Intercept: ‘Prefeitura de SP gasta quase R$ 3 mi com propagandas disfarçadas na Folha’

Intercept: ‘Prefeitura de SP gasta quase R$ 3 mi com propagandas disfarçadas na Folha’

Por Paulo Motoryn / Intercept

A Prefeitura de São Paulo abriu os cofres para melhorar a imagem da gestão de Ricardo Nunes, do MDB. O político, que tem a pior avaliação de um prefeito nos últimos 14 anos, poderá disputar a eleição do ano que vem com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL. Nunes já desembolsou quase R$ 3 milhões para a publicação de reportagens positivas feitas pelo Estúdio Folha, divisão do jornal Folha de S.Paulo que se define como um “ateliê de produção de conteúdo ao mercado e às marcas”.

O Intercept obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação, um documento que detalha os pagamentos feitos pela Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo ao jornal. A contratação foi intermediada pela agência de publicidade Propeg – que tem um contrato com a prefeitura no valor total de R$ 200 milhões e está sob investigação do Ministério Público do estado. Só em 2023, a agência já repassou R$ 2,3 milhões à Folha. No ano passado, foram R$ 448 mil.

Como contrapartida, só nos últimos dois meses foram publicadas 61 reportagens em uma página criada pelo Estúdio Folha para a veiculação do conteúdo, que também tem sido postado nas redes sociais do jornal – e até impulsionada no Twitter, como relataram usuários da rede social.

Exceto pelo logo do Estúdio Folha na parte superior, as notícias elogiosas sobre a gestão do prefeito Nunes não apresentam qualquer mensagem de “conteúdo publicitário” ou similar. A aparência é de uma matéria jornalística convencional. O jornal alega que “todo produto realizado é identificado com a assinatura Estúdio Folha e o nome do patrocinador, com um tratamento gráfico distinto daquele do jornal”.

Leitor desavisado não percebe que se trata de publicidade.

Mas, em seu site, diz usar as técnicas jornalísticas para oferecer um serviço “sob medida”: “Com o rigor e a qualidade da marca da Folha da Manhã, o Estúdio Folha utiliza as ferramentas do jornalismo para oferecer conteúdo feito sob medida para marcas, em diferentes plataformas”. Ou seja, o objetivo é induzir a audiência a acreditar que propaganda é jornalismo.

Em 22 de junho de 2023, a seção de publis da prefeitura na Folha publicou um texto com o título “Escolas e creches de São Paulo servem 2,3 milhões de refeições por dia”, que afirma que a merenda distribuída pela prefeitura é “premiada internacionalmente”.

Mas, menos de um mês antes, em 26 de maio, a própria Folha – seus repórteres, não seu estúdio –, havia publicado a seguinte reportagem: “Com R$ 35 bi em caixa, Prefeitura de SP deixa merenda escolar sem feijão”.

O prêmio citado na nota do Estúdio Folha de fato foi recebido pela prefeitura. Em outubro do ano passado, a cidade de São Paulo venceu o C40 Cities Bloomberg Philanthropies 2022 na categoria “Unidos para inovar”, com o projeto “Cardápio Escolar Sustentável”, da Secretaria Municipal de Educação, iniciativa que prevê a compra de produtos provindos da agricultura familiar.

O que a parceria Folha-Prefeitura não contou é que a aquisição dos alimentos ocorre para cumprir a Lei 16.140/2016, assinada por Fernando Haddad, do PT. Ela estabelece que 30% da alimentação escolar deve ser proveniente da agricultura familiar e rendeu o mesmo prêmio à gestão do petista em 2016 – o que também não foi mencionado. Não que seja surpresa, afinal, como o próprio Estúdio Folha admite, “todo o processo é discutido com o patrocinador e aprovado por ele”.

