Refugiados, o naufrágio da Europa

Refugiados, o naufrágio da Europa

No ano passado, mais de 2.500 pessoas morreram afogadas só no Mediterrâneo. Em 2023, até agora foram registrados perto de 1.200 mortes ou desaparecimentos

Na última semana a Europa, outra vez horrorizada, tomou conhecimento de mais um naufrágio no Mediterrâneo. Das setecentas pessoas confinadas e amontoadas em uma pequena traineira quase todas morreram afogadas no mar que se transformou no grande cemitério de um continente que se recusa a acolher refugiados. São fugitivos das guerras e da miséria do Oriente e da África. Eles embarcam na Líbia, um país destruído pela intervenção da OTAN em 2011 e, pelas mãos de traficantes de seres humanos, tentam o asilo na Europa.

Dois mil e quinze foi o mais cruel dos anos para os refugiados e os governos da Europa que presenciaram o maior deslocamento de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. Naquele ano, mais de um milhão e meio de fugitivos do caos no Oriente Médio chegaram em busca de proteção e quase 4 mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo. Tentavam a travessia em barcos precários, lotados de adultos e crianças em desespero, mas com alguma esperança. Explorados por traficantes de seres humanos, proibidos de entrar em vários países, foram depois de muita pressão acolhidos pela União Europeia. No ano passado, mais de 2.500 pessoas morreram afogadas só no Mediterrâneo. Em 2023, até agora foram registrados perto de 1.200 mortes ou desaparecimentos.

A Europa pagou internamente pela forçada solidariedade. Os partidos de direita e, principalmente, os de extrema direita fizeram uso político do que chamaram de “invasão” dos imigrantes para assustarem a classe média que já se defrontava com uma crise econômica. Diziam estar em defesa de uma Europa cristã ameaçada pela invasão muçulmana. E a Europa viu crescerem, como se fosse a repetição de um passado sombrio, os movimentos e os partidos de natureza neofascista e neonazista, que vêm a ser de igual teor no que apresentam como programa: ódio aos imigrantes, radical nacionalismo, euroceticismo, “democracia iliberal”, restrições à liberdade de imprensa e limitação das liberdades em nome do interesse nacional. Viu-se o crescimento de partidos como o Alternativa para a Alemanha, o francês Rassemblement National e a italiana Liga, além do fortalecimento de regimes como o de Viktor Orbán na Hungria e outros contrafortes do neonazifascismo a exemplo da Eslovênia, Polônia, República Checa, Bulgária e Áustria.

A intervenção americana no Afeganistão resultou em mais de 18 milhões de pessoas a precisar de ajuda humanitária, com necessidade imediata de comida e água potável, sem falar de educação e cuidados de saúde, segundo o International Rescue Committee. São números que certamente aumentarão à medida em que não diminui a escalada de violência. O medo, a repressão das mulheres e a violação dos direitos vão fazer com que para um número cada vez maior de pessoas não reste alternativa a não ser empreender a fuga e procurar asilo em outro país.

A fuga

Se em 2015 a crise dos refugiados teve origem nos fugitivos da guerra na Síria, espera-se agora, em 2023, uma nova crise provocada pelo recrudescimento do caos e da violência instalados no Afeganistão desde a derrota estadunidense. Os que são considerados de oposição ao Talibã estão entregues à própria sorte. Resta o caminho da fuga, repetindo o êxodo de 2015. O mundo assiste o replay dos barcos precários e superlotados tentando a travessia do Mediterrâneo na direção da Europa. Uma nova crise dos refugiados mais uma vez se avizinha, igual ou pior do que aquelas que os países do continente já conheceram.

Nos números anunciados não estão contabilizados os que escaparam até agora enfrentando as difíceis condições das fronteiras do Paquistão e do Irã.

Refugiado em Portugal, Mohammad Yusuf Taheri dá o seu depoimento ao jornal Público:

-“Quando as pessoas saem do Afeganistão, não é fácil chegar à Europa. As pessoas vendem tudo o que têm para pagar a ida, mas de 200 que saem, talvez cheguem 50. Os que têm sorte. Os outros morrem pelo caminho de fome, frio, na fronteira iraniana, na fronteira turca, nos barcos”.

A Turquia tem em seu território mais de cinco milhões de refugiados desde a guerra da Síria e seu presidente Recep Tayyp Erdogan avisou à União Europeia que seu país não continuará a servir de muro de contenção. O que deseja Erdogan é negociar a política em relação aos novos refugiados afegãos em favor da aprovação da Turquia como país membro da União Europeia. As negociações nesse sentido estão paralisadas desde 2016, depois que a UE denunciou a Turquia por violar direitos humanos e desrespeitar o Estado de direito.

A polarização

Na Alemanha, o professor Edgar Grande, diretor do Centro de Investigação da Sociedade Civil, no Centro de Ciências Sociais de Berlim, manifesta sua preocupação e diz que o tema dos refugiados deve recolocar o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no centro da política, reacendendo a polarização no país.

“Os acontecimentos no Afeganistão receberam muita atenção das pessoas. É um desastre, não só para a Alemanha, como também para o governo alemão. O problema foi desvalorizado, e como consequência temos milhares de pessoas em perigo no Afeganistão”, disse o professor. Acrescentou que a situação naquele país não é apenas um desastre político, mas também um desastre humanitário.

O primeiro governo a anunciar que não vai acolher refugiados do Afeganistão foi o da Áustria, logo em seguida à proposta da Comissão Europeia de criar rotas e canais legais para cidadãos afegãos poderem receber proteção nos países da União Europeia.

A Áustria é governada pelo partido de direita ÖVP – Oberösterreichische Volkspartei/Partido Popular Conservador, que lidera a coligação governamental com os verdes do Alternativa Verde (Die Grüne Alternative).

Os países governados pela extrema direita – como a Hungria, Polônia e seus congêneres – vão adotar a mesma posição que tiveram durante a crise de 2015: fecharão suas fronteiras aos refugiados.

Na contramão e coerente com a sua política de solidariedade, governado pelo Partido Socialista, Portugal anunciou que poderá receber refugiados de imediato e o ministro da Defesa afirmou que a situação do Afeganistão “é uma preocupação para todos nós, para todos os membros da comunidade internacional”.

*Imagem em destaque: Barco de imigrantes cruzando o Mar Mediterrâneo em direção a Europa (Guarda Costeira Italiana/Massimo Sestini)

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