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Renata Mielli: “Algoritmo não brota da natureza. É fruto da formulação humana”

Renata Mielli: “Algoritmo não brota da natureza. É fruto da formulação humana”

Confira o segundo dia do Seminário Nacional Comunicação, desinformação e reconstrução democrática do Brasil e acompanhe as discussões sobre Inteligência Artificial e as plataformas da internet.

O segundo dia do Seminário Nacional Comunicação, desinformação e reconstrução democrática do Brasil, organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e pelo Observatório das Eleições, começou com uma acalorada e didática discussão sobre Inteligência Artificial, as plataformas da internet e o que vem por aí

Com mediação do comunicador e linguista Gustavo Conde (Canal do Conde), a mesa contou com a participação da coordenadora do Comitê Gestor da Internet (CGI,br), Renata Mielli; do pesquisador Eduardo Barbabela (Universidade de Lisboa) e dos professores Helena Martins (UFC) e Sérgio Amadeu (UFABC).

Todos unânimes quanto à inadequação do termo “inteligência” para nos referirmos a essas ferramentas.

“O que chamamos de IA, aponta Renata Mielli, são fórmulas, programas de predição estatística, não exatamente inteligentes, que usam um conjunto de dados disponíveis para desenvolver tarefas demandadas, de modo cada vez melhor e apurado”. São esses algoritmos que irão usar os nossos dados pessoais que não significam apenas RG ou CPF. “Dados pessoais é o like que damos em uma plataforma”, exemplifica.

Esse conjunto de informações sobre nossas ações e comportamentos vem sendo trabalhado “por sofisticados sistemas que geram resultados cada vez mais precisos”, mas não há uma “inteligência” por trás disso, afinal, o conceito de inteligência engloba “componentes afetivos, emocionais, a consciência, o contexto social cultural e econômico que gera nossas criações. O que não minimiza o papel importante que essas ferramentas podem ter”, explica a coordenadora do CGI.

Em sua avaliação, nossa atenção precisa recair sobre quem e o que define as decisões que geram a inteligência artificial, até porque não se trata apenas de indivíduos “mas de uma construção econômica por trás disso. Essas ferramentas são protegidas por patentes e segredos industriais”, destaca Mielli, citando o caso desastroso do uso dessas tecnologias nos tribunais norte-americanos que acabaram reproduzindo o racismo da sociedade estadunidense em suas sentenças de prisão.

Como “limpar uma base de dados que não sabemos como é composta, quais as fontes que a constituem e se não temos acesso à estrutura técnica da formulação daquela ferramenta de predição, do algoritmo, pra saber quais são os parâmetros?”, questiona Mielli, lembrando que “o algoritmo não brota da natureza como brota uma flor”.

“Ele é fruto da formulação de técnicos que, em sua grande maioria, são homens brancos que trabalham para uma indústria com interesses econômicos”.

É preciso desmistificar a inteligência artificial

Uma das principais referências em tecnologia no país, o professor Sérgio Amadeu (UFABC) declarou ser um “exagero” chamar todos esses sistemas de inteligência, ao ponderar que “uma calculadora não é inteligente. Ela tem algoritmos determinados”.

Inteligência Artificial, explica Amadeu, é um nome de mercado que suscita emoções e envolvimentos. Na prática, o que temos é “um paradigma que utiliza a extração de padrões e a classificação com alto poder computacional. A Inteligência Artificial é a extração de padrões de dados”.

Citando o exemplo do Chat GPT, “modelo de linguagem que extrai padrões de 490 bilhões de textos com 178 milhões de parâmetros em diversas culturas (preponderantemente na língua inglesa)”, ele aponta que ao contrário das bobagens escritas a respeito, o sistema não irá dominar a raça humana. Ele simplesmente “faz uma série de cálculos com alta velocidade computacional. Não tem nada de aprendiz, nem de inteligente”.

O risco não está nas ferramentas, aponta Amadeu, mas “na própria configuração de um capitalismo baseado em dados que se tornaram o elemento principal da economia”. E a extração vai continuar, ela é econômica”, avalia. Ele também traz alerta ao governo brasileiro que “continua hospedando dados fora do Brasil, alimentando e treinando os algoritmos de inteligência das máquinas lá de fora, com dados aqui de dentro, extraindo padrões da nossa cultura, dos nossos segmentos econômicos, das nossas classes sociais; e fazendo produtos para nos atingir depois com precisão, capazes de modular a nossa atenção”.

Em sua avaliação, “é preciso desmistificar a inteligência artificial”.

Não há financeirização sem tecnologia da informação e da comunicação

Na mesma linha de preocupações, a professora Helena Martins (UFC) ponderou que a inteligência artificial é “uma produção humana e como tal precisa ser discutida, definida socialmente, regulada e tem que estar certamente a serviço de interesses diversos e objetos de luta, porque os interesses são contraditórios”.

