Geoeconomia e Geopolítica aos tapas e beijos

Geoeconomia e Geopolítica aos tapas e beijos

Geopolítica e geoeconomia são conceitos centrais para entender como os países competem e colaboram no cenário global. Cada um representa uma abordagem distinta nas estratégias de poder e influência, e suas diferenças – o primeiro dando “tapas” e o segundo seduzindo com “beijos” – geram conflitos, mas também oportunidades de convergência.

A geopolítica estuda a influência de fatores geográficos, históricos, culturais e econômicos nas relações de poder entre os Estados nacionais e outros atores internacionais. Seu foco está em como esses fatores moldam as políticas externas e as estratégias de segurança dos países.

Na geopolítica, questões como o controle de territórios e recursos naturais estratégicos (petróleo, gás e minerais) e rotas de comércio (estreitos marítimos, por exemplo), são cruciais. A geopolítica se concentra no hard power, ou seja, no uso ou ameaça de poder militar e estratégias de controle territorial em busca de defender ou ampliar os interesses nacionais.

Por exemplo, há rivalidades históricas em disputas territoriais da China diante Taiwan ou no Mar do Sul da China. A presença militar dos EUA em várias partes do mundo, incluindo a OTAN, reflete uma lógica geopolítica de alianças com instalação de bases militares.

Na área geoeconômica, o controle de rotas estratégicas como o canal de Suez, o estreito de Ormuz e o canal do Panamá dá vantagem no comércio global. Daí tornam-se alvos de interesse geopolítico.

A geoeconomia aborda as relações internacionais sob uma perspectiva econômica, considerando o uso de meios além dos mecanismo de mercado de bens e serviços, ações, dívidas etc. para exercer poder e influência. Nela, a ênfase está em como os países utilizam a economia – como comércio, sanções, investimentos e acesso a mercados – para alcançar certos objetivos.

A geoeconomia é vista como o uso da economia como instrumento de política externa para influenciar outros Estados, fortalecer alianças, ou impor custos a adversários. Foca mais no soft power ou no “hard economic power”, ou seja, dá “beijos” em contraponto aos “tapas” deste.

Exemplos de práticas geoeconômicas incluem as sanções econômicas aplicadas pelos EUA à Rússia para restringir seu acesso a mercados e tecnologia. A disputa pelo fornecimento de semicondutores e minerais estratégicos necessários à tecnologia de ponta visa o acesso e o controle de recursos naturais.

O projeto da China para financiar infraestrutura em países da Ásia, África e Europa é uma estratégia geoeconômica para expandir sua influência. É conhecido como a iniciativa do Cinturão e Rota da Seda (Belt and Road Initiative).

A principal diferença entre a geopolítica e a geoeconomia está na ferramenta de poder empregada. A primeira foca no poder militar: controle físico de territórios e recursos e segurança. A segunda se baseia no poder econômico: acordos de comércio bilateral e sanções para exercer influência.

Em termos de objetivos, a geopolítica tende a priorizar a segurança nacional e a integridade territorial, enquanto a geoeconomia busca fortalecer a posição econômica de um país e garantir acesso a mercados e recursos.

Essas abordagens internacionais, embora complementares, costumam gerar tensões e conflitos. Quando um país depende economicamente de outro, visto como ameaça geopolítica, surgem conflitos. A Europa, por exemplo, demanda energia da Rússia, mas vê o país como uma ameaça. Isso cria dilemas entre a necessidade de energia e a segurança geopolítica.

A globalização e as cadeias de suprimentos interligadas criam vulnerabilidades exploradas geopoliticamente. O caso dos semicondutores é um exemplo: os EUA tentam restringir o acesso da China a essa tecnologia, para manter vantagem geopolítica, mesmo havendo impactos econômicos globais, dada a interdependência da “Chimérica”.

Sanções, usadas como retaliação geoeconômica, provocam respostas militares ou geopolíticas. Por exemplo, sanções econômicas impostas ao Irã visam impedir o avanço nuclear, mas na prática elevam as tensões militares.

