Nova Zelândia e a volatilidade política sob a crise do custo de vida
Por Andrew Firmin
LONDRES – É um revés rápido para o Partido Trabalhista da Nova Zelândia, no poder há seis anos. Nas últimas eleições de 2020, eles conquistaram uma maioria absoluta, o primeiro partido a fazê-lo com o atual sistema de votação. Mas, três anos depois, ficaram em um distante segundo lugar nas eleições realizadas em 14 de outubro.
O resultado reflete um padrão mais amplo observado em muitos países em um contexto de crise econômica: uma intensa volatilidade política e rejeição dos partidos no poder.
O entusiasmo por Jacinda Ardern diminui
A ex-líder do Partido Trabalhista, Jacinda Ardern, cativou o público quando assumiu o comando de seu partido em agosto de 2017. Os trabalhistas estavam cambaleando, mas ganharam cadeiras nas eleições no mês seguinte e formaram inesperadamente um governo de coalizão.
Aos 37 anos, Ardern se tornou a primeira-ministra mais jovem da história de seu país e a chefe de governo mais jovem do mundo. Muitos a consideraram um sopro de ar fresco, com uma abordagem política próxima e empática. A líder desfrutou de um perfil internacional sem precedentes para um primeiro-ministro neozelandês.
Nas eleições de 2020, Ardern e seu partido foram recompensados pelo que foi considerada uma resposta eficaz à pandemia, que salvou cerca de 20.000 vidas. Parecia que estava surgindo a oportunidade de avançar com uma agenda ambiciosa.
O governo pôde se orgulhar de avanços na descriminalização do aborto, no fortalecimento das leis de controle de armas e na introdução de direitos trabalhistas mais rígidos.
No entanto, muitos consideravam que o governo tinha uma agenda legislativa sobrecarregada, não conseguindo avançar em questões cruciais, como a pobreza infantil, enquanto os eleitores estavam cada vez mais preocupados com a alta inflação.
Ardern anunciou sua renúncia em janeiro de 2023. Sua popularidade e a de seu partido haviam diminuído no meio da escalada do custo de vida, que alguns atribuíram aos longos bloqueios devido à pandemia.
A primeira-ministra havia sido alvo de uma enxurrada de insultos na internet, muitos deles de natureza cruelmente misógina. No ano passado, a polícia da Nova Zelândia relatou que as ameaças contra Ardern quase triplicaram em dois anos, à medida que a desinformação antivacina e as teorias da conspiração ganhavam adeptos extremistas.
Em 2022, manifestantes antivacina acamparam por semanas em frente ao Parlamento. Os protestos, que acabaram em violência, atraíram extremistas de extrema direita.
Foram níveis de virulência nunca antes vistos na Nova Zelândia e que ressurgiram durante a campanha eleitoral, na qual as mulheres e os candidatos maoris, em particular, foram alvo de intimidações e casos de violência.
O substituto de Ardern como primeiro-ministro, Chris Hipkins, prometeu se concentrar em questões básicas. Ele cortou muitas políticas progressistas e apostou decididamente no centro. Mas sua estratégia fracassou.
Os trabalhistas foram o único partido importante que perdeu votos. Perderam apoio em favor do Partido Nacional, de centro-direita, o outro partido no governo da Nova Zelândia, junto com o partido Act, de direita, e o nacionalista e populista NZ First. Mas também perderam eleitores mais progressistas, e o Partido Verde e o Te Pāti Māori, que defende os direitos dos povos indígenas, ganharam apoio.
Uma coalizão frágil se avizinha
Ainda não está claro que tipo de governo será formado. Os resultados são provisórios e não serão finalizados até 3 de novembro, com mais de meio milhão de “votos especiais” pendentes de contagem, muitos deles de neozelandeses que vivem no exterior. Devido à morte de um candidato, também haverá eleições parciais.
O Partido Nacional detém 50 assentos no parlamento unicameral de 121 assentos; o funcionamento do sistema eleitoral implica que o parlamento se expandirá para 122 assentos assim que todos os votos forem contados.
Com esse total, está claro que o Partido Nacional liderará um governo de coalizão, com Christopher Luxon como primeiro-ministro. No entanto, uma aliança entre o Nacional e o Act pode não ser suficiente para garantir a maioria. Pode ser necessário que o NZ First também faça parte da coalizão.
O NZ First é uma criação do oportunista e inconformista Winston Peters. Ao longo de sua longa carreira, Peters conseguiu se posicionar como um anti-sistema ao mesmo tempo em que trabalhava com os dois principais partidos em governos de coalizão, incluindo o primeiro governo de Ardern, e ocupou o cargo de vice-primeiro-ministro em duas ocasiões.
Desta vez, ele soube aproveitar o sentimento anti-governamental gerado pela pandemia, inclusive se opondo ao mandato de vacinação.
Um dos objetivos de sua campanha foram os direitos dos maoris, e Peters, também maori, se comprometeu a retirar seu apoio à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Outro de seus objetivos foram os direitos dos transexuais, aproveitando as mesmas correntes de indignação fabricada observadas na Europa e na América do Norte, com uma proposta de lei para restringir o acesso de transexuais a banheiros.
Os números podem significar que o Partido Nacional achará mais fácil governar com Peters do que sem ele, embora os três partidos discordem em questões-chave, como economia e habitação. Pode ser um caminho difícil.
Avanços revertidos?
Para a sociedade civil na Nova Zelândia, a questão agora pode ser como defender melhor os avanços conquistados e manter na agenda questões vitais como a mudança climática.
A crise climática mal foi mencionada durante a campanha, apesar de o país experimentar condições climáticas extremas, juntamente com o resto da Oceania.
Hipkins rejeitou uma série de reformas no transporte destinadas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O partido Act, que com certeza fará parte do governo, deseja eliminar a Comissão de Mudança Climática da Nova Zelândia e a Lei de Carbono Zero, que impõe um plano e um limite para a redução das emissões.
As experiências do governo anterior com “governança conjunta” – essencialmente, a gestão colaborativa, principalmente dos recursos ambientais, entre o governo e representantes maoris, baseada no Tratado Fundamental de Waitangi da Nova Zelândia – parecem estar chegando ao fim.
Todos os partidos que provavelmente farão parte do novo governo atacaram essas medidas com uma enxurrada de afirmações hiperbólicas. Act e NZ First acusam os esforços de questionar a exclusão dos maoris de privilegiá-los em relação a outros grupos da população.
O perigo é que aqueles que se opõem firmemente aos direitos dos maoris se sintam encorajados, o que antecipa um aumento da divisão e da polarização.
A Nova Zelândia oferece uma lição sobre as consequências políticas dos impactos da pandemia e da crise do custo de vida agravada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Em apenas três anos, um apoio político esmagador se evaporou. Os avanços podem ser temporários e sujeitos a um rápido retrocesso. A sociedade civil deve ser capaz de mudar de estratégia com a mesma rapidez, passando de pleitear mais a defender as conquistas já alcançadas.
Andrew Firmin é o editor-chefe da Civicus, co-diretor e redator da Civicus Lens, e coautor do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil da organização
*Imagem em destaque: Winston Peters, do NZ First (esquerda) e Jacinta Ardern, do Partido Trabalhista (direita), com a ex-governadora-geral da Nova Zelândia Dame Patsy Reddy, em 2017 (Wikimedia Commons)
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz
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