Sob dívidas esmagadoras, países mais pobres terão de reduzir mais de US$ 229 bi em despesas públicas

Sob dívidas esmagadoras, países mais pobres terão de reduzir mais de US$ 229 bi em despesas públicas

Países de rendimento baixo e médio-baixo serão forçados a pagar meio bilhão de dólares todos os dias em juros e pagamentos de dívidas entre agora e 2029. Nações inteiras estão à beira da falência, com os mais pobres gastando quatro vezes mais para pagar dívidas a credores ricos, do que para investir em cuidados de…

POR THALIF DEEN

NAÇÕES UNIDAS, 9 de outubro de 2023 (IPS) – O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) regressam a África, pela primeira vez em décadas, com a “mesma velha mensagem falhada”.

“Corte os seus gastos, demita os funcionários do serviço público e pague as suas dívidas – apesar dos enormes custos humanos”, afirma o Diretor Executivo interino da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, após a divulgação do novo relatório da Oxfam.

“Têm de mostrar que podem realmente mudar, para inverter a maré de crescente desigualdade dentro e entre os países”, disse ele.

As duas instituições financeiras internacionais (IFI) sediadas em Washington realizam as suas reuniões anuais de 9 a 15 de outubro, desta vez em Marraquexe, Marrocos, no norte de África.

Em estudo divulgado nesta segunda-feira (9), a Oxfam afirma que mais da metade (57%) dos países mais pobres do mundo, onde vivem 2,4 bilhões de pessoas, terão de cortar suas despesas públicas, num total combinado de US$ 229 bilhões durante os próximos cinco anos.

Nos termos atuais, os países de rendimento baixo e médio-baixo serão forçados a pagar meio bilhão de dólares todos os dias em juros e pagamentos de dívidas entre agora e 2029.

Países inteiros estão à beira da falência, com os mais pobres gastando quatro vezes mais para pagar dívidas a credores ricos, do que para investir em cuidados de saúde.

“O Banco Mundial afirma que assistimos provavelmente ao maior aumento da desigualdade e da pobreza globais desde a Segunda Guerra Mundial, mas o Banco não tem um objetivo claro de reduzir a desigualdade”, afirma Behar.

Por seu lado, o FMI afirma mitigar os piores efeitos dos seus programas de empréstimos orientados pela austeridade através de “pisos de despesa social” que protegem as despesas do governo em serviços públicos.

No entanto, a análise da Oxfam de 27 programas de empréstimos negociados com países de baixo e médio rendimento desde 2020, concluiu que esses pisos são uma cortina de fumaça para mais austeridade: por cada dólar que o FMI incentivou os governos a gastar em serviços públicos, disse-lhes para cortarem seis dólares, seis vezes mais, com medidas de austeridade.

“O FMI está forçando os países mais pobres a uma dieta de fome, de cortes nas despesas, aumentando a desigualdade e o sofrimento”, disse Behar.

Anuradha Mittal, diretora-executiva do Oakland Institute, disse à IPS que o relatório da Oxfam demonstra a necessidade urgente de os governos do Sul Global priorizarem o aumento de impostos sobre os mais ricos, para garantir o financiamento de economias saudáveis, a prestação de serviços básicos essenciais à população e ação decisiva sobre o clima.

“Em vez disso, o Banco Mundial e o FMI estão orquestrando mais uma vez uma corrida mal conduzida para o fundo do poço, que favorece a acumulação de riqueza, ao mesmo tempo que pune os pobres e os mais vulneráveis ​​e torna as economias cada vez menos sustentáveis”, disse ela.

Olhando para a dívida e a crise climática, a única medida sensata é uma ação global coordenada para tributar a riqueza e os fluxos financeiros, declarou Mittal.

Entretanto, a Glasgow Actions Team (GAT), formada em torno da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, em 2021, em Glasgow, afirmou estar empenhada em pressionar os campeões mundiais do clima a irem mais longe, denunciando os bloqueadores e expondo os negacionistas.

“Todos os olhos estão postos (no novo Presidente do Banco Mundial) Ajay Banga e em Marraquexe”, disse Andrew Nazdin, diretor da Glasgow Actions.

