Cerimônia na USP faz justiça a jovens perseguidos pela ditadura
O dominicano Tito de Alencar é um dos 15 alunos que tiveram seus estudos interrompidos pela prisão
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo vai diplomar dia 26 de agosto jovens estudantes impedidos de concluir seus cursos pela ditadura militar. Presos, torturados, exilados, eles pagaram um caro tributo, muitos com a vida, pelo fato de lutarem pela libertação do Brasil, esmagado pela ditadura militar.
Tito de Alencar Lima foi um deles. Frei Tito foi um frade dominicano nascido em Fortaleza, em 14 de setembro de 1945.
Sua vida foi breve.
Morreu pendurado numa árvore, um álamo, no mês de agosto de 1974, na França, perto de Villefrance-sur-Saône, onde encontrara um trabalho de verão, não muito longe do Convento Sainte-Marie de la Tourette, onde vivia.
Tito tinha apenas 28 anos.
A história de Tito é emblemática. Ele foi um dos mártires da ditadura de 1964. Por nunca ter julgado os torturadores e responsáveis por execuções sumárias e por desaparecimento de opositores políticos, aquela ditadura nunca terminou.
No prefácio que fez para o livro “Um homem torturado – Nos passos de frei Tito de Alencar”, que escrevi com Clarisse Meireles (Civilização Brasileira, 2014), o filósofo Vladimir Safatle ressalta a importância de contar às novas gerações a história do engajamento da esquerda católica na luta contra as ditaduras latino-americanas.
Safatle escreve que « a tortura havia conseguido quebrar Tito psicologicamente transformando sua vida em um inferno de delírios e alucinações ».
Mas como salientou o psiquiatra e psicanalista Jean-Claude Rolland, que recebeu Tito durante um ano, no hospital Édouard Herriot, em Lyon : « A loucura está no torturador. É preciso ver a tortura como uma loucura. Alguns militares que torturaram na guerra da Argélia ficaram loucos. Só se pode fazer isso exercendo uma distorção mental muito grande. O capitão Albernaz, um dos torturadores de Tito, lhe disse: « Quando venho para a Operação Bandeirantes, deixo meu coração em casa ».
Isso mostra, dizia o Dr. Jean-Claude Rolland, que « são realmente divididos, como se houvesse uma cisão. »
Dia 10 de agosto deste ano faz meio século que o corpo de Tito foi encontrado por um camponês, pendurado numa corda, pendendo de uma árvore.
Quis o destino que partissem este ano duas figuras importantes na vida de Tito : seu ex-professor e confrade no Couvent Saint-Jacques, de Paris, o dominicano e filósofo Paul Blanquart, e também seu psiquiatra do hospital de Lyon, Jean-Claude Rolland.
Onde estiverem, eles estarão festejando esta homenagem aos estudantes que tiveram seus estudos interrompidos e suas vidas destruídas, como o jovem Tito de Alencar.
Sua lápide no cemitério do Convento Sainte-Marie de la Tourette diz em francês e em português:
« Tito de Alencar Lima (1945-1974) – Frei da Província do Brasil/ Encarcerado, torturado, banido do país, atormentado até a morte por ter proclamado o Evangelho lutando pela libertação de seus irmãos. Tito descansou nesta terra estrangeira. No dia 25 de março de 1983 ele foi trasladado para sua terra de Fortaleza onde descansa com o seu povo. Digo-vos que se os discípulos se calarem, as próprias pedras clamarão. » (Evangelho de Lucas, 19: 40).
Foto de Frei Tito / Reprodução
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.