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O conflito armado no Sudão precisa de soluções da sociedade civil

O conflito armado no Sudão precisa de soluções da sociedade civil

Por Andrew Firmin

LONDRES – Recentemente foi relatado que os dois principais protagonistas do atual conflito no Sudão, os líderes das forças armadas e as milícias em guerra desde abril, concordaram em realizar conversas presencialmente.

A Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, em inglês), um organismo da África oriental, anunciou o possível avanço, embora o Ministério das Relações Exteriores do Sudão tenha afirmado desde então que a declaração da IGAD é imprecisa, criando mais incerteza.

Não há dúvida de que é urgente pôr fim à violência. O conflito criou uma crise humanitária e de direitos humanos.

Mas os dois líderes envolvidos, Abdel Fattah al Burhan, das Forças Armadas Sudanesas (FAS) e chefe do conselho militar do país, e Mohamad Hamdan Dagalo, conhecido como Hemeti, da milícia Forças de Apoio Rápido (FAR), forneceram muitas evidências para duvidar de que estejam realmente interessados na paz ou em prestar contas pelas atrocidades cometidas.

Crimes contra os direitos humanos por todos os lados

Al Burhan e Hemeti foram parceiros no golpe de Estado de outubro de 2021 que derrubou o governo civil que seguiu a revolução de 2019. Seu conflito começou em um momento crucial para um suposto retorno ao governo civil e em meio a um plano para absorver as FAS e as FAR.

Mais do que tudo, parece ser uma batalha pessoal pelo poder entre os dois líderes.

O conflito começou nas ruas da capital, Cartum, e de sua cidade vizinha, Omdurman. Desde então, se espalhou para outras regiões. Existem outros grupos rebeldes ativos, alguns agindo independentemente das duas forças principais.

Todos os lados atacam civis, e há evidências claras de que crimes de guerra e crimes contra a humanidade estão sendo cometidos. Mais de 12.190 pessoas morreram desde o início do conflito. A ONU também estima que 6,6 milhões de pessoas foram deslocadas, o maior número de deslocados internos do mundo.

O conflito se estendeu a Darfur, cenário de um genocídio contra grupos étnicos locais cometido pelas FARF e outras milícias árabes e que começou em 2003. Vinte anos depois, pessoas estão sendo novamente assassinadas apenas por sua origem étnica. A milícia agora controla grande parte da região.

Em novembro, em resposta à limpeza étnica realizada pelas FAR, as principais milícias de Darfur se juntaram às FAS, resultando em uma nova escalada do conflito.

O caos do conflito causou um surto de cólera, o colapso do sistema de saúde e ataques ao pessoal médico. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) alertou recentemente para o agravamento da crise da fome.

No Chade, um país de baixa renda que já tinha cerca de um milhão de deslocados antes do início do conflito, os centros de refugiados têm dificuldade em receber os que chegam do Sudão, e as pessoas vivem amontoadas e em condições insalubres, expostas a uma insegurança contínua.

Os trabalhadores humanitários estão na mira. Este mês de dezembro, duas pessoas morreram em um ataque a um comboio da Cruz Vermelha em Cartum. Os jornalistas também estão na mira, dificultando a obtenção de notícias precisas e independentes no local. Em Cartum, a RSF transformou edifícios de mídia em centros de detenção.

No entanto, a resposta da comunidade internacional tem sido totalmente inadequada. Recentemente, a ONU anunciou que só recebeu 38,6% dos 2,6 bilhões de dólares necessários para a resposta humanitária em 2023, e só pôde ajudar uma parte dos necessitados.

Também no início de dezembro, o mandato da Missão Integrada de Assistência da ONU no Sudão foi encerrado a pedido do governo liderado pelas Forças Armadas Sudanesas. Sua missão era apoiar uma transição democrática. A medida foi um sinal preocupante de que o governo quer menos supervisão internacional, em vez de mais.

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Uma história de ilusões

Com outros conflitos dominando as manchetes globais – primeiro a Ucrânia, agora Gaza – o mundo não está prestando atenção ao que está acontecendo no Sudão. Mas isso não significa que os Estados tenham deixado de tomar partido.

O tamanho, a riqueza mineral e a posição geográfica do Sudão lhe conferem importância estratégica. Há muito tempo, Estados estrangeiros têm feito cálculos em interesse próprio.

Antes do conflito, a maioria dos Estados, assim como a ONU, confiava no exército como fonte de estabilidade. Com essa ideia agora em ruínas, os Estados estão decidindo qual lado é sua melhor aposta.

Aparentemente, os Emirados Árabes Unidos fornecem armas às FAR, e recentemente o Ministério das Relações Exteriores expulsou vários de seus diplomatas. A Rússia também está do lado das milícias.

Esses dois países estão interessados no ouro do Sudão. Por outro lado, o Egito, seu vizinho ao norte, sempre apoiou firmemente o establishment militar, e se especula que os Estados Unidos estão propensos a escolher as FAS como a alternativa menos prejudicial.

Embora aparentemente bem-intencionados, os Estados e as organizações internacionais sempre pecaram por serem ilusórios. Antes do conflito, confiavam nas promessas de um plano de transição liderado pelos militares. Todos os processos tentados desde o golpe de Estado só deram mais poder aos líderes que agora estão em guerra.

Necessidade de capacitar a sociedade civil

É hora de ouvir a sociedade civil sudanesa e permitir que ela contribua para abrir caminho para a paz.

A sociedade civil sudanesa é complexa e heterogênea. Existe uma elite que apoiou amplamente a suposta administração de transição que surgiu após o golpe. Existem organizações estabelecidas da sociedade civil que trabalham para fornecer serviços essenciais e defender os direitos.

Mas a maior fonte de oposição ao governo armado vem dos comitês de resistência: grupos informais de bairro que desempenharam um papel crucial na revolução de 2019.

Os comitês são democráticos e tomam decisões por consenso. Eles defendem um governo civil e rejeitam os cálculos do mundo exterior sobre qual forma de governo militar pode garantir melhor a estabilidade, o que para os comitês de resistência significa continuar com a opressão. Eles também se tornaram uma fonte crucial de resposta humanitária, como o fornecimento de alimentos, água e cuidados de saúde.

Diferentes comitês de resistência trabalharam juntos para desenvolver um plano de transição para a democracia. Mas o mundo exterior parece perplexo, lutando para se envolver com um movimento sem líderes e rejeitando as demandas por um governo civil democrático, considerando-as demasiado ambiciosas.

Mas todo o resto falhou. Não deve haver caminho para que nenhum dos líderes militares envolvidos retenha o poder.

Quando a paz chegar, a prestação de contas pelos crimes contra os direitos humanos também deve chegar. E nada disso acontecerá a menos que a democracia o faça, o que significa uma sociedade civil capacitada e empoderada.

Andrew Firmin é editor-chefe da Civicus, codiretor e editor da Civicus Lens e coautor do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil da organização.

*Imagem em destaque: RawPixel

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz

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