de sanções de Washington contra Cuba.

“Há uma grande probabilidade de as taxas serem muito elevadas. E nas condições atuais do setor privado em Cuba, isso pode ter um impacto negativo e fazer com que a medida não seja utilizada em todo o seu potencial”, argumentou.

Produtos de cosmética natural expostos durante uma feira de artesanato em Havana. As autoridades afirmaram que as PME funcionam em pé de igualdade com outros agentes econômicos reconhecidos e que não haverá retrocessos nem travas na abertura do setor privado. Imagem: Jorge Luis Baños / IPS.

No fogo cruzado

O crescimento do setor privado nesta Ilha das Caraíbas, com 11 milhões de habitantes e uma economia de planejamento central, teve de enfrentar avanços, recuos e críticas à sua gestão de vários espectros ideológicos.

Algumas posições mantêm um rancor contra o setor, considerando-o um instrumento de grupos dos Estados Unidos para desmantelar o sistema socialista da Ilha e avançar para um processo de restauração capitalista.

Outros críticos apontam a atividade de importação que alguns desenvolvem e a venda de produtos finais sem valor acrescentado, mesmo aqueles que defendem que sua autorização seja utilizada para a criação de empresas privadas por “testas-de-ferro” e para servir de “cobertura” ao governo para importar produtos, contornar o embargo e obter divisas.

A criação de micro, pequenas e médias empresas (PME) está limitada a setores não estratégicos. São atores econômicos legitimados nos documentos orientadores do PCC e na Constituição, como parte do modelo de desenvolvimento socialista.

A sua atividade é considerada complementar à da empresa pública socialista, o principal sujeito da economia nacional.

São mais de 11.000 pequenas e médias empresas, a maioria privadas, autorizadas a instalar-se desde setembro de 2021, num ambiente marcado pela Covid-19, reforço do embargo americano, escassez de alimentos e de bens de primeira necessidade e pela malograda ordenação monetária, que acentuou a dolarização parcial da economia e desencadeou a inflação.

As autoridades afirmaram que as PME operam em condições de igualdade com os restantes agentes econômicos reconhecidos e que não haverá retrocessos ou travas na abertura do chamado setor não estatal.

No entanto, os economistas insistem que não existem mercados majoritários para o setor privado se abastecer, que inexistem verdadeiros incentivos à exportação, que pagam impostos elevados sobre as vendas e os lucros, e que a isenção fiscal foi eliminada no seu primeiro ano.

Além disso, ao contrário das entidades estatais, elas não são subsidiadas em caso de perdas.

Permanece sem solução a questão da criação de um mercado oficial de divisas em que as PME possam adquirí-las de forma suficiente e sem irregularidades para realizar atividades de comércio externo através de empresas estatais intermediárias.

As estatísticas oficiais indicam que o setor não estatal representa 15% do produto interno bruto (PIB) de Cuba e cobre cerca de 35% dos empregos no país.

Em termos de atividades de comércio externo, em 2023, as importações excederam 1 bilhão de dólares, mas as exportações não ultrapassaram os 200 milhões de dólares, o equivalente a 0,2 % do total das exportações.

“Não é apenas o governo dos EUA que tem de responder afirmativamente às instituições bancárias. Também é necessário ver como Cuba se expressa nas operações comerciais quotidianas e aproveitar esta pequena brecha no bloqueio para implementar medidas que beneficiem os empresários cubanos”, considerou Pérez Villanueva.

Na opinião do economista, “não se trata apenas de dizer que as medidas de Washington beneficiam uma parte do setor privado. O Governo cubano também pode aliviar os nós górdios que tem sobre as empresas públicas e favorecê-las”.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.


FOTO DE CAPA: O stand da empresa privada El Tumbao de Telma, dedicada à moda afro, durante uma feira de artesanato em Havana. As novas medidas de Washington visam favorecer o setor privado em Cuba, com a possibilidade de os empresários sem visto de turismo ou de negócios se deslocarem aos Estados Unidos para abrir e utilizar contas à distância. Imagem: Jorge Luis Baños / IPS

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