O colonialismo, a miséria e a infâmia

O colonialismo, a miséria e a infâmia

Cruel e desumana, marcada pela ganância e pela violência, a ocupação nos tempos modernos de noventa por cento do território africano pelas potências europeias responde hoje pelas migrações das populações que o colonialismo deixou ao abandono em países devastados.

POR CELSO JAPIASSU

É uma paisagem comum nas ruas das principais capitais da Europa a presença de refugiados africanos procurando fugir da miséria, vendendo bugigangas e produtos falsificados das grandes marcas preferidas da burguesia internacional. Ou correndo da polícia, servindo a máfias organizadas, alvos de preconceitos e desprezo. Esta é a face mais visível do drama dos imigrantes e refugiados legais ou, na grande maioria, ilegais. Em sua miséria, eles denunciam outra tragédia maior e mais antiga, a do colonialismo europeu no continente africano. Cruel e desumana, marcada pela ganância e pela violência, a ocupação nos tempos modernos de noventa por cento do território africano pelas potências europeias responde hoje pelas migrações das populações que o colonialismo deixou ao abandono em países devastados.

Essa presença da miséria destoante em países ricos amedronta as classes médias e são pretexto sob medida para a plataforma xenófoba e ultranacionalista dos partidos de direita declaradamente fascistas. Eles têm atingido votação crescente por seus programas que pregam o fechamento de fronteiras e a pretensa defesa de seus países contra o que chamam de invasão estrangeira. Já chegaram ao poder ou estiveram muito perto de o conseguir, a exemplo da França e do Reino Unido, sem contar com os governos ultrarreacionários já instalados como os da Hungria, Itália, Holanda e Polônia.

Essas migrações forçadas que amedrontam a burguesia do continente são a herança histórica deixada pela ocupação e da infame exploração da África na história moderna pelas potências europeias.

O Congo

Talvez o melhor exemplo do que foi a colonização da África seja o do Congo Belga. O historiador Tim Stanley, da Universidade de Oxford, resumiu bem:

“Como muitas atividades imperialistas, a colonização belga começou como um mero exercício de pirataria. Mas os níveis atingidos pelo terror nas populações locais, a contribuição da burocracia estatal e as estimativas de mortes fazem com que os eventos do Congo sejam comparáveis às atrocidades do Nazismo e à Grande Fome da Ucrânia, arquitetada por Stalin, por exemplo.”

Foi um genocídio. O vasto território congolês era propriedade pessoal do rei Leopoldo II, que acumulou enorme fortuna explorando a população, vendendo escravos, marfim e borracha. Se não fossem cumpridas as cotas de produção, a punição era assassinato, mutilação e estupros. Não foi à toa que Joseph Conrad usou o Congo de Leopoldo II como cenário do seu romance “O Coração das Trevas”.

Leopoldo II, em quase 50 anos de reinado, nunca visitou o Congo e não era amado pelo seu próprio povo. Quando morreu, em 1909, foi vaiado na passagem do cortejo do seu enterro, embora a história oficial da Bélgica o homenageie como um dirigente empreendedor.

Hoje em dia, a capital Bruxelas conta com cem mil imigrantes africanos morando no bairro de Matonge, a grande maioria vinda da República Democrática do Congo. Correspondem a 10 por cento da população da cidade e procuram fazer algum dinheiro numa rica capital europeia para transferir uma parte para a família na África. Uma realidade que se repete em outros países europeus colonialistas como se fosse uma memória permanente, por vezes incômoda, dos abusos cometidos na África.

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Somente em 2023 chegaram à Itália e à Grécia 186 mil refugiados vindos da África, a maioria vinda através da Nigéria. Enfrentaram a travessia do Mediterrâneo e espalharam-se pelos diversos países europeus. Mais de 2.500 pessoas morreram na travessia, contados apenas os corpos que foram encontrados.

A exploração da África

Antes dos países modernos da Europa, a África foi território colonizado e explorado por fenícios, gregos, romanos, vândalos, Império Bizantino e pelos árabes. A partir do século XV, com os descobrimentos inaugurados pelos portugueses, foi ocupado numa corrida que durou até meados do século XX pela Bélgica, França, Holanda, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Portugal e Espanha.

No século XIX a África estava toda fatiada entre aqueles países. Apenas a Libéria e a Etiópia permaneceram independentes. A Etiópia foi ocupada durante cinco anos pela Itália, num dos sonhos de grandeza de Benito Mussolini.

A partilha do território africano foi feita sem qualquer respeito pelas características étnicas e culturais de cada povo, o que gerou conflitos internos que duram até os dias atuais.

Os movimentos de independência começaram depois da Segunda Guerra, nos anos 1950. Alguns com o uso de violência e guerras declaradas, como foi o caso das colônias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique e da guerra de libertação da Argélia contra o domínio francês.

Mas a independência não significou a libertação da África das amarras do capitalismo. Hoje como ontem, este vasto continente continua a ser alvo dos predadores das riquezas do seu território. Se antes eram os exércitos dos colonizadores que o subjugavam e exploravam, agora são as grandes empresas multinacionais que corrompem seus governos e se apoderam do que ele tem de petróleo, gás natural, metais preciosos como ouro e diamante, ferro, titânio, platina, madeira e o bem que será motivo de grandes conflitos no futuro próximo: água. Enquanto isto, suas populações empreendem uma desesperada fuga da miséria e da fome. São o fantasma que não deixa a Europa esquecer a extrema violência que usou e continua a usar na ocupação e exploração da África.


FOTO DE CAPA: Barco de imigrantes cruzando o Mar Mediterrâneo em direção a Europa (Guarda Costeira Italiana/Massimo Sestini).

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