A batalha do canabidiol

A batalha do canabidiol

A linguagem de O outro mundo de Sofia está mais para a de um áudio visual de televisão e pertence menos à cinematografia no  sentido estrito da sétima arte. Mas com o seu tema de capital importância neste nosso tempo de imensas mudanças, é uma peça que contribui para aprofundar discussões e debates.

Nas últimas semanas o tema da legalização da maconha utilizada exclusivamente para fins terapêuticos vem recrudescendo no noticiário da mídia de TV em diversos países europeus. Nesse mesmo momento o documentário brasileiro O outro mundo de Sofia, de Rapha Erichsen, estréia esta semana no streaming* e reforça a divulgação da sentença judicial favorável ao cultivo da maconha a ser sintetizada para fins medicinais anunciada há pouco mais de um ano. Deste modo, vai chegando ao fim a longa luta da advogada Margarete Santos de Brito, protagonista do documentário de Erichsen e uma das mais aplicadas ativistas da causa da descriminalização do cultivo da maconha com objetivo eminentemente medicinal.

A protagonista do documentário, Guete Brito, como ela é conhecida, é mãe de Sofia, de 13 anos, portadora de uma síndrome rara que encontra alívio nas suas convulsões usando medicamentos de cannabis sintetizada; como o óleo de canabidiol. Guete e o marido, Marcos Lins Langenbach fundaram a  instituição Apepi – Apoio a Pacientes e à Pesquisa de Cannabis Medicinal – e hoje estão autorizados a cultivar, produzir e distribuir derivados da planta na sua Fazenda Sofia Langenbach, nos arredores da cidade de Paty do Alferes, no estado do Rio. O casal, uma das primeiras famílias a conseguir a permissão da Justiça para plantar maconha medicinal no país em 2016, hoje atende a seis mil famílias.

A persistente luta de Margarete Brito para conquistar a  regulamentação do cultivo da maconha é tema do documentário lançado agora, depois de nove anos do primeiro filme sobre o assunto,  Ilegal: a vida não pára, dirigido por Erichsen e Tarso Araújo.

Nele é apresentada a rotina das mães em luta para conseguir remédios à base de maconha para seus filhos, receitados por médicos. A mãe de Sofia é uma das personagens do documentário cuja estréia, em 2014, deu início ao debate sobre o uso medicinal da maconha no Brasil. 

O canabidiol legalizado, portanto, é a vitória de uma mãe incansável que iniciou acirrada luta pelos direitos da filha desafiando a Justiça, confrontando um mercado farmacêutico milionário e a opinião pública conservadora.

A batalha de Guete em favor da legalização da cannabis no Brasil inclui também  uma revisão da guerra às drogas além do debate da descriminalização da maconha para fins terapêuticos, da divulgação dos estudos científicos sobre as propriedades curativas da planta e a desconstrução de diversos argumentos proibicionistas.

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No documentário, os entrevistados são o ex-vereador, poeta, professor, membro do conselho deliberativo do Instituto Wladimir Herzog e pastor batista Henrique Vieira, de Niterói; o neurocientista, biólogo e escritor Sidarta Ribeiro; o jornalista, filósofo e compositor Francisco Bosco e a socióloga Julita Lemgruber. Todos eles confrontam os ataques à legalização da cannabis com notícias falsas e distorcidas sobre pesquisas científicas, e é comentada a legislação vigente em outros países sobre o assunto.

O tema foi parte da construção da indecorosa campanha de reeleição do funesto governo anterior, em 2022,  compactuando com a interdição ao uso da planta medicinal que constitui uma  das portas de abertura para o reforço a pesquisas de plantas brasileiras básicas na composição de novos medicamentos, de menor custo.

‘’A mesma planta básica para medicamento é criminalizada e gera morte nas periferias do país. É chocante, apesar dos avanços, o fato de ainda não se discutir isso”, lembra o diretor do filme. E também a importância de se rediscutir a guerra às drogas que persegue, encarcera e mata  a população pobre e sobretudo  negra.

O filme de Erichsen amplia o assunto acompanhando lances do recente Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal e comenta o avanço do mercado do canabidiol, o óleo que pode ser adquirido em farmácias no território nacional exclusivamente quando receitado formalmente pelas suas propriedades ansiolíticas, antidepressivas e terapêuticas e indicado no tratamento de doenças psiquiátricas ou neurogenerativas.

A linguagem de O outro mundo de Sofia está mais para a de um áudio visual de televisão e pertence menos à cinematografia no  sentido estrito da sétima arte. Mas com o seu tema de capital importância neste nosso tempo de imensas mudanças, é uma peça que contribui para aprofundar discussões e debates.

É um doc valioso, nesse estágio atual do processo de parcial descriminalização do cultivo da planta, tendo em vista a fixação justa dos custos e dos preços finais de venda de medicamentos baseados na linhagem da cannabis sativa que atendam as necessidades de  todos os extratos econômicos da população.

*Globoplay.

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