França vem em socorro do direito ao aborto no mundo
A decisão encoraja os movimentos feministas em todo o mundo e é uma resposta às tendências anti-direitos que também têm avançado nos últimos anos. Na foto acima, imagem da manifestação de 2016 pela legalização do aborto no Brasil (Crédito: Fernando Frazão/ Agência Brasil).
POR CORRESPONDENTE IPS
PARIS – A inclusão do direito ao aborto na Constituição, decidida pelo Congresso francês – o primeiro país a fazê-lo – é vista pelas organizações humanitárias e mídias internacionais como uma vitória sobre os movimentos anti-direitos que também têm avançado no mundo.
Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional (AI), afirmou que “a consagração do aborto na Constituição é um dia histórico para os direitos das mulheres, um baluarte contra os movimentos anti-direitos”.
“É uma mensagem de esperança e solidariedade para os grupos de mulheres e para todos os que defendem o aborto e outros direitos sexuais e reprodutivos”, acrescentou Callamard.
No dia 4 de março, no Palácio de Versalhes – símbolo da grandeza do país – o Parlamento francês introduziu este parágrafo no artigo 34º da Constituição: “A lei determina as condições em que é exercida a liberdade garantida às mulheres de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez”.
Votaram a favor 780 senadores e deputados reunidos – uma maioria amplamente superior aos três quintos requeridos, desde representantes da esquerda até da extrema-direita – com 72 votos contra e 50 abstenções.
Essa votação “é uma vitória para as organizações da sociedade civil que têm feito campanha pela justiça reprodutiva, que permite aos cidadãos tomar decisões informadas sobre suas vidas, seus corpos, sua saúde e seu bem-estar”, disse Hillary Margolis, pesquisadora na organização Human Rights Watch (HRW).
“Orgulho francês, mensagem universal. Vamos celebrar juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição”, Emmanuel Macron.
A França despenalizou o aborto e autorizou a interrupção voluntária da gravidez desde 17 de janeiro de 1975, com uma legislação impulsionada pela então ministra da Saúde e histórica defensora dos direitos das mulheres, Simone Veil, durante a presidência de Valery Giscard d’Estaing (1974-1981).
O atual presidente, Emmanuel Macron, decidiu impulsionar a constitucionalização desse direito e comemorou com uma mensagem em suas redes sociais: “Orgulho francês, mensagem universal. Vamos celebrar juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição”.
Do outro lado, a Igreja Católica reagiu com uma declaração da Pontifícia Academia para a Vida indicando que o aborto “continua sendo um atentado à vida em sua origem. Na era dos direitos humanos universais, não pode haver direito de tirar uma vida humana”.
Os movimentos sociais e políticos na França avançaram na reforma da Constituição depois que nos Estados Unidos a Suprema Corte fez retroceder conquistas nos direitos das mulheres neste país.
Em 24 de junho de 2022, o tribunal máximo dos Estados Unidos anulou o decidido em 1973 pela Corte no caso “Roe vs. Wade”, que protegia constitucionalmente a liberdade de uma mulher grávida para escolher abortar sem muitas restrições.
Com a decisão “Roe vs. Wade”, muitas leis federais e estaduais sobre o aborto foram anuladas, mas o debate persistiu na nação norte-americana e levou à decisão de 2022, tomada com os votos de seis juízes contra três.
Enquanto isso, na América Latina, a legislação e as propostas a favor do direito ao aborto avançaram na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia e no México, ao ponto de 37% da população da região viver em países onde as mulheres conquistaram o direito ao aborto legal ou o direito de não serem presas por abortarem.
No entanto, há sinais de estagnação ou de retrocesso, uma vez que no Chile falharam as tentativas de adoção de uma nova Constituição e na Argentina os deputados do partido La Libertad Avanza, do novo Presidente Javier Milei, apresentaram em fevereiro último um projeto de lei que visa proibir e criminalizar o aborto naquele país.
No final de 2020, após intensas mobilizações dos movimentos feministas, o Congresso argentino aprovou uma legislação que autoriza a interrupção da gravidez.
Durante o debate no parlamento francês, a líder do partido de esquerda La France Insoumise, Mathiulde Panot, disse que a reforma é “uma promessa para as mulheres que lutam em todo o mundo pelo direito de dispor de seus corpos, na Argentina, nos Estados Unidos, em Andorra, na Itália, na Hungria ou na Polônia”.
Callamard referiu-se ao caso americano e disse que “o exemplo dos Estados Unidos mostra quão devastador, perigoso e regressivo é enfraquecer o aborto como direito”.
Ela lembrou que na Europa “ainda há países como Polônia e Andorra, onde o acesso ao aborto é extremamente limitado e os que lutam por esse direito são perseguidos”.
“A votação de hoje na França deveria abrir caminho para uma maior proteção ao acesso ao aborto em outras partes do mundo”, acrescentou Callamard.
Os principais jornais de várias capitais também apresentaram a reforma na França como uma resposta aos movimentos regressivos ou conservadores e um apoio à causa dos direitos das mulheres em todo o mundo.
Artigo publicado na Inter Press Service.
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