Fórum Social Mundial persiste: Outro mundo é possível! (IPS, de Katmandu)

Fórum Social Mundial persiste: Outro mundo é possível! (IPS, de Katmandu)

Por Marty Logan*

Katmandu, 15 de fevereiro de 2024 (IPS)

Estes são os piores tempos, mas podem se tornar os melhores, disse o orador dr. Walden Bello, buscando inspirar milhares de ativistas progressistas que se reuniram para o Fórum Social Mundial (FSM) em Katmandu nesta quinta-feira (15), com o planeta repleto de conflitos armados e ataques à democracia.

“Estamos enfrentando uma catástrofe climática”, continuou Bello, depois de citar “Um Conto de Duas Cidades”, de Charles Dickens. “Temos o capitalismo neoliberal, apesar de ter sido provado que ele é falso em todos os seus pressupostos”, acrescentou o renomado acadêmico filipino e defensor do Sul global.

“Temos a ascensão global do fascismo, um fascismo que quer submeter um grupo de pessoas sob ao domínio de outro grupo de pessoas”, disse Bello a milhares de pessoas que se reuniram sob um sol quente de inverno em um enorme campo no centro da capital do Nepal.

Entre esta quinta (15) e a segunda-feira (19), a capital do Nepal acolhe uma nova edição do Fórum Social Mundial (FSM), que desde 2001 reúne ativistas de todo o mundo sob o lema “Um outro mundo é possível”, com uma visão predominante do Sul global, em favor de uma abordagem social e inclusiva do desenvolvimento, com protagonismo das ideias da sociedade civil e organizada em todo o mundo.

O FSM surgiu como um contraponto ao enfoque do Fórum Econômico Mundial, que reúne anualmente governantes e potências dominantes do mundo na cidade suíça de Davos.

Os principais temas

“Mas este pode ser o melhor dos tempos, apesar da escuridão que o mundo está enfrentando”, continuou Bello.

O acadêmico filipino questionou: “O que o FSM Nepal 2024 deve representar? Deve representar a afirmação de todos nós para salvar o planeta da catástrofe climática e da devastação do capitalismo.

E continuou: “Deve significar que todos nós nos levantemos e arrisquemos nossos corpos contra o surgimento do fascismo. E eu gostaria de dizer que isso deve significar que devemos colocar nossos corpos em risco contra o genocídio”.

Outros palestrantes também destacaram, na abertura do FSM, os ataques contínuos do exército israelense à Palestina.

“No mundo de hoje, onde os conflitos armados estão na ordem do dia, quando o genocídio em massa é realizado com total impunidade, precisamos nos unir para defender as pessoas que mais precisam: o povo palestino”, disse Aleida Guevara, filha mais velha do revolucionário argentino-cubano Che Guevara.

“A situação é muito difícil, mas o que fazemos a respeito? Nada, ou quase nada. O que está claro é que não é suficiente. O povo palestino continua morrendo”, acrescentou.

Na sua opinião, “a África do Sul não pode estar sozinha na missão de exigir mais justiça e punição para aqueles que se tornaram os piores assassinos da humanidade”, referindo-se à demanda que o país apresentou em janeiro perante o Tribunal Internacional de Justiça, para determinar se Israel está cometendo genocídio em Gaza.

O dia de abertura começou com uma marcha pelo centro de Katmandu, cidade com cerca de 5 milhões de habitantes e está entupida de veículos.

Alguns grupos ergueram longas faixas, enquanto os manifestantes solitários levantaram cartazes coloridos escritos à mão, proclamando apoio a uma variedade de questões, que vão desde o perdão da dívida até a luta contra a discriminação de castas e os direitos das trabalhadoras do sexo.

Espera-se que entre 30 e 50 mil pessoas de mais de 90 países participem de mais de 400 workshops, palestras e outros eventos deste FSM, que termina na próxima segunda-feira (19).

Na cerimônia de abertura, no imenso palco, outros palestrantes apontaram que os trabalhadores pobres de todo o mundo estão enfrentando ataques contínuos aos seus meios de vida.

O ativista agrícola Burry Tunkara, da Gâmbia, disse aos participantes: “Não há dúvida de que a agricultura constitui a maior parte da economia da África e do mundo em geral; os pequenos agricultores não têm direitos formais sobre a terra, tornando-os vulneráveis ao confisco, ao deslocamento e à exploração”.

“Precisamos capacitar os agricultores, especialmente as mulheres e os jovens, por meio de treinamentos, e também de educação. Ao investir em mulheres e jovens, podemos liberar o potencial da agricultura mundial e também contribuir para a igualdade de gênero e o desenvolvimento social”, acrescentou.

Ativistas marcham por Katmandu, no dia de abertura do Fórum Social Mundial 2024, 15 de fevereiro. Imagem: Marty Logan/IPS

O caminho desde o primeiro FSM em 2001

O primeiro FSM foi realizado em 2001 em Porto Alegre, no sul do Brasil, por iniciativa de organizações e movimentos sociais brasileiros e em coordenação com grupos internacionais. Mas o evento entrou em declínio nos últimos anos.

“Até agora, estamos perdendo o jogo”, disse à IPS o cofundador Oded Grajew, por telefone, de São Paulo. “A crise climática se agravou, as desigualdades e os conflitos cresceram, com o risco de uma guerra nuclear, a confiança na democracia está em declínio e falta governança global. Esses são riscos enormes que ameaçam a espécie humana.”

“O FSM 2024 demonstrará que a sociedade civil global ainda tem uma voz forte”, disse Netra Timsina, membro do comitê organizador do Fóru, do Nepal. “Ainda há uma voz virante viva e vibrante se levantando contra o que está acontecendo: genocídio, guerra, catástrofe climática, populismo, desigualdade”, acrescentou.

Os organizadores do FSM do Nepal querem compartilhar e proteger suas conquistas após o fim do conflito com o Estado maoista em 2006: “nossa república e a Constituição laica, nosso processo de paz e os direitos humanos e a democracia”, asseguram.

Antes da cerimônia de abertura, a IPS conversou com o ativista indiano Skani Pinto, que há 40 anos trabalha pelos direitos dos povos indígenas. Perguntado se estava ficando cansado da luta, ele respondeu: “Devemos lutar, devemos levantar nossa voz. Todos temos direitos e dignidade iguais, por isso trabalhamos pela família mundial. Esse é o nosso chamado interior; ele não nos permite pensar de outra forma”.

Imagem em destaque: Participantes aguardam a cerimônia de abertura do Fórum Social Mundial 2024 em Katmandu. Imagem: Marty Logan/IPS

* Marty Logan é um jornalista que vive em Katmandu e criador do podcast Nepal Now. Durante a maior parte de sua carreira, trabalhando no Canadá e na Ásia, ele se concentrou em questões de desenvolvimento, saúde global e direitos humanos, incluindo assuntos de povos indígenas. Escreve e edita para a IPS desde 2001 e trabalhou nas agências de notícias Canadian Press e Reuters, e como freelancer para veículos como The Globe and Mail, Nepali Times, The New Humanitarian e The British Medical Journal.

Tagged:

Leave comment