“Aplaudimos as palavras do Presidente Banga sobre a transformação do Banco numa força poderosa para o bem. Agora é a sua oportunidade para que essas palavras se transformem em ações, que comecem com a eliminação progressiva do financiamento de combustíveis fósseis e a emissão de alívio da dívida.”

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“Como ativista tunisiano do Sul Global, na linha da frente daqueles que são afetados pelas políticas de fundos financeiros, e o menos responsável pelas alterações climáticas, estou aqui para expressar a minha raiva pelo que está acontecendo e protestar para alcançarmos Justiça”, disse Raouf Ben Mohamed, do Debt for Climate (Dívida pelo Clima).

Essas reuniões se iniciam, aponta a Oxfam, com duas grandes questões prioritárias: a crise da dívida e a necessidade urgente de gerar mais recursos para o desenvolvimento sustentável, a adaptação climática e o combate à pobreza em países de baixo e médio rendimento.

No entanto, as soluções que estão sendo discutidas pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelos seus maiores acionistas apenas irão transformar o círculo vicioso num vórtice. “Em vez de cancelar dívidas impagáveis, os países ricos querem usar as Assembleias Anuais para mexer no balanço do Banco e extrair dinheiro para ainda mais empréstimos”, disse Behar.

“Na sala ao lado, os países mais pobres continuam a ser instruídos a reduzir os gastos em serviços públicos e programas sociais essenciais para combater a pobreza, reduzir a desigualdade e concretizar os direitos das mulheres e das raparigas. A resposta [dessas instituições] à crise da dívida é mais austeridade, e ao abismo financeiro, mais empréstimos. Os verdadeiros benefícios para todos, como a tributação justa dos ricos, estão sendo deixados de lado”, alertou.

Enquanto as pessoas que vivem na pobreza suportam o peso dos cortes nas despesas públicas e da crise do custo de vida, os ricos estão prosperando. No Oriente Médio e no norte de África, onde decorrem as reuniões anuais:

– Os 0,05 por cento mais ricos viram a sua riqueza aumentar 75%: de US$ 1,7 bilhões em 2019, para quase US$ 3 bilhões no final de 2022. Os 23 bilionários da região acumularam mais riqueza nos últimos três anos do que em toda a década que os precedeu.

– Um imposto sobre a riqueza de 5% sobre fortunas superiores a US$ 5 milhões permitiria ao Egito duplicar os seus gastos com saúde, à Jordânia duplicar o seu orçamento para a educação e ao Líbano aumentar sete vezes os seus gastos tanto com saúde e com educação. Só Marrocos poderia angariar US$ 1,22 bilhões, neste momento em que enfrenta uma conta de reparações de US$ 11,7 bilhões devido a um recente e devastador terremoto.

“A austeridade é uma ficção ideológica que causou danos incalculáveis”, disse Behar.“Quem fará partos e salvará vidas mais tarde, quando enfermeiras e médicos em hospitais públicos perderem seus empregos agora?”

“O FMI e o Banco Mundial devem permitir que os governos prossigam com políticas econômicas que redistribuam o rendimento e invistam em bens públicos para reduzir drasticamente o abismo entre os ricos e o resto”, complementou.

Notas:

Em 2021, os países de rendimento baixo e médio gastaram 27,5 por cento dos seus orçamentos no serviço da dívida , o que representou o dobro das despesas com a educação, quatro vezes as despesas com a saúde e quase 12 vezes as despesas com a proteção social.

Acesse o relatório da Oxfam “The MENA Gap: Prosperity for the Rich, Austerity for the Rest ” e nota metodológica.

Em julho, mais de 230 economistas e líderes da desigualdade, incluindo Joseph Stiglitz, Jayati Ghosh, Thomas Piketty e quatro ex-economistas-chefes do Banco Mundial, escreveram ao novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga , para adotar novas metas e indicadores para redobrar os esforços para enfrentar a crescente desigualdade. Leia o documento.

Relatório do Bureau da ONU, publicado na Inter Press Service.

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