Uma outra reportagem do branded content da Folha para a gestão Nunes, que trata de responsabilidade fiscal, também pesa a mão no puxa-saquismo: “Compromisso garante capacidade de investimento recorde do município. Esforço permite enfrentamento dos desafios estruturais da cidade”. Outra, sobre o recapeamento de vias, também não poupa elogios: “Asfalto novo de ruas e avenidas em SP supera marca de 8,6 milhões de metros quadrados. Maior programa de recapeamento lançado pela Prefeitura estima recuperar 20 milhões de metros quadrados de ruas e avenidas da capital; investimento é de R$ 1 bilhão”.

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Não é a primeira vez que o Estúdio Folha recebe dinheiro público para fazer serviços similares. Na lista de clientes, estão os governos de Minas Gerais e Alagoas e estatais como Petrobras, Correios, Banco do Brasil e BNDES. Questionada pelo Intercept, a Folha de S.Paulo não se manifestou sobre um possível conflito de interesses.

Contrato na mira do Ministério Público

A primeira solicitação para obter detalhes sobre a parceria Folha-prefeitura foi feita pelo Intercept em 28 de junho, por meio da assessoria de imprensa da gestão municipal. A resposta inicial foi uma negativa, com a alegação de que não existiria nenhum acordo formal entre as partes. “A parceria entre a Prefeitura e a Folha de S. Paulo segue planejamento de mídia desenvolvido por agência especializada e regularmente licitada, com base em estudos de mercado”, afirmou a assessoria de imprensa de Nunes.

Depois da resposta evasiva, o Intercept protocolou três solicitações por meio da Lei de Acesso à Informação. Somente após um recurso em 2ª instância foi possível obter o documento que revela os custos substanciais da gestão municipal com as reportagens positivas. Antes disso, tentamos entrar em contato por diversas vezes com o gabinete da Secretaria de Comunicação e o chefe de gabinete da pasta, Affonso Prado Filho, que chegou a ser informado sobre as sucessivas tentativas por sua secretária. Mesmo assim, não houve retorno.

No fim de julho, o contrato da prefeitura com a agência Propeg, por meio do qual a parceria com a Folha foi viabilizada, entrou na mira das autoridades. O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar irregularidades em uma alteração que levou a um aumento de 25% no valor do contrato inicial, que era de R$ 160 milhões e saltou para R$ 200 milhões. O aditamento foi assinado pelo secretário especial de Comunicação, Marcelo Antonio D’Angelo, em abril deste ano.

O mesmo aconteceu em um contrato de mesmo valor com outra agência, a MWorks, e que também passou de R$ 160 milhões para R$ 200 milhões pelo período de 12 meses. Em reação, o promotor Ricardo Manuel Castro afirmou que instaurou uma investigação porque os esclarecimentos da prefeitura não foram suficientes para comprovar a regularidade das despesas, nem se as contratações atendem ao interesse público. O inquérito apura eventual desvio de finalidade, ato de improbidade administrativa ou danos causados aos cofres públicos.

Em nota, a prefeitura nega que tenha cometido ilegalidades nos aditamentos dos contratos de publicidade: “O referido aditivo foi realizado, observada a legislação em vigor, em razão da duplicação das demandas de comunicação publicitária dos serviços públicos prestados à população no pós-pandemia do Covid e do aumento das tabelas de preços dos veículos de comunicação. O investimento em publicidade tem acompanhado o crescimento do orçamento do município e em valores percentuais está abaixo de outras capitais brasileiras”.

O incremento de R$ 40 milhões nos dois contratos também ajudará Ricardo Nunes a ampliar o limite de gastos do governo com propaganda em 2024, ano em que pretende disputar a reeleição. Isso porque, em 2022, o então presidente Bolsonaro, seu provável cabo eleitoral, sancionou a Lei 14.356/2022, alterando as regras sobre limite de gastos de governos com propaganda em anos eleitorais. O limite passou a ser o equivalente à média mensal dos gastos nos três anos anteriores, multiplicada por seis.

*Após a publicação desta denúncia do Intercept em 23/08, o ombudsman da Folha, José Henrique Mariante, questionou no último domingo (27/08) uma visualização mais explícita para diferenciar as reportagens dos textos de propaganda produzidos pelo jornal (acesso de leitura apenas a assinantes da Folha).

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