A Europa no vale das sombras
Há quem afirme que a decadência da Europa teve início com a sua incapacidade de impedir, em fins do século19 e início do século 20, a aparição de uma direita que degenerou no fascismo e no nazismo. Teve de contar com a intervenção dos Estados Unidos e da União Soviética, o que consolidou sua trajetória de decadência
Desde os romanos, que fundaram sua importante civilização muitos anos antes de Cristo, a Europa foi vista como o centro do mundo, dominando o Ocidente e vastas áreas do Oriente. Roma detinha o controle da Europa e nela construiu as bases do seu poder que atravessou os tempos.
A hegemonia do continente europeu, instaurada inicialmente pela força de Roma, chegou ao Século XX depois de ter deixado a sua marca em todos os séculos atravessando mesmo a Idade Média. A velha Europa foi palco de guerras que moldaram o recorte das civilizações e sofreu dois conflitos mundiais na época contemporânea. Não perdeu sua importância internacional. Mas agora dá sinais de esgotamento, enfrenta crises sucessivas com carência de lideranças transformadoras de uma realidade sombria. Seu projeto de unidade – a União Europeia – também apresenta sinais de cansaço.
A atual guerra da Ucrânia em seguimento a uma invasão russa é um conflito tardio com características das guerras do século 20. Ao invés de trabalhar pela paz, as potências mandam armas para incentivar um conflito mortal.
A Europa hoje já não tem impérios, não produz energia, importa comida, deixou de ser a fábrica do mundo, não tem poder militar, como disse o jornal online Nascer do Sol.
O avanço da direita política no continente traz consigo a prática de um conservadorismo reacionário ameaçador do futuro. Este avanço revela-se dramaticamente na guerra da Ucrânia, onde se enfrentam duas direitas. O pensamento de esquerda, perplexo, não tem certeza do lado a que deva dar o seu apoio.
O filósofo alemão Peter Sloterdijk, um provocador, disse numa entrevista a El País que grande parte da população da Europa elegeu a resignação e já não acredita na política. Uma população resignada torna mais fácil a vida dos políticos. Sloterdijk dá um exemplo ao chamar a atenção para Boris Johnson, que governou a Grã-Bretanha e é, segundo ele, um palhaço que não é levado a sério. Diz que mesmo os franceses, que sempre foram líderes em revoltas, agora estão cansados. Aos filósofos e intelectuais resta a tarefa de “causar dano à estupidez”.
O nazismo e o fascismo
Há quem afirme que o declínio da Europa teve início com a sua incapacidade de impedir, em fins do século 19 e início do século 20, a aparição de uma direita que degenerou no fascismo e no nazismo. Teve de contar com a intervenção dos Estados Unidos e da União Soviética, o que consolidou sua trajetória de decadência.
O projeto da União Europeia, a soma das capacidades de cada um dos seus países e a adoção de uma moeda única, pretendia recuperar a liderança do continente e reverter a trajetória de enfraquecimento. Foi um processo liderado pela Alemanha e pela França. A Grã-Bretanha não esteve na primeira linha e o seu ressentimento veio desaguar, anos depois, no Brexit. A decadência acentuou-se, curiosamente, depois da queda do muro de Berlim. Aponta-se como causa principal a centralização política das instituições bem ao molde das concepções napoleônicas.
A crise econômica internacional iniciada em 2008 consolidou a hegemonia da Alemanha e a adoção de políticas de austeridade junto com modelos neoliberais até hoje adotados. A longa recessão destruiu o mais importante dos pilares que faziam parte do projeto da União Europeia, qual seja o Estado de bem-estar social. Desapareciam os direitos das populações mais carentes enquanto se concentrava a renda nos sistemas bancário e financeiro e os partidos de direita adquiriam musculatura.
Euroceticismo
A crise atual já foi definida como a mais grave desde 1929, bem pior do que a de 2012-2017, um momento em que a Europa tem a oportunidade de decidir se vai aprofundar a sua unidade ou então entrar num declínio irreversível. Tudo a depender das decisões que forem tomadas pelos governos, pelo Conselho Europeu e demais instituições da União. Depende também da opinião pública de cada Estado-membro num quadro em que a mobilização da direita questiona a própria existência da União Europeia e cresce o euroceticismo.
O termo euroceticismo foi mais bem definido pelos acadêmicos Paul Taggart e Aleks Szczerbiak, da Universidade de Sussex. Segundo eles, o euroceticismo pode ser classificado como hard (forte), que defende o completo desmantelamento da União Europeia, e soft (suave), que critica políticas específicas e propõe reformas. A categoria hard está alinhada à direita e o euroceticismo de esquerda seria do tipo soft.
As forças da desintegração já foram vitoriosas com a opção da Grã-Bretanha pelo Brexit. E continuam a postos aproveitando-se da insatisfação popular desde a pandemia e a nova crise dela decorrente que atingiu simetricamente todos os países, embora os mais afetados sejam os que enfrentaram a crise dos refugiados e das migrações.
No Forum Econômico Mundial de Davos foi apresentado um relatório da Oxfam com o título “Lucrando com a dor”, em que se revela que durante a pandemia de covid-19 os ricos do mundo tiveram um dos melhores momentos da sua história. Surgiram 573 novos multimilionários. Um novo milionário a cada 30 horas, ao mesmo tempo em que 263 milhões de pessoas aproximaram-se da pobreza extrema por causa do custo crescente da alimentação.
As grandes esperanças defrontaram-se com a grande crise do capitalismo que eclodiu em 2008 somada ao afluxo de imigrantes vindos do Oriente e da África a fugir das guerras e da miséria, às ameaças do terrorismo, aos ataques do anti-europeísmo cultivado pela extrema direita, à crise econômica e ao ataque do coronavírus que trouxe novas preocupações. O Brexit, montado numa fortíssima campanha de notícias falsas, foi também um sinal de alerta para a União Europeia, que deixou de contar com uma grande economia. A ação dos partidos da direita em todos os países pressiona no mesmo sentido de esfacelamento, ao mesmo tempo em que difunde o racismo, o ódio e a intolerância.
Nas últimas eleições presidenciais, em importantes países como a França, a Alemanha e a Holanda, os partidos de extrema direita foram derrotados, mas apresentaram expressivo crescimento. Marine Le Pen, a candidata à presidência da França pelo neofascista Rassemblement National, que ficou em segundo lugar, faz parte do movimento anti-União Europeia. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha tornou-se a terceira maior força política no Bundestag, o parlamento alemão. Na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar. E na Itália a líder neofascista Giorgia Meloni está no poder.
*Imagem em destaque: (Re
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).