Eleição: Lições e Desafios
Por Liszt Vieira
1 – As questões locais predominaram sobre as questões nacionais, o que não é surpresa. A soma de abstenções, nulos e brancos ultrapassou o primeiro colocado.
2 – As emendas parlamentares para fortalecer os governos municipais teve grande peso. A maioria dos prefeitos se reelegeu, cerca de 80%. Isso significa que os prefeitos reeleitos vão apoiar os atuais parlamentares, contribuindo para a provável pouca renovação de parlamentares no próximo Congresso, a ser mantido esse sistema.
3 – A esquerda e a extrema direita perderam. Ganhou a direita fisiológica que apoia qualquer governo em troca de vantagens.
4 – Os partidos de direita hoje no governo – chamados Centrão – não apoiaram Lula em 2022 e nada garante que vão apoiá-lo em 2026.
5 – O governador Tarcísio, de SP, saiu fortalecido para ser o candidato da direita em 2026. Imprensado entre Tarcísio, de um lado, e Marçal, de outro, Bolsonaro se enfraqueceu. Seus candidatos venceram apenas em duas das nove capitais que disputaram no segundo turno. Seu enfraquecimento pode contribuir para sua prisão, se o processo judicial for mesmo para frente.
6 – Acho que, salvo engano, no Estado de São Paulo a esquerda nunca conseguiu maioria. Nem Getúlio Vargas conseguiu entrar em São Paulo. Mas a esquerda venceu três vezes na capital com Erundina, Marta e Haddad. A boa performance de Lula na capital em 2022 se deve mais a seu carisma, e não a um avanço da esquerda. Boulos conquistou os mesmos 40% que obteve em 2020 contra Bruno Covas. Ou seja, Marta não ajudou em nada e a entrevista com Marçal também não. Parece que o PT se enfraqueceu na periferia.
7 – A direita sempre dominou os tradicionais meios de comunicação (rádio, TV, imprensa) e a extrema direita predomina agora nas comunicações por meio virtual, nas chamadas redes sociais. Isso ajuda a explicar porque a rejeição à esquerda continua ou mesmo aumenta.
8 – O problema não é só de comunicação. O discurso tradicional da esquerda envelheceu, e a atitude de não radicalizar para não assustar parece encontrar seus limites. Boulos repetiu Lula e no máximo conseguiu os mesmos votos do que na eleição anterior. A esquerda abandonou suas propostas e projetos, se aproximou do centro, fez alianças com a direita em nome da governabilidade, e está perdendo apoio.
9 – Em alguns lugares, como Porto Alegre, a maioria preferiu a inundação ao PT, cuja candidata é associada aos direitos humanos – visto no meio popular como defesa de bandido – e a temas rejeitados como aborto, sexualidade e drogas. A esquerda perdeu a guerra cultural, e não só em Porto Alegre.
10 – O atual modelo de aliança com a direita (Centrão) para garantir a governabilidade traz enormes riscos e mostrou na eleição sua fragilidade. O presidente Lula pode dobrar a aposta, abrindo mais espaço para o Centrão – principalmente o PSD de Kassab, o maior vencedor das eleições municipais – ou experimentar outro modelo, já que o atual não parece promissor.
11 – Esse outro modelo necessariamente passaria pela mobilização popular, o que não significa necessariamente mobilização de rua, mas retorno às bases, o que pode ser feito de diversas maneiras, tanto presencial como por meio digital, onde reina a extrema direita. Há momentos em que a presença pessoal nas bases e a mobilização de rua são necessários, mas é bom não esquecer que a principal rua do século XXI é a internet.
12 – O conteúdo do discurso precisa mudar. Culpar o bode expiatório do “identitarismo” não vai resolver nada. A sociedade mudou, e os partidos de esquerda estão perplexos entre retomar o discurso antigo de luta de classes – que não encontra mais eco na maioria dos trabalhadores – e fazer alianças com a direita para barrar a extrema direita. Encontrar um discurso anticapitalista, com base nas atuais relações sociais e econômicas, travar a batalha cultural nas bases e apontar para uma utopia capaz de dar esperanças, eis o desafio.
Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.