A ausência de autocrítica na esquerda partidária sindical e os perigos do modismo verde
Por Mauricio Laxe*
Confesso que fiquei incomodado com as recentes colocações do Presidente Lula na cerimônia do Dia do Meio Ambiente. Afinal, Lula alegou que o foco era esse Dia Mundial e que queria “dar consciência à sociedade brasileira” de que a questão do meio ambiente não é mais uma questão de “ativista”, “universitária” ou, como diziam antigamente, de “bicho-grilo”. E emendou ainda que a questão ambiental requer um chamamento à responsabilidade dos seres humanos, para que não destruam suas casas, o ar que respiram ou a água que bebem, pois ainda temos uma chance e que tudo depende de nós, inclusive o futuro do ser humano. No conjunto, estamos de acordo, mas em uma parte simbólica, discordamos.
Presidente, diante dessas colocações, considero necessário esclarecer que a questão ambiental não é, e nunca foi, coisa só de “bicho-grilo” ou de “ativista”. Sempre realçávamos que é uma questão de todos e relacionada diretamente ao âmago do sistema econômico vigente, que afeta diretamente todos na sociedade, como resultado direto das ações dos “bicho-homem” na busca insana pelo lucro, a famosa mais-valia, por meio da exploração direta do seu semelhante e da natureza.
Portanto, para alterar essa realidade, o meio ambiente deve ser o centro das políticas, e era isso que dizíamos há décadas, quando nos titulavam de maneira desdenhosa. Destaco ainda que nós, militantes dos movimentos ambientalistas e desde sempre também socialistas, fomos e continuaremos sendo, com orgulho, ativistas na sociedade e nos partidos de esquerda, nunca fomos “bicho-grilos”. Somos, sim, “Ecossocialistas, graças a Deus”. Da mesma forma, como muitos também foram ativistas no campo sindical e nos demais movimentos sociais durante o desenrolar de suas histórias, inclusive Lula, sem nenhum demérito.
Mas boa parte dos que estavam desde os primórdios nas direções partidárias ao seu lado eram os mesmos que também nos adjetivavam de “ecochatos”, de forma pejorativa e preconceituosa, buscando muitas vezes denegrir e desqualificar as nossas proposições programáticas e alertas políticos. Desde o processo de construção do Programa Brasil Urgente de 1989, passando por 1994 e 1998, com propostas de bases ecológicas para um desenvolvimento sustentável, ou até mesmo recentemente, em 2022, fomos simplesmente companheiros de luta. Por isso, sempre estivemos ao seu lado e continuamos assim até os dias atuais, lutando por uma sociedade inclusiva, com justiça socioambiental e climática.
Infelizmente, na realidade ainda há um preocupante nível de “analfabetismo ecopolítico”, que perdura no meio sindical e nos partidos de esquerda até hoje. Muitos desses companheiros ainda estão na lógica dos séculos XX e XIX, incluindo boa parte dos quadros históricos da própria esquerda brasileira, alguns hoje em cargos governamentais, que continuam, na prática, na pequenez retrógrada de defender o desenvolvimentismo.
Na prática, são contraditórios com os seus próprios discursos esverdeados, pois também seguem, ao mesmo tempo, defendendo novas frentes de exploração de petróleo e gás, inclusive na Amazônia, e não priorizam investimentos na mobilidade ferroviária (trens, metrô, vide novo PAC). Assim como não fomentam a gestão dos resíduos sólidos, a arborização e a reforma urbana nas cidades, a agroecologia e a consolidação dos CARs, dos CTFs e das Reservas Legais no meio rural. Quem promove ou fiscaliza certas questões socioambientais de fato?
Tampouco apresentaram exigências ao setor automobilístico para que produzam veículos já com motores a álcool e elétricos a partir de 2025, ou que promovam uma real democratização do acesso às energias alternativas para a população das periferias e não só ao setor empresarial. E o que é pior, ao mesmo tempo mantêm um grave processo de sucateamento dos órgãos ambientais, inclusive com garrotes tanto financeiros quanto funcionais, os quais foram iniciados no governo anterior.
Além disso, ainda achacam os servidores e fiscais ambientais, em detrimento de outros servidores de instituições públicas que também possuem poder de polícia. Ao mesmo tempo, prometem desmatamento zero e se esforçam para fazer bonito na COP-30, enquanto o cerrado vai desaparecendo pela ganância do agronegócio e segue sendo contaminado por agrotóxicos, que ainda predominam no meio rural, mesmo os proibidos em outros países.
No campo político-administrativo, a gestão das águas e o saneamento básico ainda se mantêm pulverizados em diferentes estruturas públicas na União e nos estados. Por que persistem com tais distorções, mesmo depois de décadas da aprovação da Política Nacional de Meio Ambiente, integrada à de Recursos Hídricos? Inexplicavelmente, continuam dissociando o gerenciamento desse recurso essencial à vida humana da própria gestão ambiental, para alegria dos que querem tratar a água como uma mercadoria, como sempre fez a direita.
