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Ensino secundário, o maior gargalo da educação brasileira

Ensino secundário, o maior gargalo da educação brasileira

Os desafios educacionais do país são colossais. Em 2023, havia 47,3 milhões de estudantes matriculados na educação básica e 6,5 milhões em cursos universitários. Além disso, existem 68 milhões de brasileiros sem escolaridade básica.

POR MÁRIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – Alice passou oito semanas sem aulas de língua portuguesa depois de iniciar o primeiro ano do ensino secundário, a 5 de fevereiro, nesta cidade brasileira. O seu professor de química só deu duas aulas e depois desapareceu. Mas o pior é a sala de aula sem ar condicionado no calor de mais de 35 graus em alguns dias do verão do sul carioca.

A escola pública de um bairro central do Rio de Janeiro, com mais de 500 alunos, exemplifica as condições do ensino público no Brasil, com professores mal pagos e o consequente absentismo, além de infra-estruturas deficientes e outros problemas.

É justamente o ensino médio o maior gargalo da educação brasileira, segundo uma avaliação consensual entre especialistas. Esse é o nome dado no país ao ciclo de três anos que completa a educação básica e sucede os nove anos do ensino fundamental, como é conhecido localmente o ensino básico. O ensino fundamental recebe normalmente alunos dos seis aos 14 anos, e o ensino médio, dos 15 aos 17 anos.

Desde 27 de março, o Senado está debatendo uma reforma da Nova Lei do Ensino Médio, que entrou em vigor há apenas dois anos. O governo, no poder desde janeiro de 2023, propôs as modificações já aprovadas pela Câmara dos Deputados nas suas partes essenciais.

O Brasil tenta assim superar as fragilidades do seu sistema de ensino que mantêm o país nos últimos lugares das avaliações comparativas, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que analisa 81 países.

A nova reforma aumenta de 1.800 para 2.400 o número de horas que devem ser dedicadas durante os três anos às disciplinas obrigatórias e comuns, como matemática, ciências naturais e humanas, português, inglês e espanhol.

Prevê ainda a ampliação da educação em tempo integral para um mínimo de sete horas diárias, como no ensino técnico.

“Os dados mostram um cenário desafiador, com muitos alunos atrasados devido à reprovação ou ao abandono escolar. Além da “torta de mídia” e de outras medidas em curso, são necessárias políticas sistêmicas, como infraestrutura adequada, professores e ensino em tempo integral”, Natália Fregonesi.

Nas escolas primárias e secundárias a tempo inteiro, os alunos permanecem na escola pelo menos sete horas por dia, têm aulas regulares de manhã e atividades extra, como cursos técnicos, esporte ou estudos dirigidos, à tarde ou vice-versa.

Além disso, recebem duas ou três refeições na escola e, em alguns casos, podem tomar banho nas instalações, um atrativo para os estudantes e as famílias com baixos rendimentos num país com grandes desigualdades sociais.

Mesmo assim, as oportunidades não são homogêneas porque o ensino básico público está nas mãos dos municípios, o ensino secundário nas mãos dos governos estaduais e o ensino universitário nas mãos do governo central.

A nova reforma depende agora da ratificação do Senado.

No ensino médio, outras 600 horas são destinadas a disciplinas optativas, dependendo do interesse do aluno, e podem ser ampliadas no caso de cursos técnicos.

Atualmente, esta flexibilidade prevê 1200 horas, mas não é gerida de forma adequada em muitas escolas. Alice, a estudante que preferiu ocultar a sua identidade com este nome fictício, queixa-se de que estas horas são utilizadas para aulas das mesmas disciplinas regulares ou sem um objetivo definido.

“Uma professora passou muito tempo explicando o que simbolizam as cores da bandeira nacional”, disse à IPS.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou no dia 26 de janeiro de 2024, em Brasília, o programa “Pé de meia” (poupança), que pagará 40 dólares por mês a estudantes pobres do ensino médio público como incentivo para que permaneçam na escola. Imagem: Ricardo Stuckert / PR

Combate à evasão escolar

O governo também criou o programa “pé de meia”, que no Brasil significa poupança. Ele oferece 2 mil reais por ano, divididos em 10 parcelas mensais, a estudantes do ensino médio cujas famílias sejam pobres e estejam inscritas no Cadastro Único de Assistência Social do governo. Para receber o auxílio, eles precisam comprovar que frequentam pelo menos 80% das aulas.

O objetivo é conter a evasão escolar, que é maior no ensino médio do que no fundamental.

Em 2023, a taxa de abandono escolar atingirá 480 000 alunos, conforme o recenseamento escolar do Ministério da Educação, divulgado na quarta-feira, 2 de abril.

