A minoria misógina, mais um ano

A minoria misógina, mais um ano

Por Joseph Chamie

NOVA IORQUE – Uma minoria da população mundial sofre de misoginia e continua a se opor aos esforços para alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas. Não se pode permitir que essa minoria misógina enfraqueça as políticas de igualdade de gênero apoiadas por grandes maiorias do público em todo o mundo.

De acordo com pesquisas nacionais realizadas em diferentes regiões do mundo, uma grande maioria do público apoia a igualdade de gênero e considera muito importante que as mulheres em seu país tenham os mesmos direitos que os homens.

As maiorias que apoiam a igualdade de gênero variam de altos 90% ou mais em países como Canadá, Suécia e Reino Unido a mínimos de cerca de 55% no Quênia, Rússia e Coreia do Sul (Imagem 1).

Imagem 1: Porcentagem da população que considera a igualdade de gênero muito importante para países selecionados – 2020. Fonte: Centro de Pesquisa Pew

Entre a minoria misógina, muitos consideram as mulheres inferiores aos homens e as tratam como sua propriedade pessoal, negam-lhes o controle sobre suas vidas e corpos, restringindo seus direitos políticos, sociais e econômicos e, com muita frequência as ridicularizam, intimidam e abusam fisicamente.

Os misóginos também costumam ignorar os princípios fundamentais de igualdade entre homens e mulheres consagrados em documentos, tratados, declarações e instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eles também tendem a se opor às leis e políticas de igualdade de gênero incorporadas em muitos tratados regionais e instrumentos nacionais.

A luta atual pela igualdade de gênero segue uma longa história de opressão das mulheres pelo uso de autoridade, lei, força física e violência por parte dos homens. Em muitas sociedades ao redor do mundo, mulheres e meninas têm sido injustamente impedidas de alcançar a plena igualdade e usufruir de seus direitos humanos básicos.

Em quase todas as sociedades do passado, as mulheres estavam sob o controle de seus pais e maridos e lhes era negado fazer escolhas pessoais e alcançar igualdade com os homens.

O autor Joseph Chamie

Em geral, as mulheres tinham poucas opções para se sustentar fora do casamento e se casavam ou eram obrigadas a se casar normalmente em idades relativamente jovens, com o principal objetivo de ter relações sexuais, ter filhos e manter ou trabalhar em uma casa de família.

Somente no início do século XX é que os países começaram a aprovar leis garantindo às mulheres o direito de votar e se candidatar a cargos políticos. O primeiro país a permitir que as mulheres votassem foi a Nova Zelândia, em 1893. Aproximadamente uma década depois, seguiram-se Austrália, Finlândia, Dinamarca e Islândia.

Duas décadas depois, as mulheres receberam o direito de voto nos Estados Unidos e no Reino Unido. Cerca de um século depois, os países mais recentes a permitir que as mulheres participassem das eleições são Butão, Kuwait, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Até meados do século XX, mais da metade de todos os países haviam concedido às mulheres o direito de voto, embora alguns inicialmente tivessem restrições para mulheres de determinadas origens com base na idade, educação, estado civil ou raça. Hoje, nenhum dos quase 200 países do mundo proíbe as mulheres de votar por causa de seu sexo (Imagem 2).

Imagem 2: Número acumulado de países que concedem às mulheres o direito de voto – 1900-2020. Fonte: União Interparlamentar

Várias organizações compilaram classificações e índices que indicam a posição dos países em termos de igualdade de gênero e direitos e bem-estar das mulheres. Entre os países com algumas das classificações mais altas em termos de igualdade de gênero e direitos básicos das mulheres estão Dinamarca, Finlândia, Islândia, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Suíça e Suécia.

Por outro lado, alguns dos países com as classificações mais baixas em termos de direitos e igualdade das mulheres também costumam sofrer conflitos civis, o que mina os esforços em direção à igualdade de gênero e ao bem-estar das mulheres. Entre esses países estão Afeganistão, Chade, República Democrática do Congo, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Síria e Iêmen.

Particularmente notável é a terrível situação da igualdade de gênero no Afeganistão. É o único país do mundo que proíbe a educação e o trabalho às mulheres.

Os fatores socioculturais, práticas e crenças tradicionais no Afeganistão têm contribuído para a terrível situação do país em termos de igualdade de gênero tanto na educação quanto no emprego. Meninas são proibidas de frequentar o ensino médio e o emprego das mulheres é praticamente proibido, com exceções nas áreas de saúde e educação.

