MINIRREFORMA ELEITORAL, MAIS ATRASO DEMOCRÁTICO

MINIRREFORMA ELEITORAL, MAIS ATRASO DEMOCRÁTICO

Partidos e Federações que tenham programas e propostas diferentes não podem tercoligações proporcionais entre si. Isso é enganar o eleitor que vota em um candidato deum Partido e pode, com seu voto, eleger outro candidato, de outro Partido.

Assim como as mudanças nas regras eleitorais de 2017 e 2021, a Câmara Federal
acaba de votar novas alterações sem nenhum conhecimento público, sem nenhuma
participação dos cidadãos e da sociedade. Nem os filiados aos Partidos tiveram chance
de conhecer, opinar e participar desse processo. Em menos de dois meses, um Grupo de
Trabalho pluripartidário acordou uma chamada minirreforma, que seria consensual,
apenas para pequenos ajustes nas leis eleitorais.
Não foi o que ocorreu. A “toque de caixa”, a Câmara aprovou mudanças que
favorecem interesses pessoais dos próprios parlamentares, fragilizam os Partidos,
fraudam cotas de gênero prejudicando candidaturas femininas e deturpam a necessária
coerência programática que os Partidos e candidatos deveriam apresentar no debate
democrático na sociedade.
Nas reformas anteriores, mesmo sem responder aos problemas mais graves do
sistema eleitoral, como o anacrônico e corruptor voto nominal e a absurda falta de
proporcionalidade da representação da cidadania na Câmara Federal, o fato de terem
proibido as coligações proporcionais e estabelecido uma cláusula de desempenho mínimo
aos Partidos deu início a um processo de fortalecimento e coerência aos Partidos
políticos. Prova disso são as eleições de 2018 e 2022. Com essas medidas o número de
siglas partidárias caiu pela metade, restando em torno de 15 partidos ou em Federações
com direitos plenos de representação.
Mas, vejamos item a item, se o título do artigo é exagerado ou pessimista. As duas
fontes públicas aos Partidos são o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, este criado para
diminuir o peso do poder econômico e proibir o financiamento eleitoral por Pessoas
Jurídicas (empresas, bancos, etc.) aos candidatos e partidos. O financiamento privado, no
entanto, continua. A lei permite contribuições de Pessoas Físicas e é comum nos registros
dos tribunais eleitorais ver acionistas e seus familiares garantirem grandes contribuições
pessoais substituindo a doação da Pessoa Jurídica, tornando bastante desigual a disputa
eleitoral. Como as campanhas são individualizadas (voto nominal) e não por lista
partidária, os deputados tendem a votar em Fundos Eleitorais bilionários e na hora de sua
distribuição é muito desigual a partilha, além de criar espanto na opinião pública por seu
volume. As direções partidárias, nem sempre democraticamente eleitas, e as bancadas
federais estabelecem critérios pragmáticos, eleitorais e esse recurso é distribuído também
de forma desigual, individualizada, que não cumpre o papel de democratizar e renovar a
representação política.
A minirreforma não enfrenta essa tendência de burocratização e agrega elementos
de maior distorção. Autoriza que o recurso público eleitoral seja usado para despesas
pessoais dos candidatos, para compra e aluguel de veículos, para pagamento de serviços
de segurança pessoal, além de estimular e permitir a movimentação via PIX para doações
de valores, dificultando muito a identificação pessoal ou empresarial das contribuições.
Amplia-se, também, a possibilidade de contribuição pessoal dos próprios candidatos e
estabelece 10% sobre a renda declarada no ano anterior como limite para contribuições
de apoiadores privados.
Ou seja, não se corrige as distorções existentes na distribuição do Fundo Eleitoral,
ampliam-se as contribuições individuais privadas.
Mais. Um dos avanços no último pleito, para corrigir distorções históricas, foi a
garantia de cota de 30% do Fundo Eleitoral para ser investido nas candidaturas de
mulheres. Uma correta ação afirmativa para enfrentar o baixíssimo indicador brasileiro de
presença feminina na representação política no país.
A atual minirreforma manteve os 30% para candidaturas femininas, mas abriu uma