No país de 203 milhões de habitantes, nove milhões de adolescentes e jovens de 15 a 29 anos estão fora da escola e não concluíram o ensino médio, segundo dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A poupança pode não parecer muito dinheiro, mas é importante “como complemento” para os adolescentes, que geralmente exercem trabalhos informais, e para as famílias de baixa renda, que se beneficiam de programas sociais, disse Natália Fregonesi, coordenadora de políticas educacionais da organização não governamental Todos pela Educação.

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A pesquisa anual do IBGE aponta a necessidade de trabalhar como a principal causa da evasão escolar, que chega a 47,1% entre os jovens de 15 a 29 anos. Há um forte contraste entre homens, com uma taxa de 53,4%, e mulheres, com 25,5%. Entre as causas de abandono entre as mulheres, a gravidez é a segunda mais comum, com 23,1% do total feminino.

Entre os homens, o desinteresse pelos estudos está em segundo lugar, com 25,5%.

O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou no dia 16 de janeiro de 2024 os resultados dos exames realizados pelos alunos do ensino médio para ingressar nas universidades. Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Mais tempo na escola

“Os dados mostram um cenário desafiador, com muitos alunos ficando para trás devido à reprovação ou abandono da escola. Além do “pé de meia” e de outras medidas em curso, são necessárias políticas sistêmicas, como infraestrutura adequada, professores e ensino em tempo integral”, resume Fregonesi, químico especialista em políticas educacionais.

O tempo integral na sala de aula é um modelo eficiente, pois estabelece outra relação entre o aluno e a escola, oferece outros cursos além do currículo regular, promove “projetos de vida” e dá protagonismo ao aluno, além de ter professores em tempo integral, disse o especialista à IPS, por telefone, de São Paulo.

A ideia é aumentar o número de escolas com esse modelo, que já existem em todo o país, mas de forma muito desigual. Enquanto o Estado de Pernambuco, na pobre região Nordeste, tem 66,8% de seus alunos em tempo integral, o Distrito Federal, onde fica a capital, Brasília, tem apenas 5%, e São Paulo, o Estado mais rico, tem 25,9%.

Em média, apenas 21,9% dos alunos da rede pública estudam em tempo integral.

Mas disseminar esse formato exige grandes investimentos, e o Brasil tem recursos públicos limitados disponíveis. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que reúne 38 países, o Brasil é um dos que menos investe por aluno na educação básica.

A Conferência Nacional de Educação, realizada em Brasília em janeiro de 2024, foi um entre centenas de fóruns para discutir a reforma do ensino médio a ser aprovada pelo Senado. A Câmara dos Deputados já aprovou uma versão, com aumento do número de horas e aulas em disciplinas regulares comuns a todos os alunos e cursos técnicos. Imagem: José Cruz / Agência Brasil

Prioridade ao ensino técnico

Outra medida que está sendo perseguida é a expansão do ensino técnico. No Brasil, apenas 11% das matrículas no ensino médio incluem cursos técnicos, contra mais de 40% nos países da OCDE, disse Fregonesi.

“Há um certo preconceito contra o ensino técnico no Brasil, como uma modalidade “inferior” ao ensino médio, como uma preparação para a universidade”, disse. Mas é uma formação profissional em falta na economia nacional e prepara igualmente para o ensino superior.

No Brasil, há uma crescente procura não satisfeita de mão de obra qualificada, por exemplo, nas tecnologias da informação e da comunicação, o que justifica a expansão do ensino secundário técnico.

Os desafios educacionais do país são colossais. Em 2023, havia 47,3 milhões de estudantes matriculados na educação básica e 6,5 milhões em cursos universitários. Além disso, existem 68 milhões de brasileiros sem escolaridade básica.

Para além destes números, o fato é que a queda da taxa de natalidade está reduzindo a população escolar. Em 2019, ano anterior à eclosão da pandemia, havia 57 milhões de matriculados. A pandemia provocou uma redução de 9,5 milhões nesse número.

A educação no Brasil funciona como um fator de ascensão social e, ao mesmo tempo, de desigualdade. Cerca de 20% dos estudantes, obviamente das classes mais ricas, frequentam escolas privadas no ensino básico, que são geralmente mais bem dotadas de recursos e têm melhor desempenho do que as escolas públicas.

No ensino superior, a situação é paradoxalmente inversa. Os filhos das camadas de maior renda, mais bem educados nas escolas particulares, têm acesso facilitado às universidades públicas, que oferecem melhor formação do que as universidades privadas e, portanto, melhores chances de ascensão profissional.

Para corrigir esse desequilíbrio, os governos progressistas das últimas décadas criaram cotas raciais e sociais para beneficiar os negros e os alunos das escolas públicas de ensino fundamental, geralmente mais pobres.

Todas essas medidas e algumas políticas, como os sistemas de financiamento da educação básica mantidos por municípios e governos estaduais, promoveram pequenos avanços na educação brasileira, mas claramente insatisfatórios.

Esse processo sofreu um revés com a pandemia e o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (2019-2022), agora o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenta restabelecer o caminho.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

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