O tráfico de seres humanos

O tráfico de seres humanos

É o mais repulsivo dos crimes cometidos contra a dignidade humana. Representa um regresso da civilização aos tempos mais sombrios da desumanidade, um mergulho profundo na insensatez e do que é capaz a mente criminosa que se organiza para o exercício da violação em benefício do lucro. O tráfico de seres humanos para o trabalho escravo, a prostituição e a retirada de órgãos vitais para serem comercializados cresce no mundo e representa uma chaga na Europa, o continente contemporâneo e culto que tem sido referência da civilização. Em sua lógica absurda, segue com rigor os cânones e as práticas do mercado capitalista.

É a terceira atividade criminosa mais lucrativa no mundo. As duas primeiras são o tráfico de drogas e a falsificação. As estimativas da ONU informam que 49,6 milhões de homens, mulheres e crianças foram traficadas em 2023, o que representou um aumento de 25% na comparação com 2016. Setenta por cento são mulheres e meninas.

O tráfico humano é a forma atual de escravização das pessoas, normalmente transnacional e seus alvos são de todos os gêneros e idades. Envolve exploração sexual, incluindo a prostituição, trabalhos forçados, escravidão e a remoção de órgãos vitais. É responsável também, através de suas vítimas, pela atividade controlada e monitorada de “pickpockets”, os batedores de carteiras, furto em lojas e a maior parte da venda de drogas no varejo das ruas.

A internet com suas redes sociais é o mais destacado dos meios de recrutamento de vítimas. Explora também os migrantes que em multidões viajam em condições miseráveis a fugir de guerras, perseguições e da miséria absoluta. Em sua vulnerabilidade muitos caem nas mãos das quadrilhas dedicadas à seleção dos que podem ser explorados mediante a armadilha de oferecer ajuda, transporte, documentos ou abrigo. O número de crianças que são vítimas desse tipo de crime triplicou nos últimos 15 anos, de acordo com os números divulgados pelas Nações Unidas. E continua a aumentar entre adultos desde o impacto da pandemia que deixou as vítimas mais sujeitas ao assédio dos traficantes. Milhões de pessoas sem trabalho, sem escola e sem apoio social estão em situação de maior risco.

Um flagelo

O Conselho da Europa divulgou um alerta informando que desde a epidemia de Covid-19 agravou-se o tráfico de seres humanos no continente europeu, pedindo aos Estados para “reforçarem a prevenção desse flagelo”. A alemã Helga Gayer, chefe do grupo de peritos que supervisiona a aplicação da Convenção do Conselho da Europa relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos diz que os efeitos da pandemia tornaram “as vítimas de tráfico ainda mais vulneráveis”.

O relatório menciona o exemplo da Espanha, onde “as plataformas digitais como a Airbnb são cada vez mais utilizadas para alugar apartamentos destinados à exploração sexual, limitando assim a capacidade da polícia de identificar vítimas de tráfico. Na Alemanha, onde a prostituição é legal e regulamentada por lei, o relatório diz que adecisão de fechar temporariamente os bordéisresultou num “aumento da prostituição escondida” e num “agravamento das condições de exploração”.

Com a transformação digital que ocorre em todo o mundo os traficantes utilizam cada vez mais os recursos oferecidos pela internet. Fazem uso das plataformas digitais para a promoção das suas ofertas e para recrutar e explorar suas vítimas. Oferecem empregos atrativos ou vendem serviços online, principalmente de natureza sexual, a clientes pagantes. As informações pessoais dos usuários de redes sociais são rica fonte para a atração de futuras vítimas. Webcâmeras e lives reduzem a necessidade de contato pessoal. As redes Facebook, Myspace, Skype, WhatsApp e o russo Vkontakte são as mais usadas pelos criminosos, assim como os sites sucessores do interditado Backspace para anúncios classificados.

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As estatísticas das Nações Unidas, em sua frieza, dizem que de cada 10 vítimas identificadas cinco eram mulheres adultas e duas eram meninas adolescentes. E um terço eram crianças. Enquanto nos países pobres as crianças são traficadas para trabalho em plantações, minas ou pedreiras, nos países ricos são vítimas de exploração sexual, tráfico de drogas ou para mendigar nas ruas. Há também registro de casos de casamentos forçados, venda de bebês e remoção de órgãos para tráfico internacional.

Mercadorias valiosas

Os traficantes estão no negócio do crime organizado. Eles enxergam as vítimas como simples mercadoria sem qualquer consideração pela sua dignidade. É um lucrativo negócio pois a venda de seres humanos chega a milhões de dólares e favorece o crescimento de grandes organizações criminosas. As crianças são um alvo fácil nas redes sociais pela sua necessidade de aceitação, atenção e amizade.

A Interpol afirma que nos últimos anos o dinheiro arrecadado pelos traficantes de pessoas está quase nos mesmos níveis dos ganhos do tráfico de drogas e de armas.

O Escritório da ONU para Drogas e Crimes – UNODC identificou duas estratégias para o recrutamento das vítimas nas redes sociais: a caça, em que o traficante persegue continuamente a sua vítima; e a pesca, quando são publicados anúncios de emprego e os traficantes aguardam a resposta das potenciais vítimas.

Mercado negro

Para fazer um transplante dentro da lei é preciso entrar numa fila de espera e aguardar até que surja a oportunidade de um doador. No Brasil, todos os anos morrem centenas de pessoas à espera de um órgão. No momento, há 46 mil pacientes numa fila que tem crescido 30 por cento a cada ano, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos-ABTO. Na Europa, contam-se 60 mil pessoas à espera de um transplante e uma média de 12 morrem todos os dias enquanto aguardam a sua vez.

Dom José Traquina, Bispo de Santarém e presidente da Pastoral Social, em Portugal, chama a atenção para a existência de pessoas em “sofrimento profundo” e resume:

– “Os traficantes e exploradores de seres humanos são oportunistas da desgraça que se aproveitam das situações de pessoas em fragilidade, pobreza e insegurança para delas se apropriarem e explorarem. Na verdade, nunca tivemos tantos marginalizados, tantas pessoas consideradas inúteis que se tornam interessantes para a escravatura – são milhões”.

*Imagem em destaque: Flickr

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