Em regiões como a África, as estratégias geoeconômicas da China (investimentos em infraestrutura) e as estratégias geopolíticas dos EUA (presença militar e alianças) entram em conflito. Cada qual busca dominar a região por uma via distinta, gerando competições de influência.

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A construção de infraestrutura e financiamento, como na Belt and Road Initiative da China, cria dependência econômica para muitos países em troca por segurança. Influencia as alianças geopolíticas e causa atrito com outras potências com desejo de manter ou expandir sua influência.

Apesar dos conflitos, a geopolítica e a geoeconomia também se reforçam, mutuamente, por meio de convergências e integrações.

Alianças econômicas (como a União Europeia) têm o potencial de reduzir conflitos geopolíticos internos ao estabelecer uma interdependência econômica. Essa parceria desincentiva guerras.

Em regiões instáveis, o desenvolvimento econômico (geoeconômico) promove estabilidade, reduzindo a necessidade de intervenção militar (geopolítica). Resulta em maior segurança global.

Soft power” descreve a capacidade de um país influenciar ou atrair outros países não através da coerção ou da força (hard power), ou seja, “tapas”, mas sim por meio de persuasão, atração cultural, valores, diplomacia e políticas – “beijos”. Esse tipo de poder se manifesta, por exemplo, na influência cultural, na atração dos valores políticos e no modelo econômico de um país.

O soft power dos Estados Unidos, historicamente, esteve associado a aspectos como o cinema de Hollywood, a música, a tecnologia, o sistema educacional, os valores democráticos e os direitos humanos promovidos pelo país. No entanto, essa influência vem enfrentando uma série de problemas, resultando em uma possível perda do soft power norte-americano.

Difundiu-se a percepção de sua inconsistência com valores democráticos e direitos humanos. Políticas externas dos EUA, como intervenções militares e apoio a regimes autoritários, são vistas como contraditórias em relação aos valores democráticos proclamado pelo país. Isso leva a uma percepção global de hipocrisia dos EUA e enfraquece a legitimidade de sua mensagem sobre democracia e liberdade.

A polarização política crescente, somada a questões de justiça racial e desigualdade social, gera dúvidas sobre “o sonho americano”. A instabilidade social e os episódios de violência interna enfraquecem a imagem de um país coeso visto como exemplar. As imagens de protestos e divisões políticas nas mídias internacionais corroem a atração dos EUA como modelo social.

A postura dos EUA em relação a organizações multilaterais e tratados internacionais, especialmente sob governos com adoção uma linha mais isolacionista, como foi o caso durante o primeiro governo Trump, reduziu a confiança de aliados e parceiros. A retirada de tratados como o Acordo de Paris sobre o Clima e o TPP (Parceria Transpacífica) foi percebida como um afastamento dos compromissos globais, diminuindo a credibilidade internacional dos EUA, levando à erosão de alianças e à defesa do multilateralismo por ex-aliados.

A China, especialmente, vem investindo pesadamente em sua própria marca de soft power, expandindo sua influência por meio de infraestrutura, comércio e até produções culturais (como cinema e mídia). A Europa também continua sendo um polo cultural e normativo forte. A ascensão de outras potências (culturais e tecnológicas) aumenta a concorrência por influência, reduzindo a hegemonia cultural dos EUA.

A proliferação de desinformação nas redes sociais leva à Guerra de Narrativas Digitais, contrárias aos EUA. Ela se espalha, rapidamente, e alcança os países em desenvolvimento. A própria natureza descentralizada das redes digitais torna difícil para os EUA influenciarem essas narrativas, permitindo outras potências, como a Rússia e a China, promoverem suas próprias versões dos fatos.

Todos esses fatores interagem. Emerge um cenário complexo onde o soft power dos EUA, desafiado tanto pela percepção externa quanto pelas questões internas, reage com “tapas” em vez dos “beijos” de outrora…

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