Destacando que desde 1970, está em curso um processo de reestruturação produtiva do capitalismo”, ela aponta que essas ferramentas se tornaram vetores do desenvolvimento do capitalismo na contemporaneidade.

“Elas assumem uma centralidade cada vez maior no sistema, tanto em termos de organização quanto no desenvolvimento de questões essenciais para o [capitalismo] em sua forma contemporânea, como a financeirização. Não há financeirização sem tecnologia da informação e da comunicação”, frisa.

Nesse desenrolar, é preciso pensar a possibilidade de um desenvolvimento tecnológico ligado às questões sociais, até porque, por enquanto, “quem está impulsionando o desenvolvimento tecnológico na sua forma hegemônica é o capitalismo contemporâneo”.


Regulação é fundamental

Pesquisador na Universidade de Lisboa, Eduardo Barbabela destacou o papel fundamental da regulação nesse processo, lembrando que os dados digitais traçam o nosso perfil. O que gostamos ou não. Quem nunca foi torpedeado pela publicidade após comentar algo no celular ou pesquisar nas ferramentas de busca da internet? “Isso é Inteligência Artificial também. Você ensina que se a pessoa procurou alguma coisa, ela tende a gostar disso”.

Segundo Barbabela, “o primeiro passo é autorizar ou não o uso dos dados. Você tem que ter esse direito. Esses dados são muito importantes para mostrar quem você é e quem você não é, portanto, é seu direito permitir que eles sejam compartilhados ou não”, mas discussão ainda não avançou satisfatoriamente nesse sentido, lamenta.

Quando trabalhamos com IA, não estamos falando de uma pessoa em si, mas de uma empresa que irá utilizar os recursos dessa plataforma, por isso, “é preciso criar uma regulamentação para alcançar e atingir as empresas e organizações por trás desses projetos. Ir atrás do Twitter, Facebook etc”, afinal, a inteligência artificial “passa pelo mundo real e o que precisamos discutir é o mundo real” sobre o qual “essa base foi formulada”.

E essa é apenas uma amostra do que foi o debate conduzido, com linguística e filosofia, por Gustavo Conde.


Acompanhe abaixo a programação do seminário e as outras mesas desta quarta-feira.
Clique nos títulos para não perder nenhuma discussão:

25/04 TERÇA-FEIRA

10h – Abertura e saudações da comissão organizadora

11h às 13h – O papel do jornalismo em tempos de resistência. Com Alceu Castilho, Helena Chagas, Solon Neto e Elaíze Farias – Mediação: Cristina Serra

14h às 16h – Pandemia, jornalismo e os negócios de Jair. Com Carla Jimenez, Kennedy Alencar e Juliana Dal Piva. Mediação: Malu Delgado

16h30 às 18h30 – Ecossistema de desinformação e o ataque ao Estado Democrático brasileiro. Com Esther Solano, Eliara Santana, Luciana Salazar. Mediação: Thaís Reis Oliveira

26/04 – QUARTA-FEIRA

11h às 13h – Inteligência artificial, plataformas e o que vem por aí. Com Sergio Amadeu, Renata Mielli, Helena Martins e Eduardo Barbabela – Mediação: Gustavo Conde

14h às 16h – As heranças da Lava Jato. Com Amanda Rodrigues, Ricardo Coutinho e Márcia Lucena – Mediação: Conceição Lemes

16h30 às 18h30 – Letramento midiático e direitos humanos. Com Claudia Wanderley, Eduardo Reina e José Carlos Moreira – Mediação: Cristina Serra

27/04 – QUINTA-FEIRA

11h às 13h – Papel do TSE nas eleições de 2022. Com Marjorie Marona, Fábio Kerche e Gisele Ricobom Mediação: Letícia Sallorenzo

14h às 16h – Lawfare e Lava Jato. Com Gisele Cittadino, Cleide Martins, Pedro Serrano – Mediação: Maria Luiza Alencar Feitosa

16h30 às 18h30 – Pauta feminina/questão de gênero e eleições 2022. Com Anna Christina Bentes, Elizângela Bare e Luciana Santana – Mediação: Vanessa Lippelt

28/04 – SEXTA-FEIRA

11h às 13h – Desinformação, papel da escola e formação em cidadania. Com Adail Sobral, Junia Zaidan e Juliana Alves Assis – Mediação: Haroldo Ceravolo

14h às 16h – Democracia e participação social. Com Leonardo Avritzer, João Paulo Rodrigues e Wagner Romão – Mediação: Natália Satyro

16h30 às 18h30 – Comunicação pública e democracia. Com Juarez Guimarães, Franklin Martins e Altamiro Borges –  Mediação: Luis Nassif

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