perigosa brecha ao permitir que o recurso seja usado em candidaturas masculinas, desde
que a “propaganda” ou “dobradinha” beneficie as candidaturas de mulheres. Ora, o que se
viu no comportamento de vários Partidos e centenas de casos foram parar na Justiça
Eleitoral, foi o abuso das candidaturas femininas “laranjas” e que agora seriam
“legalizadas” e “beneficiadas” com candidaturas masculinas.
Outra flagrante ilegalidade da minirreforma é fraudar a proibição de coligações
proporcionais, um dos poucos avanços democráticos na Reforma Eleitoral de 2017.
Partidos e Federações que tenham programas e propostas diferentes não podem ter
coligações proporcionais entre si. Isso é enganar o eleitor que vota em um candidato de
um Partido e pode, com seu voto, eleger outro candidato, de outro Partido.
O drible que a minirreforma inventou é autorizar propaganda conjunta de
candidatos de Partidos diferentes e/ou com programas antagônicos. Um prefeito de
situação fazendo campanha conjunta com vereadores do Partido de oposição, ou
deputados federais pagando campanha de deputados estaduais de outros Partidos ou
Federações. Um estímulo à infidelidade partidária, uma afronta à educação política e ao
fortalecimento da democracia que os processos eleitorais devem praticar.
Outro flagrante prejuízo aos partidos do campo popular e democrático cometidos
pela minirreforma foi não incluir uma solução democrática para a mudança do número de
candidaturas em relação às vagas das casas legislativas, apesar de ser uma das pautas
em todos os noticiários que tratavam de uma nova reforma eleitoral. Ao se restringir, na
reforma de 2021, o número de candidaturas ao número de vagas mais uma, criou-se uma
contradição com a aprovação também da possibilidade dos Partidos constituírem
Federação. De forma deliberada, o tema saiu da pauta, quando seria possível garantir a
todos os Partidos a volta do critério anterior de 150% das vagas como número limite de
candidaturas por Partido ou Federação.
Por fim, o registro de mais um prejuízo para a democracia. A grande maioria dos
municípios brasileiros possuem entre 9 a 13 vereadores em suas Câmaras Municipais.
Isso significa um quociente eleitoral em torno de 10% dos eleitores, ou seja uma
“cláusula de barreira” muito alta. Na lei atual e nas eleições de 2022 vigorava a legislação
que permitia que os Partidos que não alcançassem um quociente eleitoral poderiam
disputar uma vaga nas sobras, desde que alcançassem 80% do quociente eleitoral.
A minirreforma simplesmente retomou o caráter excludente do quociente eleitoral
ser o critério de corte mesmo que a sobra vá ser disputada por candidato com 10% ou
mais de votos.
Medida que não considera as minorias, que favorece os partidos conservadores e
oligárquicos e não estimula a maior representação da comunidade na Câmara Municipal.
Por estas razões, pela ausência de um debate democrático na sociedade,
defendemos que as Federações e partidos do campo democrático e popular mobilizem
suas forças para não permitir que esse mini golpe disfarçado de minirreforma eleitoral
seja aprovado no Senado e sancionado pelo presidente Lula. Não é essa reforma eleitoral
que o Brasil precisa. Aqui não vale o argumento de que não há relação de forças
favorável, que não passa no Congresso atual algo mais democrático. Ora, se não
tivermos uma proposta, se não fizermos propaganda, se não mobilizarmos amplos
setores sociais nesse sentido, nunca haverá mudança progressista. Não somos, também,
obrigados a pactuar retrocessos. Nossa luta deve ser para garantir uma verdadeira
representação da cidadania de acordo com a real população dos Estados, ter um sistema
democrático que fortaleça os Partidos e garanta efetiva governabilidade aos Executivos
através de voto em lista partidária fechada com compromissos programáticos e projetos
claros de desenvolvimento econômico e social.

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Porto Alegre, Setembro de 2023.
Raul Pont, membro do Diretório Nacional do PT

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