Além das diferenças entre países, diferenças significativas na igualdade de gênero e no estatuto das mulheres também podem variar dentro dos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns dos estados que alcançaram os mais altos níveis de bem-estar, saúde e segurança das mulheres são Connecticut, Maine e Massachusetts, enquanto no outro extremo da classificação estão Alabama, Arkansas e Louisiana.

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Embora as mulheres representem 50% da população mundial de oito bilhões de pessoas, sua representação entre os governos e sua participação na política são consideravelmente menores. Em todos os níveis de tomada de decisão e formulação de políticas, especialmente nas áreas de defesa e economia, as mulheres estão sub-representadas.

É amplamente reconhecido que a educação de meninas e mulheres é um dos melhores investimentos do mundo, pois fornece uma base básica para toda uma vida de aprendizado, avanço e empoderamento. Em todo o mundo, as taxas de matrícula escolar nos níveis fundamental, médio e superior estão se tornando cada vez mais iguais para meninas e meninos (Imagem 3).

Imagem 3: Nível educacional alcançado mundialmente por meninas e meninos por nível escolar – 2020. Fonte: Relatório Global de Lacuna de Gênero

Aproximadamente dois terços de todos os países alcançaram a paridade de gênero nas matrículas no ensino escolar fundamental. No entanto, as taxas de conclusão em muitos países em desenvolvimento são mais baixas para as meninas do que para os meninos. Além disso, estima-se que 129 milhões de meninas em todo o mundo, 32 milhões no nível fundamental e 97 milhões no nível médio, não estão matriculadas na escola.

No nível de ensino superior, a matrícula de mulheres aumentou consideravelmente e as alunas superam os alunos em número. No entanto, as estudantes estão predominantemente matriculadas em artes, ciências sociais e humanidades, em vez de seguir carreiras em ciências, tecnologia, engenharia e matemática.

Em relação à participação na força de trabalho formal, há uma considerável lacuna de gênero, com taxas para homens e mulheres de aproximadamente 75% e 50%, respectivamente. No entanto, a maior parte do trabalho realizado por mulheres fora da força de trabalho formal em todo o mundo não é remunerada.

A participação feminina na força de trabalho varia consideravelmente entre regiões. Embora na maioria das regiões mais da metade de todas as mulheres entre 15 e 64 anos participem do mercado de trabalho, apenas um quarto ou menos o fazem nas regiões do sul da Ásia, Oriente Médio e Norte da África.

As mulheres também têm mais probabilidade de dedicar o dobro do tempo que os homens para cuidar e realizar tarefas domésticas. Entre as crianças de 5 a 14 anos, as meninas também dedicam muito mais tempo do que os meninos a afazeres domésticos não remunerados.

Outro avanço importante que influenciou consideravelmente a igualdade de gênero foi a introdução de métodos anticoncepcionais modernos para mulheres a partir da década de 1960. Esses métodos, especialmente pílulas anticoncepcionais orais, dispositivos intrauterinos e implantes, permitem que as mulheres escolham o número, o momento e o espaçamento de suas gestações.

Essa capacidade, por sua vez, reduziu o medo de gravidez indesejada, reduziu a incidência de aborto e deu às mulheres controle sobre sua vida reprodutiva semelhante ao dos homens. O controle das mulheres sobre sua reprodução também lhes permitiu buscar estudos superiores, carreiras, empregos, recreação, viagens, decidir sobre estilos de vida e participar mais plenamente na sociedade.

No passado recente, avanços notáveis foram alcançados em termos de igualdade entre mulheres e homens. No entanto, o mundo não está no caminho de alcançar o Objetivo 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas de alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas até 2030.

Ao ritmo atual de progresso, estima-se que serão necessários centenas de décadas para alcançar a igualdade de gênero, especialmente para fechar as lacunas na proteção legal e eliminar leis discriminatórias. Para reduzir esse longo período, serão necessários investimentos em políticas e programas destinados a acelerar o progresso.

Além desses investimentos, é necessário proteger e fazer cumprir os direitos básicos das mulheres. Práticas que oprimem as mulheres devem ser eliminadas e as decisões pessoais e escolhas de vida das mulheres devem ser reconhecidas e promovidas.

Além disso, e mais importante ainda, não se pode permitir que as atitudes, objeções e comportamentos da minoria misógina do mundo enfraqueçam as políticas de igualdade de gênero solicitadas e apoiadas por grandes maiorias da população em todo o mundo.

Joseph Chamie é demógrafo consultor independente. Foi diretor da Divisão de População das Nações Unidas e autor de numerosas publicações sobre questões de população, incluindo seu livro mais recente: “Births, Deaths, Migrations and Other Important Population Issues” (“Nascimentos, mortes, migrações e outros assuntos importantes sobre população”, em tradução literal).

*Imagem em Destaque: ONU

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz

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