Ignoram a importância estratégica da água para a sociedade e a economia popular, e que ela, na prática, também é o principal indicador das mudanças climáticas, pelo excesso ou sua escassez. Lembrando que o acesso das populações à água é um direito fundamental e não deveria ser dominado por grupos privados. Triste situação. Também continuam fritando o MMA e suas vinculadas nos bastidores, assim como ainda seguem denegrindo e desrespeitando os ambientalistas nos seus próprios partidos políticos, agindo na prática como verdadeiros “ecocapitalistas”. E o que é pior, atuam como defensores do mercado pintado de verde em muitas das políticas públicas.
Infelizmente, muitos tentam agora surfar numa onda meio modista, pousando de “neoecologistas”, como defensores do meio ambiente, diante da irrefutável realidade climática e ambiental que bate na porta de todos, apenas para manterem-se à tona e na lógica de uma política eleitoreira. Enquanto que no passado, e talvez ainda subliminarmente, continuam nos considerando “bicho-grilos”, até em atos falhos públicos. Na atual conjuntura, quem realmente são os verdadeiros “bichos-dinossauros” do atraso e os “alienados ecopolíticos”? Eles não existem só na direita neofascista.
É necessário também lembrar que a autocrítica é uma importante ferramenta para quem realmente é socialista e que sabe que sempre haverá o que aprender nas lutas sociais e na vida, tanto com a ciência quanto com velhos companheiros. Porém, não temos lembrança, nos últimos anos, desde que a esquerda chegou a ocupar parte do poder no Brasil, de quando dirigentes partidários que passaram a ocupar cargos no governo, ou mesmo o Presidente, seus assessores ou ministros, falaram ou se posicionaram publicamente como socialistas, quanto mais como “ecossocialistas”.
Lamentavelmente, tudo nesse momento indica que, provavelmente, passada a COP-30, nós, “ecossocialistas” e “militantes da causa ecológica”, corremos o risco de voltarmos a ser chamados, por parte da esquerda tradicional e secular, de “ecochatos” e “bicho-grilos”. É também como continuam a nos chamar ainda hoje a própria direita negacionista. Todavia, companheiro Lula, consideramos que é sempre importante que façamos nossas autocríticas, inclusive públicas. São nobres atitudes, sempre tão necessárias tanto quando estamos na militância ativista de base quanto no poder.
Seria fundamental que parte da esquerda no Brasil pudesse avaliar que talvez os “ecossocialistas” possam ser os fomentadores ou mesmo a vanguarda revolucionária necessária, diante destes difíceis novos tempos de caos climático e guerras, que requerem urgência, radicalidade e coragem para o enfrentamento dos males do capitalismo, dos quais resultam diretamente os processos de mudanças no clima e o agravamento das desigualdades socioambientais.
Afinal, somos “ecossocialistas” há muitos carnavais na luta democrática, ainda mais diante dos riscos de a mesma ser vilipendiada, enquanto muitos quadros da esquerda acabaram não mais procurando aperfeiçoá-la e fazê-la mais participativa, pois os recursos sobram para as elites partidárias e para parlamentares constituírem máquinas eleitoreiras em seus gabinetes. Afinal, somos os mesmos “ecochatos” e “bichos-grilos” que, com orgulho e persistência, estão defendendo o meio ambiente há quase meio século, sempre a duras penas, como ativistas e militantes das causas ecológicas e socialistas, nos partidos de esquerda, nos movimentos sociais e nas ruas, agora talvez melhor compreendidos.
Para nós, a preservação do meio ambiente e a própria ecopolítica não são e nunca foram apenas questões da “moda” ou o “problema” do momento. Mas sim a base de uma nova ideologia para o Século XXI e a nossa bandeira de luta, que deve ser sempre revolucionária, incisiva e educativa, para conquistarmos corações e mentes.
Não se trata de “jardinagem”, como bem teria enfatizado Chico Mendes, pois no âmbito da luta de classes temos a responsabilidade, sim, de “chamarmos à consciência toda a sociedade” de que, protegendo o meio ambiente, estaremos protegendo todos os seres vivos, inclusive os egocêntricos humanos. O tempo urge e os sinos estão prestes a dobrar. Afinal, os alertas da natureza e da ciência já não são de hoje.
Portanto, que vivam os velhos e os novos “ecossocialistas”, como sempre pacifistas e radicais. Presidente Lula e demais companheiros de esquerda, vocês são bem-vindos a essa nossa luta, venham se somar à principal batalha do Século XXI, ainda dá tempo. Ou então, se não avançarmos nessa luta agora e de forma conjunta, com certeza não haverá Século XXII. Essa é a real e principal luta política dos nossos tempos, para as atuais e futuras gerações, e os guerreiros da ciência e o metabolismo da vida em todas as formas também estão do nosso lado. Viva a natureza e a máxima ecossocialista: “Devemos mudar o sistema, não o clima”.
*Mauricio Laxe é Militante e Ativista Ambientalista desde 1977, Advogado e Ecossocialista desde 1991 e Membro da Coordenação do FBOMS
**Imagem em destaque: Vladimir Morozov/akxmedia