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Protestos no Quênia: muito além de um tema de impostos

Protestos no Quênia: muito além de um tema de impostos

Por Andrew Firmin

LONDRES – O presidente do Quênia, William Ruto, retirou o projeto de Lei de Finanças, que aumentava os impostos e provocou protestos massivos. Ele demitiu seu gabinete e o chefe da polícia renunciou. No entanto, a ira de muitos ainda não se dissipou, e as manifestações continuam.

As manifestações trouxeram a Geração Z queniana para a cena política, com os jovens – que representam mais de 65% da população – liderando o movimento. Desde o início dos protestos, esses jovens utilizaram amplamente as redes sociais para compartilhar opiniões, explicar o impacto das mudanças propostas, organizar manifestações e arrecadar fundos para ajudar os feridos ou detidos.

Diferente de protestos anteriores, estas manifestações têm sido muito mais orgânicas, unindo pessoas além das divisões étnicas frequentemente exploradas pelos políticos. Mesmo sabendo que a violência das forças de segurança era garantida, a população saiu às ruas. Até agora, pelo menos 50 pessoas morreram. À medida que os protestos continuam, as pessoas exigem cada vez mais responsabilidades pelos homicídios e outros atos de violência estatal.

Uma elite deslocada

A Lei de Finanças teria imposto uma taxa sobre produtos essenciais, como o pão, e sobre o uso da internet, celulares e serviços de transferência de dinheiro. As mulheres seriam ainda mais afetadas pelo aumento dos impostos sobre produtos menstruais. Para muitas, isso era simplesmente insuportável em um contexto de elevado desemprego juvenil e aumento do custo de vida.

O aumento de impostos era uma das condições exigidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em troca de um pacote de 3,9 bilhões de dólares, junto com a receita usual do FMI de cortes de gastos e privatizações, que geralmente afetam os mais pobres. Ruto continuou culpando seu antecessor, Uhuru Kenyatta, pelo desperdício em grandes projetos, mas ele próprio foi vice-presidente de Kenyatta e só rompeu com ele após não ser escolhido como candidato presidencial do seu partido.

Para os manifestantes, Ruto está tão fora de sintonia quanto os presidentes anteriores. Seus críticos o acusam de tentar reforçar sua presença na cena internacional, como ao se oferecer para que o Quênia lidere uma missão policial internacional no Haiti, atingido pela violência, enquanto ignora os problemas internos. Eles o veem como muito disposto a atender às exigências de instituições financeiras dominadas pelos EUA, como o FMI, em vez de defender os quenianos.

Problemas como corrupção e clientelismo atravessaram vários governos. Os políticos são acusados de desfrutarem de estilos de vida luxuosos, isolados dos problemas cotidianos da população. Os parlamentares quenianos são os segundos mais bem pagos do mundo, proporcionalmente, com rendimentos 76 vezes superiores ao PIB per capita médio. Mesmo assim, abundam as acusações de corrupção.

O governo de Ruto tentou criar outro nível de cargos no governo, mas, após um tribunal declarar a medida inconstitucional e enfrentar protestos, se viu obrigado a abandonar a ideia de novos escritórios para a primeira-dama, a vice-primeira-dama e a esposa do primeiro-ministro.

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Promessas não cumpridas e violência do Estado

Para muitos, a sensação de traição é maior porque, quando Ruto venceu inesperadamente as eleições de 2022, foi com uma plataforma de defensor do povo, prometendo reduzir o alto custo de vida. Mas os custos continuaram subindo e ele rapidamente quebrou suas promessas de conter os aumentos dos preços da eletricidade, eliminando subsídios à energia, combustível e farinha de milho. A Lei de Finanças de 2023 incluía uma série de novos impostos e taxas.

Essas medidas desencadearam protestos organizados pela oposição, resultando em violência estatal com seis mortos. As forças de segurança quenianas parecem não conhecer outra resposta às manifestações que não a violência. Em 25 de junho, o pior dia de violência nos protestos de 2024, as forças de segurança dispararam munição real contra manifestantes, matando vários, incluindo alvos de franco-atiradores policiais posicionados nos edifícios. Também usaram balas de borracha, gás lacrimogêneo e canhões de água, até mesmo contra a mídia e pessoal médico.

Líderes de protesto e influenciadores de redes sociais foram sequestrados e detidos. Em 25 de junho, alguns manifestantes tentaram invadir brevemente o Parlamento e provocar incêndios, mas os políticos foram acusados de pagar infiltrados para instigar a violência e justificar a brutalidade policial.

A mídia que cobria as manifestações ao vivo relatou ameaças das autoridades para encerrar a cobertura e acesso à internet foi interrompido. Contas de influenciadores foram suspensas. Ruto prometeu agir diante de provas de violência policial, mas foi criticado por seu silêncio sobre as mortes e por elogiar as ações policiais. O presidente acusou “organizações criminosas” de assumirem o controle dos protestos e descreveu a tentativa de invasão ao parlamento como “irracional”.

Os políticos difamaram repetidamente as organizações da sociedade civil, afirmando que são financiadas por potências estrangeiras. Ruto, sem provas, acusou a Fundação Ford, dos EUA, de financiar os distúrbios.

Exigências de mudança

Mais de um mês depois, continuam os protestos exigindo a renúncia de Ruto. Não se trata apenas da economia ou do presidente, mas do repúdio a toda uma classe política e seu modo de governar. A confiança nas instituições é muito baixa e, embora tenha sido prometido diálogo, muitos acreditam que ele seja superficial. O governo deve ouvir e consultar profundamente, e então mudar.

A população demonstrou seu poder e deixou claro que um sistema onde se elege uma elite política a cada poucos anos para tomar decisões por ela não é suficiente, deixando claro que deseja algo melhor.

Andrew Firmin é redator chefe de Civicus, co-diretor e redator de Civicus Lens e co-autor do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil da organização

*Imagem em destaque: Kabir Dhanji/AFP via Getty Images

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução e revisão: Marcos Diniz

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