“Uma catástrofe humanitária, sem precedentes, em Gaza”, alerta UNRWA

Alto Comissário da UNRWA, agência das Nações Unidas com maior presença na Faixa de Gaza, traz dramático relato sobre a situação no território: “Estamos à beira do colapso. Isto não tem absolutamente nenhum precedente. As guerras, todas as guerras, mesmo esta guerra, têm leis”.
POR PHILIPPE LAZZARINI
JERUSALÉM LESTE – Desde segunda-feira, dia 16, os meus colegas da Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) já não podem prestar assistência humanitária em Gaza. Enquanto escrevo, Gaza está ficando sem água e sem eletricidade. Na verdade, Gaza está sendo estrangulada e parece que, neste momento, o mundo perdeu a sua humanidade.
Se olharmos para a água – todos sabem que água é vida – e Gaza está ficando sem água e sem vida. Por consequência e em breve, não haverá alimentos e nem medicamentos.
Nos últimos oito dias, nem uma gota de água, nem um grão de trigo, nem um litro de combustível foi permitido entrar na Faixa de Gaza.
No sul, o número de pessoas que procuram refúgio nas nossas escolas e noutras instalações da UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Médio Oriente) é absolutamente esmagador e já não temos capacidade para cuidar delas.
A minha equipe, que se mudou para Rafah para manter as operações após o ultimato de Israel, está trabalhando no mesmo edifício que milhares de pessoas refugiadas e desesperadas. Eles também estão racionando a sua comida e a sua água.
Uma catástrofe humanitária sem precedentes está acontecendo diante dos nossos olhos.
Antes da guerra, Gaza estava bloqueada há 16 anos e, basicamente, mais de 60% da população já dependia da ajuda alimentar internacional. Já era uma sociedade de bem-estar humanitário antes da guerra.
A cada hora recebemos mais pedidos desesperados de ajuda de pessoas de toda a Faixa de Gaza.
Nós, como Unrwa, já perdemos 14 funcionários. Eram professores, engenheiros, guardas e psicólogos, um engenheiro e um ginecologista. A maioria dos nossos 13 mil funcionários na região estão agora refugiados ou longe de suas casas.
Meu colega Kamal perdeu o primo e toda a sua família. A minha colega Helen e os seus filhos foram retirados dos escombros. Senti um grande alívio ao saber que eles ainda estavam vivos.
O meu colega Inas teme que Gaza deixe de existir. Todas as histórias que saem de Gaza falam de sobrevivência, de desespero e de perda.
Leia a versão em inglês deste artigo aqui.
Milhares de pessoas morreram, incluindo crianças e mulheres. Gaza está ficando sem sacos para cadáveres. Famílias inteiras estão sendo destruídas.
Pelo menos um milhão de pessoas foram forçadas a fugir das suas casas em apenas uma semana. Um rio de pessoas continua a fluir para o sul. Nenhum lugar é seguro em Gaza.
Pelo menos 400 mil pessoas deslocadas estão agora em escolas e edifícios da UNRWA e a maioria não está equipada como abrigos de emergência.
As condições sanitárias são péssimas e temos relatos em nossa base logística, por exemplo, onde centenas de pessoas compartilham um único banheiro.
Idosos, crianças, mulheres grávidas e pessoas com deficiência são privados da sua dignidade humana básica, e isto é uma vergonha total. A menos que levemos suprimentos para Gaza agora, a UNRWA e os trabalhadores humanitários não poderão continuar as operações humanitárias.
As operações da UNRWA são a maior presença das Nações Unidas na Faixa de Gaza e estamos à beira do colapso.
Isto não tem absolutamente nenhum precedente.
Continuamos a lembrar que o Direito Internacional Humanitário deve agora estar no centro das nossas preocupações. As guerras, todas as guerras, mesmo esta guerra, têm leis.
O Direito Internacional Humanitário é a lei de qualquer conflito armado. Estabelece explicitamente os padrões mínimos que devem prevalecer em todos os momentos.
A proteção dos feridos e dos civis, incluindo os trabalhadores humanitários, não é negociável ao abrigo do direito humanitário. O ataque da semana passada a Israel foi horrível: imagens e testemunhos devastadores continuam a surgir.
O ataque e a tomada de reféns constituem uma violação flagrante do Direito Internacional Humanitário. Mas a resposta à matança de civis não pode ser matar mais civis.
Impor um cerco e bombardear infraestruturas civis numa área densamente povoada não trará paz e segurança à região.
O cerco a Gaza, na forma como é imposto, nada mais é do que um castigo coletivo. Portanto, antes que seja tarde demais, o cerco deve ser levantado e as agências humanitárias devem ser capazes de entregar com segurança suprimentos essenciais, como combustível, água, alimentos e medicamentos. E precisamos disso AGORA.
Nos últimos dias, temos defendido a entrada de combustível porque precisamos dele para a estação de água e para a central de dessalinização no sul de Gaza. Infelizmente, ainda estamos sem combustível.
Todas as partes devem facilitar um corredor humanitário para que possamos chegar a todos aqueles que precisam de ajuda.
A UNRWA e as agências humanitárias devem ser capazes de realizar o seu trabalho e salvar vidas. E devemos fazê-lo com segurança, sem arriscar as nossas próprias vidas.
Por último, apelamos também à suspensão das hostilidades por razões humanitárias, e isto deve ocorrer sem demora se quisermos evitar a perda de mais vidas.
Philippe Lazzarini é comissário-geral da UNRWA, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos no Médio Oriente.

Foto: Faixa de Gaza, outubro 2023 (UNRWA).

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